quarta-feira, 17 de setembro de 2025

A FRANCOFONIA EM PORTUGAL: ESTÁ BEM E RECOMENDA-SE, de HELENA TECEDEIRO | FUNDAÇÃO FRANCISCO MANUEL DOS SANTOS


O que têm em comum o ex-futebolista Eric Cantona, os designers Christian Louboutin e Philippe Starck e a atriz Isabelle Adjani? Tal como cerca de 50 mil outros cidadãos franceses, escolheram habitar em Portugal. Porém, para além desta nova aproximação, será que os portugueses ainda têm algo em comum com a língua e a cultura francesas?

Este retrato percorre Lisboa para medir a presença e o prestígio da língua francesa em Portugal. Dos locais de ensino, da Alliance Française ao Liceu Charles Lepierre, passando pelas escolas públicas, do Instituto Francês de Portugal à Embaixada de França. Do testemunho de franceses muito portugueses ao de famílias nacionais muito francófonas. O francês está a perder influência? A resposta pode surpreender.

terça-feira, 16 de setembro de 2025

RESENHA | UM ESPELHO SOMBRIO DOS GRIMM: A VERDADEIRA HISTÓRIA DE JOÃO E O PÉ DE FEIJÃO", de ADAM GIDWITZ | PLANETA

 

Quando comecei Um Espelho Sombrio dos Grimm, pensei que iria apenas revisitar o conto tradicional de João e o Pé de Feijão, com algumas diferenças curiosas. Mas rapidamente percebi que Adam Gidwitz não está interessado em repetições suaves — ele sacode-nos logo nas primeiras páginas, com um narrador que fala diretamente connosco, que avisa, provoca e até se ri da nossa expectativa de um “felizes para sempre”.

O que mais me surpreendeu foi a forma como João e Jill se transformam em companheiros de viagem. Não são heróis perfeitos, muito menos símbolos de virtude: são crianças cheias de falhas, mas também de coragem. E talvez por isso me senti tão próximo deles — porque crescem a tropeçar, a errar e a enfrentar medos que, por vezes, se parecem demasiado com os nossos.

A cada novo episódio, entre gigantes ameaçadores, vestidos invisíveis e criaturas bizarras, senti-me a subir mais alto nesse “pé de feijão” que afinal não conduz só a mundos de fantasia, mas também a reflexões muito reais: sobre confiança, amizade, escolhas difíceis e o peso de enfrentar as consequências.

O que mais gostei foi do equilíbrio entre o macabro e o humor. Há momentos sombrios, sim, até perturbadores, mas sempre intercalados com comentários inesperados que arrancam um sorriso e nos lembram que a vida — tal como os contos — é feita de contrastes.

No final, fiquei com a sensação de que este livro não é apenas uma reescrita de um clássico: é uma experiência de leitura que nos desafia a olhar para os contos de fadas de outra maneira. Não como histórias cor-de-rosa, mas como espelhos (alguns deles sombrios) daquilo que é crescer e aprender a lidar com as nossas próprias sombras.

Texto: Madalena Condado

 


segunda-feira, 15 de setembro de 2025

DESIGUALDADES EM SAÚDE, de RICARDO DE SOUSA ANTUNES | FUNDAÇÃO FRANCISCO MANUEL DOS SANTOS


Sabia que as histórias de dois pacientes com diagnósticos semelhantes podem ter desfechos distintos, devido à diferença de contextos sociais?  Na realidade, para além dos aspectos clínicos, factores como as classes sociais, o género, a idade, as regiões, a educação ou as políticas públicas são determinantes de saúde.

Este livro discute como, em Portugal, o acesso ao sistema de saúde depende não só da disponibilidade e distribuição adequada de recursos, mas também da capacidade dos utentes para o utilizarem de modo eficiente, influenciada por condicionantes sociológicas. Com uma análise detalhada das assimetrias, também por comparação no contexto europeu, reflete sobre os desafios para assegurar a equidade de um atendimento em saúde digno para todos.

domingo, 14 de setembro de 2025

RESENHA "O CAVALEIRO DAS TREVAS", de SHERRILYN KENYON | CHÁ DAS CINCO


Nas páginas de Guerreiro das Trevas, Sherrilyn Kenyon recorda-nos que até os monstros guardam cicatrizes que falam de humanidade. Urian não é o herói imaculado das lendas; é uma criatura moldada pela dor, forjada na traição e condenada à solidão de séculos. Vive suspenso entre aquilo que o destino escreveu para ele — a destruição — e a sua ânsia secreta de redenção.

O amor por Phoebe surge como uma brecha de luz no meio da sua noite eterna. Não um amor fácil, mas uma força que o impele a descer ao Hades e a enfrentar não apenas deuses e inimigos, mas também os fantasmas mais íntimos da sua alma. Kenyon transforma essa descida num verdadeiro rito de passagem, onde cada batalha externa espelha uma guerra interior.

