quarta-feira, 30 de setembro de 2020

(II) - Aguenta a pressão, miúdo / PAULO LANDECK

 


(II) - Aguenta a pressão, miúdo
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O vício pela epinefrina fora espremido ainda em tenra idade, muito antes do supositício acne - assim ditava a selva de betão armado e floridos nomes onde crescera.
No quartel, o eterno aliado manifestava alguma rigidez (de quando em vez), por força de infernais refregas sem passado nem futuro, ou do impulso num luíco longe de bater as borbulhas do funge habitual…
De acordo com as regras estabelecidas, batiam-se nádegas como quem bate o tal pirão, sem grande descomedimento nem choradeiras. O reforço era evidente, músculos que não quebram, tornam-se fortes, tão fortes, quanto a lavada alma, agigantada num hiperbólico drama de criança.
Felizmente, o amor incondicional nunca estivera ausente, qualquer carinhosa porrada, era virtuosa esfrega de carácter e consciência.
Por via desse equilíbrio, era possível escapar aos ameaçadores estilhaços lá fora. Passaria sempre, por entre mais e mais destroços, apesar do politicamente correcto o contrariar.
Nessas primeiras coisas, em que todos os nomes são Legião, reside a redenção. Ainda hoje professo fé à mais sagrada união...autêntica bóia de salvação vinda da outra margem do mar que se fez rio.
O teatro de guerra a céu aberto era por vezes muito agressivo, um calvário onde o Diabo assobiava ao vento, enquanto perscrutava incontáveis becos sem saída.
Todo o suplemento viria a revelar-se essencial, preciosa adenda, afinal de contas, viver é desde os primórdios, um permanente estado de alerta!
A velha bactéria fizera do palco permanente assalto; pela força da voracidade de outrora, quisera ver no mancebo seu regozijo. Deixou pesada herança…era preciso manipular o problema. Uma outra caneta de adrenalina impunha-se, como arma de combate, no destroçado e belicista aquém-mar…
Parida solução, acamada certeza: quando queria, fazia! - Não adiantava esperar por outros milagres.
Só poderia ser assim...tensão elevada (sempre pronto para momentos de stress), pupilas dilatadas, só vantagens...a velocidade de processamento antecipava toda e qualquer acção.
Afinal de contas, não fora há muito que a cria pútrida (filha do mesmo louco desígnio que temperou o aço do punhal) navegara o Atlântico, para guerrear sem tréguas toda e qualquer abelha sem ferrão - Actos heróicos também são um outro fartar, vilanagem.
A maioria são sempre as vítimas, o nauseabundo, escoriações.
As voltas trocadas, resultaram em entradas a pés juntos, saltos sem lógica, de cabeça…só porque sim. Tantos foram os que retornaram sem alguma vez partir, quanto os que do limbo não saíram, por não saberem como ir, nem onde chegar.
Quando principiar, não é mais, que o seguimento de truncado epílogo, algo estará por concluir.


segunda-feira, 28 de setembro de 2020

OS SONHADORES E AS ESTRELAS, de Anita dos Santos

 


Como sempre, combinaram encontrar-se na noite sem lua.

Era a melhor altura. Além disso, como havia pouca luz ninguém andava a passear. Havia poucos que gostassem do escuro. Tirando as corujas, claro.

Cada um vinha de seu lado pois moravam em sítios diferentes. Tinham começado a juntar-se aos poucos, quase sem darem conta. Depois foi uma questão de se habituarem a estar juntos, a conversar, a olhar para o alto.

Naquele dia o primeiro a aparecer foi o Urso. Não costumava ser o primeiro pois morava longe, mas naquele dia adiantou-se e deixou-se ficar escondido por entre os arbustos, imóvel e indistinto no meio das sombras.

Daí a pouco ouviu restolhar e olhou para a direita vendo surgir o rosto do Texugo rente ao chão.

Este, como não estava a contar com a presença do Urso, apanhou um tremendo susto, arregalando os olhos no meio da cara listada, fazendo uma expressão cómica.

- Já cá estás?

- Pois não me estás a ver?

- Não sei como não caí para o lado…

- Para a próxima, tenta fazer menos barulho. Ouvi-te à distância!

O Texugo, arrebitou o nariz e sentou-se confortavelmente a aguardar pelos outros.

De repente, surgido como que do ar, apareceu o Rato! Era a sua imagem de marca, aparecer sem ninguém dar por ele!

- Mas tu… Como é que fazes sempre isso? – Perguntou o Texugo com ar indignado, pois por mais que tentasse não conseguia imitar o Rato.

- Segredos, meu amigo, segredos que não se podem contar a ninguém! – Respondeu o Rato com expressão ufana.

- Como sempre temos de esperar por ela…

Palavras não eram ditas, e eis que de um salto surge no meio deles a Lebre.

- Chamaram? Estava só à espera da minha deixa para aparecer!

- Muito bem, já que estamos todos, vamos lá que a noite não dura sempre.

Dirigiram-se para a clareira do bosque que era cercada por árvores centenárias de tamanho que nem conseguiam calcular. No meio da clareira havia uma pedra alta e esguia junto da qual se sentaram, de costas bem encostadas e olhos virados para o céu.

- O ar hoje está limpo e brilhante. – Diz o Urso.

- Cheira a erva verde e tenra. – A Lebre franze o nariz a cheirar o ar.

- Hoje vamos ver bem os brilhos lá em cima. – A voz do Rato soa reverente.

- Sim, vamos. Lá está a Grande Toca de Esconder com o seu caminho bem marcado. Será que é hoje que vemos alguma das outras luzes dar com ela? – Pergunta o Texugo para ninguém em particular.

- Pode ser. Elas têm o caminho bem marcado com outras brilhantes, e mais outra em cada canto. Tenho de confessar que não entendo porque é que ainda nenhuma lá entrou.

A voz do Urso soava baixa, e espelhava a confusão dos companheiros.

Ora as brilhantes tinham o caminha para a Grande Toca de Esconder tão bem marcado…

E havia tantas brilhantes lá em cima… será que não tinha de se esconder?

- Só pode ser isso. Não têm de se esconder… Já pensaram, não precisar de uma toca de esconder? – O Rato, ponderava nesta suposição descabida.

