domingo, 25 de novembro de 2018

REFLEXÕES OCASIONAIS | A Violência Doméstica - Uma abordagem inicial | ISABEL DE ALMEIDA e CARMEN MATOS


   
A violência doméstica é um flagelo social que afecta todas as comunidades e que constitui uma questão premente em Portugal, onde vem sendo frequente o forte alarme social causado, inclusive pela ocorrência de situações extremas que redundam na morte das vítimas,  o que faz pensar, desde logo, em aspectos que merecem séria ponderação e revisão em termos de apoio geral à vítima de violência doméstica, isto no que diz respeito às respostas em termos jurídico-penais, sociais e psicológicos.

Em traços genéricos, a violência doméstica poderá consistir na prática reiterada ou não de maus-tratos de natureza física, psíquica, verbal, podendo ainda passar por questões como privação da liberdade e ofensas de cariz sexual. Muito embora acabem por merecer maior atenção casos de violência doméstica que decorram no seio de relacionamentos afectivos (mormente, entre membros de casais de namorados, unidos de facto ou unidos por matrimónio), a verdade é que o conceito de vítima é bem mais alargado (considerando-se mesmo o previsto no disposto no artigo 152.º do Código Penal Português), contemplando-se situações como a co-habitação com pessoas que merecem especial tutela (defesa e protecção legal) da lei devido a serem especialmente indefesas por motivos como a idade, deficiência, gravidez ou dependência económica que co-habitem com o agressor.

Em termos legais, mostram-se ainda tipificadas possíveis circunstâncias que agravam a pena a aplicar aos agressores, consoante o resultado da conduta ilícita do agressor, estando ainda previstas limitações possíveis em termos de exercício do poder paternal, bem como de tutela ou curatela.

Muito embora também seja mais comum a circunstância de a vítima se tratar de uma mulher, a verdade é que importa destacar que existem também, naturalmente, vítimas do sexo masculino, cabendo evidenciar que, até por uma questão de mentalidade e de preconceito, acaba por ser mais complexa a detecção, sinalização e acompanhamento de casos de vítimas do sexo masculino, porquanto a mera possibilidade ou suspeita de ocorrência de violência doméstica tendo por vítima um homem é ainda hoje olhada como sinal de fraqueza, indo contra os critérios do "politicamente correcto" em termos de papeis sociais do homem e da mulher. Estamos perante o sério risco de estigma da vítima (independentemente do género da mesma) que pode advir do seu género, da classe social, e do receio e especial gravidade que pode revestir uma situação deste tipo se estivermos perante um caso de dependência económica da vítima perante o agressor.

Encontramos, de um modo geral, na vítima uma pessoa muito fragilizadas, e que sofre duplamente, quer porque se mostra tantas vezes em crescendo a espiral de violência a que está submetida, no seu lar, o que é um contra-senso , na medida e que o lar seria por inerência uma zona de conforto, o "porto de abrigo"; e sofre, igualmente, porque opta , por norma, por um doloroso silêncio, com vergonha de assumir mesmo perante autoridades a dura realidade dos factos, em nome de posições sociais que procura defender, ou por mero pudor ou ainda, quiçá, negação, pois não é fácil expor a intimidade, a vida familiar, aquilo que de mais privado se partilha em ambientes afectivos, e que integra a esfera mais pessoal e íntima de cada ser humano.

É comum que a vítima só procure ajuda junto de  amigos e familiares quando se encontra já numa fase bastante avançada da repetição de comportamentos abusivos por parte do agressor, nomeadamente, quando se começa a aperceber que o risco de perder a vida é real e deveras assustador, tal como quando começa a interiorizar a ideia de que a situação já não tem ponto de retorno possível na medida em que o agressor não irá alterar os seus comportamentos (muito embora faça parte do padrão comportamental habitual de muitos agressores prometer às vítimas que cada vez que incorrem em comportamento abusivo será a última vez que tal sucederá).