Neste primeiro volume, o leitor é conduzido a um território de sombras, sangue e desejo, mas também de vulnerabilidade. Urian conquista-nos não só pela imponência do guerreiro, mas pela humanidade inesperada do homem que ousa amar quando tudo o empurra para o ódio.

E é precisamente aqui que reside a essência deste livro: ele não fecha um ciclo, antes abre instintos, presságios e expectativas para o que está por vir. Kenyon prepara o terreno, desperta no leitor a sede de continuar, como se cada página fosse um degrau que conduz a um abismo maior — ou, talvez, a uma redenção mais profunda.

Guerreiro das Trevas não é apenas fantasia urbana; é uma reflexão sobre identidade, perda e coragem. Um prelúdio sombrio que anuncia, sem máscaras, que o caminho seguinte será ainda mais denso, mais perigoso — e irresistivelmente humano.

Texto: Madalena Condado

 

sábado, 13 de setembro de 2025

PORTUGAL E O TEMPO, de FERNANDO CORREIA DE OLIVEIRA | FUNDAÇÃO FRANCISCO MANUEL DOS SANTOS


Existe um "tempo português", no sentido cronológico, descrito e medido como por nenhum outro povo? De onde virá a nossa má relação com os hábitos de pontualidade? E a história da nossa relojoaria, o que diz sobre nós? Por que desapareceu ou está hoje ao abandono, sem funcionar, muito do património relojoeiro nacional?

Este livro analisa como Portugal tem vivido o Tempo, nos seus aspectos cultural, sociológico, económico e científico. A viagem percorre sete mil anos, dos alinhamentos megalíticos aos relógios atómicos, passando pelos de sol e pela relojoaria mecânica, nas suas vertentes grossa (de torre), média (de sala, de parede, de mesa), e fina (de bolso e de pulso). O destino final é um país com um atraso endémico na sua relação com Cronos e a explicação para este nosso fado.

sexta-feira, 12 de setembro de 2025

PORTO - CIDADE DE NÉVOA E PEDRA, de MBARRETO CONDADO | CHIADO BOOKS

Porto – Cidade de Névoa e Pedra

Há cidades que se mostram de imediato, outras que se revelam devagar. O Porto, não — o Porto não é nenhuma delas — habita nas entranhas da pedra, dissolve-se na bruma, paira no silêncio húmido que desce do Douro e cobre os telhados rubros como um manto de memória ancestral. É uma cidade que se sente antes de se compreender, onde o granito tem voz e o vento murmura histórias que ninguém ousou escrever.

As gentes do Porto dispensam ornamentos: dizem o que pensam e cumprem o que prometem. São austeras como as fachadas da Ribeira, mas com um coração doce. Falam com voz rouca de quem viveu muito e sorriem com dignidade, sem pedir licença para existir. Nos olhos guardam ternura, nos gestos, uma franqueza que embriaga mais que o próprio vinho do Porto. Aqui, a hospitalidade não se mostra — pratica-se.

A cidade ergue-se em socalcos e vontades, resistindo a cercos, séculos e à pressa dos tempos. Por isso é Invicta — não por vaidade, mas por justiça. Em 1832, durante o Cerco do Porto, suportou bombardeamentos e privações para defender a liberdade constitucional. Foi aqui que D. Pedro IV foi aclamado, e quis repousar simbolicamente o seu coração — um raro gesto de amor político. Séculos antes, nas margens do Douro, nasceu o berço da nação. Daqui partiram navios que rasgaram mares e mapas, e chegou a modernidade com fábricas, comboios e indústria a transformar a cidade.

Nos muros e varandas cruzaram-se fidalgos, mercadores, espadas e ideias. O Palácio da Bolsa guarda essa nobreza ativa, unida ao labor tenaz dos homens livres. Nos seus salões ecoam passos de reis, palavras de diplomatas e juras de alianças. O Porto foi palco de revoltas operárias, bastião republicano e berço estudantil. Resistiu à censura e floresceu com o 25 de Abril. O passado não descansa: molda, arde e permanece.

Também nos muros se escreveram versos. Do Porto saiu Almeida Garrett, mestre do romantismo combativo. Aqui nasceu Sophia de Mello Breyner Andresen, que ouve o mar como quem escuta o destino. Camilo Castelo Branco viveu nestas ruas as suas paixões e tormentos — ora cúmplice, ora verdugo. Ainda hoje, o Porto é berço de autores: livrarias respiram entre pedras, cafés e ideias. Cada rua é um poema por escrever. O Porto transforma a dor em literatura eterna.

À mesa, outra epopeia — íntima e heroica. Há séculos, os portuenses cederam a melhor carne às naus, ficando com as tripas. Da escassez nasceu um prato símbolo: as tripas à moda do Porto. Nada descreve melhor a alma da cidade — que transforma pouco em muito, rude em belo. A gastronomia é resistência: a francesinha desafia, o caldo verde conforta, o bacalhau, eterno companheiro, renasce sempre. Em cada tasca pulsa uma alma, um aroma que fica na roupa e no coração.