- Então para que têm lá a Grande Toca de Esconder? Ali, tão bem feita uma brilhante em cada canto e mais quatro brilhantes a indicar o caminho, sendo a última a mais brilhante de todas? – Perguntou a Lebre, agastada.

- Não sei. Lembram-se quando fizemos uma Toca de Esconder com pedras igual à Grande Toca de Esconder, não escondia lá grande coisa…

- Só fica escondido quando é dia.

Ficaram todos a ponderar naquela questão durante algum tempo de olhos postos naquela enorme Abobada Escura pontilhada por uma enormidade de brilhantes.

O Rato, de repente, dá um salto de nariz no ar, como quem não acredita naquilo que está a ver. De imediato todos voltam os olhos para onde o Rato estava a olhar e, espanto dos espantos, vêem umas quantas brilhantes a fugir pela Abobada Escura, deixando atrás de cada uma um rasto brilhante que a pouco e pouco se vai desvanecendo.

Aquelas poucas brilhantes desapareceram rapidamente.

- Viram? Viram? Mas porque não foram elas para a Toca de Esconder?

De súbito surgiu um novo grupo, maior, mais brilhante. Deste grupo destacou-se uma das brilhantes, que ganhou velocidade, indo desaparecer mesmo no centro da Toca de Esconder.

As respirações que tinham ficado em suspenso, fizeram-se ouvir em alívio. Salvou-se uma!

Olharam para todos os lados em busca de outras que pudessem aparecer. E assim foi.

Em grupos ou isoladas, as brilhantes fugiam a grande velocidade de uma ponta a outra da Abobada Escura, só mais duas conseguindo dar com a Toca de Esconder.

- Mas como é possível?

- E de que fogem elas?

- Estão completamente cegas…

Só o Urso se manteve caldo, de olhos levantados, concentrado em tudo o que estava a ocorrer lá no alto.

Por fim já não havia mais brilhantes a correr pela imensidão escura.

- Três. Só três…

De súbito, apareceu uma pequenina brilhante vinda da cauda da Toca de Esconder, percorrendo o caminho até a mesma e desaparecendo dentro dela num dos seus cantos.

Ouviu-se um suspiro colectivo.

- A Ursa, minha mãe, tinha uma toca de esconder onde nós, as crias, nos escondíamos quando ouvíamos ou cheirávamos alguma coisa. Era assim, tinha um caminho e uma entrada. Depois de lá estarmos dentro, ela colocava-se a tapar a entrada. Nada ali passava.

Ficaram todos a olhar por momentos para o alto. Por fim o Texugo disse:

- Talvez devêssemos chamar Grande Ursa à Toca de Esconder…

A Lebre mirou o Urso de lado, e repontou:

- Ursa Maior, acho que lhe fica melhor.

- O que é certo é que aqueles quatro pequenos ficaram seguros, essa é que é essa!

- Ursa Maior, parece-me bem!

E assim foi que os quatro amigos continuaram a juntar-se para ver a Ursa Maior!


sábado, 26 de setembro de 2020

O SEXTO SENTIDO, de Fernando Teixeira

 

Pagou a conta e saiu dali. Fez o caminho inverso até à zona de estacionamento onde tinha deixado a mota. Quando chegou, abeirou-se do guarda-corpos de cimento que protegia os peões do declive para a praia. Inspirou o ar marítimo a plenos pulmões e, quando estava prestes a virar costas ao oceano, os seus olhos pararam em dois vultos, ao longe, na extremidade sudeste da praia: do adulto, não estava certo, tinha a cabeça coberta por um capuz do que parecia ser um anorak azul-claro; já do cão bege que pululava em redor, podia quase assegurar tratar-se de um Golden Retriever.

Sentiu um sobressalto. Seria a francesa cujo pensamento o levara nessa manhã, de forma no mínimo ingénua, a deslocar-se até Le Pouldu, numa mais que provável vã tentativa de a reencontrar por acaso?

Não se iria embora sem saber. O seu gatinho teria de esperar mais algum tempo por companhia! Desceu um pequeno carreiro que levava à praia. Com tantas algas secas e outros resíduos vegetais ásperos na areia, ajuizou ser melhor não se descalçar. Aproximou-se lentamente e as dúvidas iam-se dissipando, ou talvez devesse dizer que a esperança ia aumentando. A uns vinte passos, um pé-de-vento fez soltar o capuz quando a pessoa se virou para o mar, descobrindo-lhe o cabelo grisalho encaracolado, e foi então que teve a certeza de que era mesmo ela, embora se encontrasse de perfil.

Surpreendentemente, nesse preciso momento, o cão disparou direito a ele, o que fez com que a francesa virasse a cabeça na sua direcção. Só o reconheceu quando Pedro se acercou e lhe estendeu a mão para a cumprimentar.

– Olá, boa tarde! Como vai? Pelos vistos, o Doëlan ainda se lembra de mim… – disse, afagando a cabeça do Retriever que, depois de o cheirar, tinha colocado as patas da frente à altura da sua cintura e abanava a cauda freneticamente.

Ela devolveu o cumprimento com uma expressão que espelhava curiosidade.

– É um animal muito inteligente e dócil! Não esperava vê-lo por aqui, agora… Desculpe, no outro dia saí um pouco à pressa!

– Não tem de que pedir desculpa! Compreendo que o Doëlan quisesse desaparecer da vista do veterinário o mais depressa possível…

Ela riu-se, manifestando agrado por ele ainda se lembrar do nome do seu animal de estimação.

– Dificilmente me esqueceria, eu estou a residir em Port de Doëlan.

– A sério? Ah, bom! Pensei que morasse aqui em Le Pouldu.

– Não, só vim cá com o meu gato ao veterinário.

– Sim, o Biscaya… com “y”! – exclamou a francesa, erguendo o indicador no ar, ao nível da face, e rematando num tom que acentuava a importância do pormenor.

– Isso! – devolveu ele, sorrindo com a sua atitude e, principalmente, sensibilizado por ela se lembrar, e por ter frisado o detalhe da forma que se recordava de ter proferido na clínica, à laia de imitação, como se isso revelasse um gesto de cumplicidade muito próprio. – Já que estamos a falar de nomes: Pedro.

Estendeu-lhe a mão de novo, como se um novo cumprimento fosse requerido para tornar a apresentação tão formal quanto deveria ter sido pela primeira vez.

– Sylvie – retorquiu ela, não se negando a um segundo aperto de mão e fazendo um gesto teatral. – Mas o seu sotaque é…

– Português. Sou português!