O crime de violência doméstica é de tal forma grave e avassalador, sendo ainda transversal a classes sociais, que leva a que a vítima mergulhe num mundo de caos, um verdadeiro inferno Dantesco que, não raras vezes, termina com a morte destas às mãos o seu agressor. Especialmente insidiosa é a violência psicológica, na medida em que, sendo causadora de danos graves e persistentes, é a de mais difícil prova, considerando-se, nomeadamente, uma abordagem jurídica desta temática.

Poder-se-ia dizer que, em muitos destes casos, as vítimas "dormem com o inimigo", em absoluto silêncio face aos demais, dilacerando-lhes as esperanças, os sonhos, as emoções, mantendo-as absolutamente dominadas pelo medo, sequer de respirar, pois, bem sabem que dificilmente alguém as poderá proteger do seu agressor, pois este tem como último objectivo retirar-lhes a liberdade, e, em última análise, a vida!

Todavia, seria de extrema importância que começassem a existir iniciativas tendentes a  transmitir às vítimas que é possível fazer algo de diferente, que é importante investir nelas próprias e que é primordial que aprendam defender-se, em especial quando é consensual que toda a estrutura formal, por assim dizer, de que as mesmas dispõem para dar resposta a esta premente questão se revela manifestamente imperfeita e insuficiente para garantir a sua segurança e integridade físicas.

Trata-se de uma questão que implica uma reflexão profunda e que reclama a atenção de várias áreas do saber, nomeadamente: Direito, Psicologia, Sociologia e Antropologia.


“Todas as pessoas com quem você entra em contacto têm-lhe imposto medo, porque o medo é o oposto da liberdade. Quanto mais medo você tem, menor é a possibilidade de liberdade. Quanto mais medo existe, menor é a possibilidade de rebelião.” 

Osho

domingo, 18 de novembro de 2018

OPINIÃO | É terrorismo senhores...é terrorismo! | CARMEN MATOS e ISABEL DE ALMEIDA


Na sequência das últimas notícias que geraram polémica na nossa sociedade, mais uma polémica, desta feita sobre um grupo de pessoas que, de forma abnegada, movida por amor aos animais e que de mote próprio resolveram tentar equilibrar os pratos da balança no flagelo que existe, bastante enraizado, neste país – os maus tratos aos animais, é de extrema importância que se reflicta sobre este tema.

Na senda de um péssimo jornalismo que já vem sendo apanágio em Portugal, porque caracterizado pelo sensacionalismo barato, descontextualização de factos e parcialidade de juízos, porquanto não se fazendo cumprir o direito de contraditório, e talvez por uma inexistência de mais “desgraças” a expor, eis que se lançam, de forma leviana, suspeitas sobre a IRA – Intervenção e Resgate Animal, grupo este que não existe desde o dia de ontem e que nos últimos dois anos tem lutado, afincadamente, pelo auxílio de animais que se encontram em perigo, vítimas de abandono e maus tratos por parte daqueles que, supostamente, os deviam proteger.

Os elementos deste grupo têm, como qualquer um de nós, as suas vidas pessoais e profissionais, mas que num final de dia de trabalho e em prejuízo do convívio familiar, em determinados casos (previamente avaliados pela gravidade que nele constatem),  se encontram e organizam para serem os salvadores de animais que sofrem e são vítimas das mais atrozes intenções e actuações de seres, que nem sequer deviam ser apelidados de  humanos.

Quem acompanha este grupo de forma próxima, dando-se ao trabalho de  conhecer a sua missão, princípios, solidariedade e actuação, percebe claramente que serão um exemplo entre poucos, tendo tido a coragem e  a capacidade de se organizam de forma a ser “uma frente de combate forte e credível” neste flagelo que em pelo sec XXI ainda acontece, com muito mais incidência do que a desejada.