E há o vinho do Porto, que desce do Douro em tonéis e repousa nas caves de Gaia, como quem adormece para sonhar. Não se bebe só — contempla-se. Doce, escuro, profundo. Como a cidade.

Os costumes nascem de festa e fé. No São João, sagrado e profano abraçam-se, e o Porto transforma-se em espanto. Balões sobem como preces, martelinhos e alhos-porros dançam entre gargalhadas, e o rio espelha as estrelas. É a noite em que a cidade se entrega, e por um instante, todos são filhos do mesmo chão.

O clima é um personagem à parte. Não se limita a estar — impõe-se. Os verões cheiram a sal e sol, os invernos colam-se à pele. Mas é no nevoeiro que o Porto encontra o seu rosto. Esse manto espesso que desce sem ruído envolve tudo, desfoca os contornos e devolve à cidade o seu mistério. No Porto, o nevoeiro não oculta — revela. Nas manhãs brancas, ouve-se melhor o tempo antigo, e cada beco parece um segredo em suspensão.

Na bruma, o Porto adormece,

com o Douro a sussurrar,

e um coração que nunca esquece

o que sempre há-de amar.

À beira-rio, os barcos rabelos contam outro tempo. Os degraus que descem à água falam de homens que lavraram o Douro com mãos calosas e coragem. Do alto da ponte D. Luís I vê-se a cidade em camadas: velha, eterna, resistente. Lá em cima, os telhados desenham uma colcha de ferrugem e sonho.

Se o passado é pedra, o futuro vibra nos corredores da Universidade, nas livrarias, nos cafés onde fermentam ideias. A vida académica é pulso, juventude, reinvenção. Chegam estudantes de todo o mundo, misturam línguas, sonhos, culturas. Enchem jardins, ocupam teatros, desafiam praças. Diz-se que é nos olhos deles que o Porto reaprende a ver o futuro — com ciência, arte e ousadia feroz.

O Porto escuta, mas também se transforma. Inova sem ruído, respeitando o que foi para erguer o que há-de vir. Cresce para o mundo, sem perder o cais da sua identidade.

E entre os heróis de outrora, também o presente se projeta. O futebol — paixão visceral — reflete a alma combativa da cidade. O azul e branco do F. C. Porto não é apenas cor — é nervo, é orgulho tatuado no peito de milhares.

Hoje, turistas chegam de todas as latitudes e perdem-se encantados entre a Ribeira e a Foz, entre travessas escondidas e o brilho dos azulejos ao entardecer. Espantam-se com a força do vinho, com a alma da comida, com a forma como o passado habita cada esquina. E os próprios portugueses, olham para o Porto com respeito e um fascínio silencioso — como se ali residisse uma verdade antiga, que todos reconhecem mas poucos conseguem nomear.

No fim, o que fica é um sentimento sem nome — um Fado quieto. O Porto não é só cidade: é forma de ser, de estar, de amar em silêncio. Quem aqui nasce, nunca parte por inteiro. E quem chega, se souber escutar, encontrará sempre um lugar onde pousar o coração.

O Porto é nevoeiro e luz, dureza e abraço. É pedra, rio, vinho e gente. Passado que pulsa, presente que arde, futuro que sonha — sempre com alma.

MBarreto Condado

 

 

quinta-feira, 11 de setembro de 2025

RESENHA | UM CONTO SOMBRIO DOS GRIMM: A VERDADEIRA HISTÓRIA DE HANSEL E GRETEL, de ADAM GIDWITZ | PLANETA


Não é a casa de chocolate que nos recebe à porta. É a floresta — escura, cerrada, inquietante. É para dentro dela que Adam Gidwitz conduz o leitor, de mãos dadas com Hansel e Gretel. Não as frágeis crianças que recordamos dos contos de infância, mas heróis improváveis, feitos de carne, medo e coragem.

O autor reveste a narrativa de ironia e de sombras, sem nunca abandonar a centelha do humor. Dirige-se a nós como quem partilha segredos junto à lareira, interrompe o fio da história para nos avisar do perigo ou para se certificar de que estamos prontos para o que aí vem. E o que aí vem raramente é dócil: há sangue, há abandono, há dor. Mas também existe a chama da esperança, teimosa, a arder contra todas as probabilidades.

Nesta versão, o conto não termina quando o forno se fecha sobre a bruxa. Hansel e Gretel percorrem outros caminhos, enfrentam novos monstros — alguns de carne, outros de alma — e, no fim, descobrem que crescer é talvez a mais assustadora de todas as aventuras.

Mais do que uma simples reescrita, Gidwitz devolve-nos o espírito original dos Grimm: histórias que não nasceram para adormecer crianças, mas para despertar consciências. A sua prosa, simultaneamente leve e cortante, reinventa os clássicos e lembra-nos que os contos de fadas não se fazem apenas de finais felizes, mas também de cicatrizes que nos tornam humanos.

Um Conto Sombrio dos Grimm é, assim, um livro para ler de olhos bem abertos, porque fechá-los seria perder a intensidade de uma viagem onde o medo e a beleza caminham lado a lado.

Texto: Madalena Condado