– Fala um Francês bastante fluente! – opinou, com visível agrado. – Como veio parar à Bretanha?

– É uma longa história… – respondeu, evasivo.

– Desculpe, na verdade é ousadia minha esperar que partilhe a sua vida privada com uma estranha!

– Não tem de que se desculpar! – disse, de novo. – Estranha, chega a ser a minha vida, até para mim…

Sylvie não respondeu. Notara que havia pisado uma linha que não devia ultrapassar. O seu sexto sentido percebera uma sombra cinzenta no olhar vago daquele homem, sombra que não era o reflexo do céu nublado nos seus olhos. Seria algo profundo, íntimo… O que quereria ele dizer com vida estranha?

 

in Traços De Pont-Aven

(O autor escreve segundo a ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.)


sexta-feira, 25 de setembro de 2020

A Autora ANITA DOS SANTOS na FEIRA DO LIVRO DE LISBOA




 

Os Nove Braços do Hanukiah de Rita Mayer Jardim / CASA DAS LETRAS

 


Um candelabro judaico desaparece do museu da sinagoga de Savannah, no estado norte-americano da Geórgia, e uma estranha mensagem em português é deixada no seu lugar. Suspeita do furto, a genealogista Clara Mendes cruza-se então com Lior, um veterano de poucas palavras que se dedica a investigar o paradeiro de artefactos judaicos roubados e que lhe pede para ir a Israel pesquisar a sua descendência de uma ilustre família sefardita.

Ingénua, mas determinada, Clara depressa se vê envolvida numa intriga empolgante que a leva a mergulhar na história conturbada do povo judeu, tanto na Europa como no Novo Mundo, e que tão depressa a faz recuar ao terror da Inquisição como a descobrir os meandros da nova extrema-direita internacional.

Decorrendo ao longo de vários séculos, por entre os segredos das ruas tortuosas de Jerusalém e a dura colonização do sul dos Estados Unidos da América, a diáspora judaica de Marrocos e as profundezas da Amazónia brasileira, Os Nove Braços do Hanukiah é um romance apaixonante à volta do extenso legado dos judeus sefarditas, um povo que, certo dia, Portugal decidiu expulsar.



quinta-feira, 24 de setembro de 2020

ANTÓNIO, de Maria Cecília Garcia

 


António partiu para a França contrariado, fê-lo para satisfazer Isaura
e tentar dar-lhe a vida que ela ambicionava. Na verdade, nunca
entendeu a razão destas novas ideias dela que, até então, nunca tinha
sentido, pelo menos nunca tinha dado mostras, dessas ambições.
Se fosse ao fundo da questão, tinha que reconhecer que ficara algo
decepcionado, magoado até, porque parecia que a Isaura no lhe custava
nada se separar dele.

Mas amava-a tanto que não se detinha nestes pensamentos.
Na França deixou de ser aquele jovem simples, alegre, convertendo-se
num homem apenas preocupado com o trabalho e com o dinheiro que podia
guardar para poder regressar o mais depressa possível. Vivia num
quarto partilhado e comia frugalmente, doía-lhe na alma ter que gastar
dinheiro em algo que não fosse essencial. Apenas se perdia, em algumas
ocasiões, ao comprar algum brinquedo ou um bom casaco para Pedrinho,
ou um belo vestido para Isaura.
Já tinha uma pequena mala onde guardava as peças com as quais esperava
fazer uma bela surpresa aos dois. Sorria aoimaginar a alegria deles,
os abraços.

Esperava ansiosamente pelas cartas de Isaura para ter notícias do
filho e novidades da sua terra.Nos primeiros meses as cartas foram
frequentes e motivadoras, cheias de saudades, mas, pouco a pouco,
estas começaram a ser mais espaçadas no tempo e algo indiferentes,
eram curtas e secas, como quem escreve apenas para cumprir uma
promessa. Não pareciam ser da sua Isaura., pensava. A última carta
trazia apenas umas letras espaçadas, preguiçosas, e uma foto de
Pedrinho, com um sorriso aberto, mostrando orgulhoso o buraco deixado
pelos dentes que lhe tinham caído. António deu uma grande gargalhada
de alegria ao ver o seu menino desdentado.
Nesse dia decidiu voltar, o mais tardar no Natal, e já era Novembro.
— Falta pouco para que possa regressar e afundar-me nos olhos de
Isaura, colocar-lhe flores no cabelo como quando éramos crianças,
voltar ao Rochedo ver o voo das águias e o caudal do rio.
Trabalhou com entusiasmo redobrado, por vezes sentia uma tristeza
indefinida ao pensar em Isaura, não sabia porquê. Mas a recordação de
Pedrinho devolvia-lhe uma terna emoção.
Na primeira semana de Dezembro António pôs-se a caminho sem avisar,
desejava que o seu regresso fosse uma alegre surpresa para todos.
A viagem de comboio pareceu-lhe demasiado longa, tal era a sua ânsia
de chegar. Uma vez em Campanhã, tomou um táxi rumo ao seu planalto.
Valia a pena o dinheiro que lhe ia custar, pois, chegaria mais rápido.
O seu coração batia acelerado à medida que se aproximava da povoação.
Parou o táxi junto ao café da Celeste, queria cumprimentar os velhos
amigos e conhecidos.
Havia uma meia dúzia de homens  na rua,dentro da taverna, apenas dois
fregueses davam cavaco à patroa. António entrou sorridente, feliz, mas
o que recebeu de volta foram rostos espantados e silenciosos.
— Então D.Celeste, amigos... já não conhecem o António?
Alguns  aproximaram-se-, dando-lhe um forte abraço, que mais parecia
aqueles abraços que sentidos que se dão nos funerais.

Celeste olhava para aquele rapaz com tristeza e continuava em
silêncio. Os que ficaram na rua sacudiam a cabeça, incrédulos ,sem
coragem para falar. António estava em pânico.

— Celeste, o que aconteceu? Estão todos tão estranhos!
— Vem cá filho, — deu-lhe a mão e fê-lo sentar-se no fundo da escada
junto dela, apenas alumiado pelo clarão avrmelhado da grossa vela,ao
fundo da escada. Ouvia-se em surdina a voz de Celeste, que segurava as
mãos de António ao falar  com ele.
Quando António se levantou, tudo o que nele tinha mudado saltava à
vista: o queixo, a testa, a boca, tudo se tornara tenso. Na boca
sobretudo, havia um sorriso insolente.
-Então eu…eu não era nada para ela?