A expensas próprias dotaram-se de tudo o que fosse preciso para ajudar os animais, leitores de microchip, contactos com veterinários e clínicas, tudo o que fosse possível para que após um resgate se pudesse de forma cabal ajudar os animais, trata-los, alimentá-los, vaciná-los…

Mostraram, de forma inequívoca, que se importam e lançar as mãos à obra é bem mais produtivo do que se lamentar e pedir donativos, que as mais das vezes, não sabemos se chegam aos seus destinatários.

Destarte, é de fundamental importância recordar que nos incêndios que assolaram o país no ano transacto, em especial na tragédia de Pedrogão Grande, a IRA mobilizou equipas de resgate, organizou recolhas de alimentos para animais, providenciou apoio veterinário para os primeiros socorros de animais, ajudou inclusive a reconstruir abrigos que foram destruídos pelo fogo dantesco que existiu.

Outrossim, deve-se ainda relembrar que a IRA sempre colaborou com o SEPNA e até com as entidades policiais em diversos casos de resgate, como se prova quer pela página de facebook que têm e canal  no Youtube, para que de forma transparente mantenham actualizados os seus seguidores.

Não é menos verdade que são dos poucos que em situações de perigosidade têm a coragem de actuar, mesmo quando se trata de ir a acampamentos de pessoas de etnia cigana para resgatar animais deveras maltratados e muitas vezes utilizados como fábricas de produção de crias, sem qualquer apoio ou supervisão veterinários, rastreio de doenças e vacinação; Nestes ambientes hostis, bem sabemos que a actuação das nossas autoridades fica muitas vezes aquém do satisfatório…

Acompanhando de forma muito próxima, pelos meios já identificados, a actuação deste grupo de pessoas que considero de corajosas, destemidas e preocupadas, entendo que deve ser de realçar que a IRA, não aceitando donativos, faz também um excelente trabalho na angariação de fundos para o apoio aos animais vítimas de todos tipo de crueldades, naturais ou provocadas, a saber:  Para Pedrogão, arrecadaram toneladas de alimento para animais, fizeram diversas viagens para o distribuir, conseguiram disponibilizar apoio veterinário; No caso de Monchique arrecadaram 10 000 Euros em 24 horas para ajuda aos animais após os incêndios, e lançaram um projecto – HERCULES- que sem 72h conseguiram arrecadar 12000 Euros de 14000 Euros que precisavam, e felizmente já conseguiram na totalidade.

Para quem não sabe, o que será muito normal, pois trata-se de algo inovador, proactivo e muito positivo, logo, não sensacionalista, o projecto HÉRCULES, destina-se à aquisição de uma viatura para transformação, com valências de intervenção, in loco, com a disposição de estrutura hospitalar para fazer face Às necessidades de socorro médico-veterinárias, mormente:

Disponibilização dos primeiros-socorros a animais feridos, vítimas de incêndios ou outras catástrofes, em condições em iluminação, ambiente estéril e material insuficiente; posto de triagem para posterior encaminhamento dos animais feridos para hospitais veterinários locais;

Valências de Posto de Comando das equipas de Intervenção e Resgate: organização e planeamento das acções das equipas do IRA  e voluntários nos locais onde seja implementao o posto comando; acolhimento dos membros das equipas, dotado de estrutura para permanecer no local por vários dias;
Valências de apoio à autoridade veterinária municipal em campanhas CED (cães e gatos): sala de cirurgia para esterilização ao abrigo dos programas municipais CED;

Resposta de apoio à ANPC na vertente veterinária: coordenação voluntários; disponibilização de equipa quipá-veterinária, equipa de intervenção e resgate e toda logística para uma resposta imediata pró-animal;

Sensibilização comunitária: presença de viaturas de campanha de sensibilização para os direitos dos animais, em escolas e/ou eventos inerentes causa animal. 

Ora, isto que aqui se transcreve da própria página do IRA, é acessível a qualquer pessoa que queira, efectivamente saber em concreto qual a missão deste grupo, o que não será obviamente o caso de quem apenas quer denegrir aqueles que têm a ousadia, de fazer diferente, de se importar.