Num próximo livro.

A Vida Secreta da Cozinha Portuguesa de Guida Cândido / DOM QUIXOTE

 


Escabeche, pataniscas ou caldeirada. Cozido, tripas ou rojões. Caldo-verde, favas guisadas ou peixinhos da horta. Bolo-rei, arroz-doce ou rabanadas… Enfim, se é português, todos estes pratos lhe dizem certamente alguma coisa (ou muito!) e estão entre o que de mais tradicional se pode encontrar na cozinha do nosso país. Mas fará ideia de quando nasceram estas iguarias e em que livros ou manuscritos apareceram pela primeira vez?
Guida Cândido, especialista em História da Alimentação e autora premiada de duas obras de gastronomia fundamentais (Cinco Séculos à Mesa e Comer como Uma Rainha), vem revelar-nos neste seu novo livro segredos muito bem guardados. Sabia, por exemplo, que já se servia Marmelada no início do século xvi e que uma receita de Ovos-Moles figura no primeiro livro de cozinha impresso em Portugal? Que as Tripas à Moda do Porto estão num livro de 1715 e os famosos Pastéis de Nata tiveram um parente próximo pela mesma altura? Que o cozinheiro de D. José e D. Maria I já fazia Pão-de-Ló e que a Cabidela aparece num velho livro de mezinhas compilado por um frade?


quarta-feira, 23 de setembro de 2020

Autora Vanessa Lourenço

 


(I) - Corria o ano de 2005, sentia-me confiante, pujante, rejuvenescido. / PAULO LANDECK

 


(I) - Corria o ano de 2005, sentia-me confiante, pujante, rejuvenescido.
Regressara da corrida matinal, lavado em esforço; peito cheio, galopante; peso do céu aliviado pela beleza nada rara do azul; pulsavam todos os afluentes, providos por avassaladora bomba que gritava incessantemente, “estou bem vivo”!
A escadaria partida indiciava não menos metafóricos degraus. Subi cauteloso, mas decidido, afinal de contas trata-se apenas de um pequeno detalhe….Regressemos ao essencial; importa não perder o pé mesmo quando a ferrugenta chave roda à primeira, deixando abrir o portão que se encerrará com estrondo.
Cerrada a entrada do prédio em segurança, foco direccionado ao vermelho alerta da caixa do correio (a mesma, do vermelho paixão).
Novamente a chave, uma outra, mais pequena, não menos interessante - Esse símbolo de controlo e posse, é das primeiras conquistas que uma criança pode ter, quando alguém lhe diz: “toma, tens aí a tua chave. A partir de agora já podes ir vendo o correio…vê lá se não a perdes, e não escavaques aquela bodega”. - Mais uma vez, cumpriu a sua função, sem causar estragos.
A carta metodicamente aberta, revelara rasgado sorriso. Acabara de receber a convocatória do Exército Português para me apresentar a 25 de Julho, no Regimento de Infantaria (RI 1), na Carregueira. Aos 27 anos de idade, aquela missiva, era o meu passaporte para dar início ao Curso de Formação de Comandos, depois de superadas as respectivas provas de admissão, meses antes, como voluntário.
Havia um senão, como comunicar à família e amigos uma notícia deste calibre, quando nem sequer intenção de cumprir vida militar havia alguma vez demonstrado ao longo de sua vida? – Talvez ainda fosse a carta, a melhor forma de encurtar outras distâncias.
Estava decidido: seria mais uma de tantas coisas nunca ditas; palavra perdida, como navio em garrafa à deriva no mar…o mesmo mar que vezes sem conta me devolveu esta pena à mão….
O hábito de fazer o saco parecia intrínseco à minha própria natureza. Partir, custa menos que falar.
A explicação à família, ficara-se pela necessidade de me apresentar no quartel, e ao que ia: procurar seguir carreira militar. – Como chegara até ali, parecia-me não só pouco relevante, como de uma intimidade difícil de compartilhar, o baluarte estava há muito erigido.
Congratularam-me, apesar da surpresa; parecia até que um novo homenzinho iria agora fazer-se esquecer. Pouca roupa na mochila, documentação, última golada nesse outro “del cano” de navegações mais felizes, trinca na maçã, e até breve!


sexta-feira, 18 de setembro de 2020

Viajo Sozinha de Samuel Bjork / DOM QUIXOTE - Tradução de Eurico Monchique

 


Quando o cadáver de uma menina é encontrado pendurado numa árvore, a única pista que a polícia tem é uma nota pendurada no pescoço dela onde se lia: Viajo sozinha.

O detetive Holger Munch é encarregado de reunir uma unidade especial de homicídios. Mas para completar a equipa ele tem de encontrar a sua antiga parceira, Mia Krüger – uma investigadora brilhante mas problemática –, que se retirou para uma ilha isolada.

Ao rever o processo, Mia descobre algo – uma fina linha raspada numa unha de um dedo da menina: o número um. Isto é apenas o início. Para salvar outras crianças de um destino semelhante, ela terá que encontrar uma maneira de afastar os seus próprios demónios e impedir que este criminoso se transforme num assassino em série.


quarta-feira, 16 de setembro de 2020

Por carreirões e estradas (des)calçadas / PAULO LANDECK

 


Por carreirões e estradas (des)calçadas
Ouve-se um cicio, de alma que transpira entre poeira num daqueles dias de Verão; deixa adivinhar proximidade ao inferno: -já falta pouco, é já ali…
Incontáveis quilómetros adiante, confirmamos a existência do purgatório, onde a fonte expurga qualquer contrição, de bica aberta:
-Minha Nossa Senhora, haverá agora, bebida melhor que esta (slop)?! Quanta frescura!
-Só se for o vinho – respondi sem demora, afagando o meu cantil em pele.
Como assim?! – diziam-me as sofridas expressões faciais de quem calcorreou caminhos de Deus e do Diabo.
-Sim…o vinho. Conheces mais alguma bebida que mate de igual modo, todas as outras sedes do mundo? – Indaguei.
-Bem, pensando dessa forma…se a água é fonte de vida, pode bem o vinho ser fonte de inspiração.
No entanto, entendi muito bem a sua impreterível devoção ao fontículo, e particularmente naquele dia, de tão inebriante interrupção:
Se há sítio onde os homens são feitos de pedra, deve ser por ali, no Nordeste Transmontano. Mas quem por lá passa, só pode sair mais forte, com vontade de regressar...pois se o corpo enrijece: a sua alma amadurece!
A nossa alma, é coisa que aprimora vagarosamente, ao sol; à sombra de uma árvore;de cutelo e chouriça na mão, deitado na palha; depois da melancia partida na pedra, sob olhar atento da águia-real (ou sob o manto estrelado); ou na partilha de olhar transumante, cuja coerência do cajado, une a terra que pisa ao firmamento, sem que se lhe escape o mais ínfimo detalhe em seu redor(da mais pequenina flor, à nuvem ainda mais alta que o seu céu, do coaxar no charco, ao sorriso que advoga sinceridade)...
Depois de tirados alforges, sem tempo nem cárcere, é lá na aldeia o melhor convívio.
A merecida pausa no quase virar de página, fez-me sentir a plenitude dos trilhos que percorrera, quer a pé, quer amparado pelo portentoso Burro de Miranda.
Por essa Terra de Miranda, que se diz fria, o calor emanado faz parte do mesmo infindável horizonte que nos oferece corpo forte e alma sã. Até parecem coisas saídas de outros tempos difíceis de imaginar, ainda que sem segundas intenções (o poeta romano Juvenal que confirme em sonhos, se puder marcar tão sadio encontro – “Mens sana in corpore sano”, ou, “mente sã em corpo sadio”.
Onde muito parece miragem, cada ser humano conta como rara e integrante aparição.
Por toda esta região, não faltam propostas de caminhos que nos conduzam à Sé, ao convento, às inúmeras capelas e igrejas, ou até ao novo mosteiro…mas é nas fagulhas da fogueira, em plena liberdade, que encontramos maior religiosidade, sem hora marcada. Se não é do “sacro-ofício” que vos agradais, pois que tereis de descobrir outro altar...


terça-feira, 15 de setembro de 2020

A Faca de Jo Nesbo / DOM QUIXOTE - Tradução de C.S.C. Marques

 


Harry Hole está em maus lençóis. Rakel, a única mulher que algum dia amou, deixou-o de vez. A Polícia de Oslo ofereceu-lhe uma nova oportunidade, mas para resolver casos menores, quando na realidade o que ele pretendia era investigar Svein Finne, o violador e assassino em série que, em tempos, pusera atrás das grades. E agora, Finne está livre depois de mais de uma década na prisão, e Harry determinado a investigar todas as suspeitas que continuam a recair sobre ele.

Mas nada lhe corre como gostaria e a cada dia que passa só vê piorar a sua situação. Quando, depois de uma noite de embriaguez total, Harry acorda de manhã completamente desmemoriado e com sangue nas mãos percebe que algo de estranho se passou. Porém, o que nessa altura Harry ainda não sabe, é que acordou apenas para viver o pior pesadelo de toda a sua vida.


domingo, 13 de setembro de 2020

A MISSIVA, de Fernando Teixeira

 


Enquanto percorria a estrada de óptimo piso para Le Pouldu, por entre campos verdejantes, largos e planos, salpicados por casas brancas de telhado negro, a baixa velocidade por causa do seu passageiro de quatro patas, ia congeminando algumas ideias que repetidamente assolavam à sua mente, sem que tivesse ainda chegado a uma conclusão.

Uma das questões que mais o intrigava era saber até que ponto a pista Clohars-Carnoët lhe dava alguma indicação segura do paradeiro do seu filho, que cortara relações consigo havia duas décadas. A última vez que falara com ele, lembrava-se bem, sabia-o algures em Itália. Como podia esquecer? Recebera a chamada do filho, esperançoso de uma súbita reconciliação, na última tarde de três dias em que se deslocara a Lisboa para visitar a Expo98, a Exposição Internacional de Lisboa, subordinada ao tema “Os oceanos, um património para o futuro”.

– Presta atenção! Não quero que me voltes a ligar nem que voltes a chatear a mãe, ouviste bem? Esquece que nós existimos! A minha mãe não quer saber de ti para nada e eu também não! Para mim, tu morreste!

Não era o vento que fazia lacrimejar os seus olhos, protegidos pela viseira. Aquelas palavras continuavam a feri-lo, como no primeiro dia. Recordava que não tinha querido ver mais nada. Saíra do recinto da exposição com a voz e a mente embargadas e rumara de imediato ao Algarve, ainda hoje não sabia como tinha conseguido conduzir com os olhos numa cortina de água. Se os oceanos eram um património para o futuro, o seu parecia terminar naquele mar de lágrimas!

Revia imagens claras que o tempo não conseguia desvanecer: o momento em que abrira o envelope sem remetente pela primeira vez e dele retirara o cartão, duas linhas de palavras secas e um nome:

 

Talvez te interesse saber que a

minha mãe faleceu há três dias.

         Afonso

 

Porquê aquela missiva do filho agora, anunciando a morte da mãe, fazia dois meses? Se nem Afonso, nem tão-pouco ela se haviam interessado por saber se ele estava bem, se continuava vivo, antes tinham manifestado vontade de que desaparecesse da vida deles, desaparecendo da sua, por que motivo o filho dera subitamente à costa, tanto tempo depois?

Raciocinou, como já o fizera de outras vezes, que Afonso não queria dar a conhecer o seu paradeiro ou teria, simplesmente, indicado um endereço de remetente. Ora, o facto de o filho nem sequer ter escrito o nome no envelope parecia indiciar que o clima de blackout se mantinha, não tendo qualquer interesse em estabelecer uma aproximação ao pai, para além de formalizar a informação que pretendia dar. E era isso que o confundia: que necessidade tinha Afonso que ele soubesse que a sua ex-mulher tinha morrido, quando tinham estado mais de vinte anos sem se verem e sem comunicarem? Para o filho, ele até estava morto!…

Por que se dera ao trabalho de o avisar? E, embora o teor da missiva fosse seco de sentimento, a verdade é que ele assinara a mensagem, como se acenasse e dissesse: Estou aqui!