Concluí-se, portanto, que neste país, ser ousado, com o intuito de ajudar e exercendo uma forte componente social  conduz a que a  sua actuação seja  muito mais censurada que a actividades daqueles que através de offshores e jogos políticos e falacciosos desviaram milhões de bancos, votando famílias à pobreza e se tenham por impunes face à sociedade.

Mas na verdade, o que indigna alguns é o facto de, eventualmente, actuarem de capuz… e de supostamente a sua activividade estar a incorrer em tipologias de ilícitos criminais, quando nem sequer se lembram do plasmado no art 32º o Código Penal.

Uma sociedade com dois pesos e duas medidas, de valores invertidos e muitas “virgens ofendidas”.
Eu apoio a IRA  e como tal acredito que fazem a diferença, portanto, resta-me dizer OBRIGADA IRA!

Carmen Matos

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Na passada semana, após um serão de trabalho que se adentrou pela noite, uma reportagem no site da TVI24 surgiu no destaque da minha timeline no Facebook, tinha por tema alegadas investigações da Polícia Judiciária ao grupo IRA (Intervenção e Resgate Animal), o qual estaria acusado de Terrorismo e coacção sobre pessoas, através de força armada. 

A aludida peça jornalística continha em destaque vídeos que apresentavam um resumo da peça mais alargada emitida na televisão, com testemunhos de alegadas vítimas da IRA, bem como continha um vídeo humorístico, totalmente decontextualizado (facto este de que só me apercebi mais tarde, quando estranhando a extrema gravidade dos relatos e acusações decidi fazer uma pesquisa e avaliação pessoal e crítica mais alargada da questão).

Confesso que, não estando a par específica e detalhadamente, até agora, da acção deste grupo, inicialmente fiquei chocada, com a dureza dos relatos, com o teor do vídeo que mais tarde vim a saber ser humorístico, fiquei assustada e até chocada.

Gradualmente, através da página do próprio grupo no Facebook, e pela leitura de posts, vídeos, comentários (onde ficou evidente, mais uma vez, o clima de intranquilidade e polémica existente entre defensores da causa animal anti-tourada e os afficionados, o qual não será de todo alheio à necessidade de atingir na sua honra, bom nome os elementos da IRA), e ainda tendo acompanhado os desmentidos e esclarecimentos, bem como o completo contraditório que desmontou toda a reportage televisiva, comecei a ficar devidamente esclarecida!

Complementando a minha "investigação crítica", por assim dizer, tive ainda oportunidade de trocar impressões e esclarecer cabalmente a acção corajosa e nobre da IRA junto de amigos pessoais que acompanham estas iniciativas continuadas de apoio no terreno à causa animal desde o seu início.

Lamentavelmente, em Portugal, as pequenas "capelinhas de interesses", uma certa mentalidade retrógrada e conformista talvez decorrente da influência da canção nacional  - O Fado - levam a que, sem quaisquer vestígios de pudor, sejam considerados alvos a abater todos aqueles que se destacam pela diferença, que dão mais de si do que o comum dos cidadãos às causas que abraçam, que ousam querer mesmo dar o seu contributo para tornar o mundo ao menos um pouquinho melhor, mais justo e mais correcto.

Creio que, como eu, muitos leitores e usuários das redes sociais possam ter ficado, inicialmente chocados e até assustados, mas considerando que o número de seguidores da página oficial da IRA no Facebook aumentou exponencialmente, tendo em consideração que, entretanto, e num efeito dominó inversamente proporcional a toda a violentíssima publicidade negativa os fundos para o projecto HÉRCULES estão completamente reunidos, diria que "o feitiço se virou contra o feiticeiro"!