 

in Traços de Pont-Aven

(O autor escreve segundo a ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.)


sexta-feira, 11 de setembro de 2020

Alamedas Escuras de Ivan Búnin / DOM QUIXOTE - Tradução de Nina Guerra e Filipe Guerra

 


Escritos entre 1938 e 1944, e ambientados no contexto das crises culturais e históricas russas das décadas anteriores, estes contos centram-se em ligações obscuras e eróticas. O amor – nas suas diversas e variadas formas – é o tema unificador deste conjunto rico de narrativas, caracterizado pela prosa evocativa, elegíaca e elegante pela qual Búnin ficou célebre.

Traduzido pela primeira vez em Portugal diretamente do russo, por Nina Guerra e Filipe Guerra, e na sua totalidade, Alamedas Escuras é uma das grandes conquistas da literatura russa émigré do século xx. Uma obra-prima que levou o domínio poético da linguagem de Búnin a novos patamares e que é, ainda hoje, um dos livros de contos mais lidos na Rússia.


quinta-feira, 10 de setembro de 2020

A Vida Brinca Comigo de David Grossman / DOM QUIXOTE - Tradução de Lúcia Liba Mucznik

 


Túvia Bruck era o meu avô. Vera a minha avó. Rafael, Rafi, R., como é sabido é o meu pai, e Nina… Nina não está cá. Nina não está. Foi sempre esse o seu contributo especial para a família. E eu, o que sou?

Estas são algumas das observações que Guili, a narradora de A Vida Brinca Comigo, aponta no seu caderno. Mas, por ocasião da festa dos noventa anos de Vera, Nina regressa: apanhou três aviões, que a trouxeram do Ártico até ao kibutz para se reencontrar com a euforia da mãe, a raiva da filha, Guili, e a veneração intacta de Rafi, o homem que, apesar de tudo, ainda perde todas as suas defesas quando a vê. Desta vez, Nina não pretende fugir: ela quer que a mãe acabe por contar o que aconteceu na Jugoslávia durante a «primeira parte» da sua vida, quando, jovem judia croata, se apaixonou por Milosz, filho de camponeses sérvios sem terra. Nina quer saber mais sobre o seu pai, Milosz, preso sob a acusação de ser um espião estalinista. E porque é que Vera foi deportada para o campo de reeducação na ilha de Goli Otok, abandonando-a quando tinha apenas seis anos.


quarta-feira, 9 de setembro de 2020

Leiria Film Fest – “Altitude”, de Nicole Scherer / PAULO LANDECK

 


A voluntária reclusão traz-nos agradáveis oportunidades, como a de assistir à selecção oficial do Leiria Film Fest a partir de casa. Segui com muito agrado, algumas das obras a concurso.
A austríaca Nicole Scherer leva-nos numa empolgante ascensão pela montanha, não na tentativa de atingir o ponto mais elevado (no sentido topográfico da coisa), mas num enlace entre realidade e ilusão, durante o que poderia ser uma expectável caminhada até ao conforto de simbólica cabana (não posso esquecer o carácter temporário da madeira, as raízes das árvores que assentam e dispersam como quem comunica em pleno no bosque, o tronco que se eleva a outros patamares, a necessária transumância para os que vivem da montanha…o necessário abrigo do corpo, e da alma).
Não consegui deixar de viajar pela cultura pagã dos Alpes, seus demónios associados, espíritos do bosque, figuras mitológicas (talvez por influência duma série germano-austríaca que terá ido para o ar em 2018, “Der Pass”; co-produção essa inspirada por sua vez, numa outra série escandinava de contornos semelhantes, “Bron/Broen”).
Em “Altitude”, o espectador atinge “o pico” do filme após súbitas paragens, como quem sofre catatonia ante virtual desenlace, e acorda de forma acutilante para o horror da dura realidade.
Para além dessa alusão às raízes do folclore alpino (não como elemento unificador num outro sentido que assola a Europa e o mundo, mas mais identitário/cultural, pelas diversas comunidades transfronteiriças que os Alpes abrangem), parece-me haver uma vitória das crenças e emoções sobre o real (será uma alusão aos perigos da pós-verdade?!); este filme, não deixa de ser também, um regresso ao passado recente de Nicole, remetendo-nos para a sua curta, "Dark Alp” (2015).
O confronto que a realizadora nos traz, parece transportar-nos para um mundo que nos ensandece numa espécie de hipóxia, a mesma que nos impede de continuarmos a subir a montanha na plenitude de nossas faculdades até ao conforto da nossa cabana, sem atentarmos ao real…espreita o perigo constante e a tragédia iminente. É importante mantermos pés assentes na terra, a mesma que empresta poeira ao tempo, sem esquecermos dos tais demónios que nos poderão atormentar, nem do que poderemos aprender, como quem caminha, de sentidos bem despertos.


terça-feira, 8 de setembro de 2020

Quichotte de Salman Rushdie / DOM QUIXOTE - Tradução de J. Teixeira de Aguilar

 


Inspirado pelo clássico de Cervantes, Sam DuChamp, um medíocre autor de livros de espionagem, cria Quichotte, um cortês e apatetado vendedor ambulante obcecado pela televisão, que é vítima de uma paixão impossível por uma estrela de TV. Acompanhado pelo seu filho (imaginário) Sancho, Quichotte empreende uma picaresca busca pela América a fim de se mostrar digno da mão da celebridade, arrostando valorosamente com os tragicómicos perigos de uma era em que «Tudo-Pode-Acontecer». Entretanto, o seu criador, que vive uma crise de meia-idade, enfrenta igualmente os seus imperiosos desafios.

Tal como Cervantes escreveu Dom Quixote para satirizar a cultura do seu tempo, Rushdie transporta o leitor numa desvairada corrida através de um país à beira do colapso moral e espiritual. 


domingo, 6 de setembro de 2020

Hoje, damos a boas vindas a Paulo Landeck, colaborador da Nova Gazeta.

 


Paulo Osório da Silva Landeck nasceu em 1978. Colabora com o jornal Nova Gazeta, faz parte do Conselho Científico da RAES – Revista de Ambiente, Ecologia e Sustentabilidade. Dizem ser ave de arribação, vagabundo do mar, amigo, boémio, eterno errante…por vezes asceta…tímido e extrovertido, paradoxo, hedonista, filho de Deus e do Diabo. Foi próximo do Moinho de Maré de Alhos Vedros (Moita) que fugiu pela primeira vez, do amparo de sua mãe. Cresceu no Vale da Amoreira, num irrequieto ambiente multicultural urbano da margem sul do Tejo, antes de se fazer ao cais para soltar amarras. Viveu e trabalhou em lugares que o marcaram de forma muito intensa, como: Portalegre, ilha da Madeira, Peniche, Londres (Chelsea, Brixton, e Earl’s Court), Newquay (Cornwall), País-de-Gales, Porto, Açores, Trás-os-Montes, Terra Nova, Noruega, Escócia, Figueira da Foz, São Pedro de Moel, Zadar (Croácia), Cartagena (Espanha), Faro, ou Lisboa. 

Além da paixão pelo mar, dedica muito do seu tempo a questões ligadas à sustentabilidade; defende maior atenção aos serviços de ecossistemas; acredita na economia da conservação; mergulha diariamente na cultura; advoga que o Ecoturismo, pode ser importante ferramenta para a valorização e conservação patrimonial, por via de um cuidado planeamento orientado para os aspectos diferenciadores que possam ser valorizados de forma verdadeiramente sustentável, em cada região. 

Desde miúdo, já sonhou ser: arquitecto, entomólogo, sociólogo, arqueólogo, escritor e viajante, botânico, jornalista, professor, sonhador profissional. Tem uma estranha fobia a palhaços (Henry Miller deu-lhe estranhos pesadelos, quando conheceu o palhaço Augusto em, 'O Sorriso aos Pés da Escada'); é um pouco hipocondríaco, o que dificulta, ou talvez não, o cumprimento de regras, em plena pandemia. É observador de espécies marinhas, marinheiro, guia, ser humano incompleto e insatisfeito; foi admitido para o Curso de Oficiais do Exército (teve curta passagem pelos Comandos); conta com diversificada experiência profissional; andou às voltas, debaixo e à tona de água (em lazer, e em trabalho). Tem longa experiência de trabalho em contexto científico, sobretudo na área da biologia marinha e pescas, e no turismo.

Trabalhou em escolas de surf e de mergulho, hotelaria, aviação; foi professor, guia turístico, gestor de conteúdos…é freelancer dedicado; fotógrafo amador, está sempre disponível para novas aventuras que o levem à descoberta. Defende o turismo sustentável e abomina a forma como o turismo de massas continua a imperar, contrariando toda e qualquer lógica dos desafios com que somos confrontados, em pleno século XXI. É um guia de natureza apaixonado pelo mundo que o rodeia. 

Formou-se em Turismo (licenciatura pré-Bolonha), no Instituto Politécnico de Portalegre. Concluiu pós-graduação em Ecoturismo, pela Escola Superior Agrária de Coimbra. Mestrando com estágio/dissertação por terminar, na mesma área. Paulo, conta com diferentes cursos profissionais reconhecidos internacionalmente; tem formação profissional em produção multimédia pela ETIC; cursos de mergulho CMAS/PADI; carta de Patrão Local; cédula marítima…fez diversos cursos avançados de segurança e sobrevivência no mar, em Portugal e no estrangeiro. Foi bolseiro científico, tendo colaborado sobretudo com o Departamento de oceanografia e Pescas (DOP) da Universidade dos Açores, e com a Universidade do Minho/Sociedade Portuguesa de Vida Selvagem (SPVS). Foi Observador de Pescas da U.E. Passou pelos escuteiros, dedicou-se a causas ambientais como voluntário, desde aves marinhas (longe de sonhar que um dia haveria de colaborar nos trabalhos para a criação de um Atlas das Aves Marinhas de Portugal), ao apoio em trabalhos para a preservação do burro mirandês; fez parte do Grupo Académico de Serenatas de Portalegre, terra onde teve também longo percurso associativo, enquanto dirigente académico; esteve ligado a diversas organizações ambientais, como associado e/ou voluntário - colaborou com diferentes escolas da Grande Lisboa (voluntário a título particular) em acções de sensibilização e educação ambiental. Iniciou-se ao mergulho amador nos anos 90 (CMAS/PADI), vive o surf como filosofia de vida, gosta de pescar, adora o contacto coma a natureza, e de desportos radicais. 

Para ele, navegar é embalar, resistir, e viver em liberdade! Praticou artes marciais e luta-livre olímpica; partiu um dente a dropar um halfpipe de skate, numa aposta no Marés Vivas em Vila Nova de Gaia, durante um concerto de Jon Spencer, Blues Explosion…saiu-se bem melhor com os patins, ainda que numa vertente de street agressiva, pelas ruas da Grande Lisboa; adora caminhar, pedalar, estar dentro de água, de toda a forma e feitio. 

Desde cedo, tomou gosto às viagens dentro e fora de portas, marcou-o muito uma de suas primeiras saídas em que se perdeu na catedral de Santiago de Compostela, era ainda uma criança; quando a Guardia Civil o veio devolver aos pais, uns dias depois, decidiu que queria ser errante, para jamais se voltar a perder. Na sua primeira ida à Noruega (por Oslo e arredores), deixou amigos e amores. Em território luso, o surf e a montanha, deram mote a várias escapadelas de toda a forma e feitio. 

Fez várias incursões de mochila às costas, por terras perdidas de Portugal e Espanha, atraído pela relação da terra com as suas gentes, ser backpacker está-lhe no sangue, há quem diga que o verdadeiro Paulo Landeck poderá ter sido trocado por um cigano, ainda na maternidade. Tomou gosto à road trip, numa primeira viagem, em que do Alentejo rumou ao País Basco, tendo depois atravessado a França rumo a Calais. Tinha Londres, como ponto de viragem para o regresso, mas resolveu ficar a viver em Chelsea. “Tornou viagem”, alguns longos meses depois, andou pelos Países Baixos, Luxemburgo, e atravessou calmamente França, numa procura de um cenário mais rural. 

Apesar do seu particular gosto por lugares perdidos e achados, gosta de seguir uma via epicurista de estar no mundo, sendo a facilidade de adaptação, umas de suas imagens de marca (talvez lhe esteja no sangue e nas múltiplas heranças genéticas, como revelam os traços estampados no seu rosto…é difícil definir a que país pertence, só pela fisionomia). Correu muitos dos destinos mais populares de Espanha e parte do seu lado mais escondido; teve o prazer de calcorrear quase todos os municípios de Portugal; conheceu lugares que eram tão periféricos há décadas atrás, como Câmara de Lobos (Madeira), ou Rabo de Peixe (Açores), em difícil “contexto de uma época”…teve o privilégio de ir às Formigas (em trabalho), entre outros lugares recônditos de sua alma. Ao longo de 16 anos, passou meses e meses seguidos embarcado, sobretudo: na pesca do bacalhau da Terra Nova; nos Açores, ao caranguejo-das-funduras; no palangre ao espada-preto, e na pesca tradicional à linha, ao atum; na costa continental portuguesa (pesca costeira, e a velejar); nos mares Mediterrâneo e Adriático; nas Ilhas Shetland (Escócia), Inglaterra, Países Baixos, e plataforma continental norueguesa do Mar do Norte…navegar, ontem, hoje, e sempre que possível! 

Foram longas, as veraneantes temporadas, entre Vila Viçosa e Elvas, onde admirava a biblioteca de seu avô transmontano que escolhera o Alentejo, depois de páginas e páginas viradas em África, a mesma que lhe dera a sua avó materna. Ali podia deixar fluir vagarosamente, cada dia de sol. Teve uma adolescência marcada pela cultura do surf da Costa da Caparica, onde se refugiava à procura de azul e emoções fortes que os desportos radicais oferecem; ficava sempre em casa de uma tia, quando podia, pois ali sentia uma outra vida, mais tranquila, entre cada grão de areia que se escapava entre mãos ao folhear um bom livro na praia…ali viveu paixões de adolescente, e outras maresias, num quadro pintado pela xávega, e pelo brilho prateado de vivas escamas. 

As férias grandes são, ainda hoje, para ele, sinónimo de mágicas temporadas passadas entre Vila Nova de Gaia e Porto, em casa de familiares (foram tão bons os episódios: das piscinas da Granja e sobretudo a de Espinho, das surfadas dali ao Paredão, pela Sereia, essa Madalena nunca revoltosa, nunca arrependida (e que bons restaurantes!), que vagalhões, nas “marés vivas”! Da memória nunca fugirá, o litoral da Aguda, ou mais pelo interior, o inebriante cheiro a mata, entre fetos que pareciam tão gigantescos quanto o olhar das crianças; os tanques das lavandeiras, caminhadas mil entre Valadares e Miramar, antenas ao Monte da Virgem, frutos no pomar, galos gigantes, lenha e sabores, do Cais da Pedra ao Douro, Porto de passagem, de abrigo…romântico…ali faz-se das tripas o sal, e das lágrimas do mundo, o coração que resiste ao tempo, em barricas que sobem e descem em rabelos, numa luta que se venceu…desigual; a água corria-lhe também na boca, quando sentia o cheiro das sardinhas, em Matosinhos, ou dos incontáveis petiscos nas casas típicas da região; quer a norte, quer a sul, parecia-lhe no entanto ser outra dureza, a tal, que resiste ao mar, como o Senhor da Pedra apregoa: a rocha irrompe mar adentro, lembrando cavalos de outros tempos…. Seria impossível como marinheiro, não ter ficado para sempre marcado pela contagiante energia do Pico; há para ele lugares que ultrapassam qualquer frame, assim é nos Açores, como nos fiordes de Bergen, no Alto Douro Vinhateiro, ou na luminosidade da Ria de Aveiro! Sabe que a sua Portalegre amada encerra saborosos e íntimos segredos; ao planalto transmontano quer também voltar, pois só quem não conhece, não imagina, como tão bem se pode estar por lá; Coimbra conquistou-o, como quem faz a corte, hoje está rendido. Repetidas foram as suas fugas ao Verde Minho, onde no Gerês procurou carregar baterias, e com sucesso! Peniche poderia bem ser um local de eleição para viver, pela tribo do surf, e boas memórias do melhor tempo do Baleal. Teve a sorte de viajar no tempo e memória, por St. John’s, no Canadá; espreitar ravinas e penhascos, onde quer que os encontrasse; sonha cruzar mundo qual garajau; já se pendurou nas asas de “pombaletes”, em dias de tempestade; focou alcaides e pardelas; seguiu vezes sem conta, o vôo picado do mascate; os araus e tordas-mergulhadeiras; nadou com golfinhos em alto mar, emocionou-se a cada encontro com os gigantes gentis, para ele, viver experiências com cetáceos, é como manter sonhos e chama de criança, sempre vivos…com esperança. Não menos interessante é o mundo dos peixes, ou dos répteis…enfim…fosse um ser marinho, e não saberia qual gostaria de ser; talvez seja o desconhecido, aliado ao conhecimento empírico, e ao gosto pela aventura, o que mais o move. Redescobriu os sentidos por via de paisagens mais complexas, que os diferentes cheiros do oceano, texturas, tormentas, e sonhos nos proporcionam. É também na sua Arrábida, a da fenda (onde escalava em miúdo), das desproporcionais feridas abertas, onde melhor se sente em casa, quando por Setúbal, sobretudo de Inverno, longe do caos dos tempos que correm. Esse seu abrigo, estende-se também às marinhas de sal e sapais existentes no Tejo, onde tanto tempo passou, e passa, e que melhor sorte merecia, num país que pode e deve gerir melhor, o que é tão importante, até para a qualidade de vida, de todos. 

Quanto ao mar, sabe que teve um antepassado cozinheiro de origem madeirense em navios de longo curso, e um escafandrista que provavelmente terá vivido emocionantes aventuras…restam heranças de traços passados a régua e esquadro, de olhos postos no mar; e viagens dos tempos do Ultramar, que escutou em criança. 

Trisneto de prussiano de origem polaca, membro da Comuna de Paris (1871), está-lhe na guelra, uma certa inquietação; é bisneto de arquitecto inglês que deixou obra de influência veraneante francesa em Portugal…herdou das gerações seguintes, os ecos de África. Seu pai nasceu no Lobito, e combateu na Guerra do Ultramar (Comandos – Angola), antes de vir para Lisboa. A sua mãe nasceu em Kinshasa (no antigo Zaire), ainda nos tempos de Mobutu Sese Seko; foi criada desde os 5 anos em Trás-os-Montes; fez o colégio em Lamego, mais tarde estudou nas Belas-Artes do Porto. Conheceu o seu pai em Angola, após ter feito o Magistério Primário, no seu regresso a África. A vinda de seus pais para Lisboa, deu-se no tumultuoso período de 75.

 

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