Atrevo-me ainda a especular se não poderão existir situações complexas e graves, essas sim a merecer  investigação criminal. de haver a possibilidade de intervenções criminosas a coberto do uso de falsa identidade da IRA, coisa que, infelizmente, bem conhecendo o país onde me coube em sorte nascer e viver, nada me espantaria.

O mundo precisa de pessoas que se destacam pela diferença positiva, por serem capazes de abraçar causas de corpo e alma, aplaudo a coragem da IRA e faço votos para que a justiça seja reposta pelos meios adequados!

Isabel de Almeida

segunda-feira, 12 de novembro de 2018

LITERATURA | Uma História Antiga de Jonathan Littell | DOM QUIXOTE - Tradução de João Carlos Alvim

Nas livrarias a 13 de Novembro


Uma História Antiga é um romance que se inspira na novela com o mesmo título que Littell publicou em 2012, em França (Éditions Fata Morgana). Nesta impressionante ficção literária, o autor desenvolveu e prolongou ideias da novela, realizando uma proeza original e provocante.

Um narrador sai de uma piscina, troca de roupa e começa a correr num corredor cinzento. Descobre portas, que se abrem para diferentes territórios (casa, quarto de hotel, estúdio, cidade ou zona selvagem), lugares onde são interpretadas e reinterpretadas as relações humanas mais essenciais (a família, o casal, a solidão, o grupo, a guerra). Esses territórios são percorridos, e a corrida termina. Então, tudo recomeça. De maneira idêntica, mas não completamente, em cada um dos sete capítulos deste romance. Entre as sete variações é organizado um complexo jogo de recorrências (situações, imagens), ecos e dissemelhanças, num carrossel cativante, e tudo menos inofensivo, que institui a mutabilidade como norma. E a própria identidade do narrador vai-se metamorfoseando – por vezes homem, outras vezes mulher… hermafrodita… adulto… criança.

domingo, 11 de novembro de 2018

REFLEXÕES OCASIONAIS – Especial |Qual é o estilo de liderança mais eficaz: Autocrático, democrático, liberal ou visionário?” | ISABEL DE ALMEIDA e CARMEN MATOS


Na política, no âmbito da estratégia militar, no mundo empresarial e até em termos espirituais ou mesmo religiosos, historicamente, vem sendo transversal a actuação de diversos tipos de líderes, com estilos diversos de actuação dentro dos respectivos contextos em que se movem, e com resultados mais ou menos eficientes e mais ou menos bem conseguidos, fruto da sua influência sobre as populações-alvo, chamemos-lhe assim por uma questão de simplificação conceptual e terminológica, cujos destinos cabe orientar e reger, com vista a alcançar um determinado resultado muito preciso.

 A História contemporânea (tendo presente exemplos mais recentes em termos temporais) traz-nos, de imediato à mente, num simples exercício de reflexão, diversos líderes mais ou menos bem-sucedidos e que deixaram o seu cunho pessoal nos meios onde se moveram, de modo positivo ou deveras negativo. Em termos lógicos, racionais e de bom senso, é consensual que Winston Churchill foi um bom líder em termos de condução dos destinos da Inglaterra (e da Europa e do mundo, em última análise, atenta a repercussão de um conflito bélico mundial em várias regiões do mundo), assim como é também consensual (sempre no plano da racionalidade e da lógica, até em termos humanitários) que Hitler foi um líder autocrático, megalómano e irracional, cujos resultados finais da liderança política dos destinos da Alemanha foram dos mais catastróficos e dolorosos para a humanidade.

Lamentavelmente, nos tempos actuais assistimos, num crescendo, ao ressurgir de estilos de liderança que colidem, ou no mínimo, ferem o sentido democrático (na sua génese ao nível meramente teórico, porquanto sabe-se que, na prática, o conceito de democracia sempre esteve eivado de fragilidades desde o início) que seria suposto existir em sociedades e países ditos evoluídos, existindo como que uma obrigação moral de carácter universal (tantas vezes e diariamente violada) de respeitar os mais basilares e essenciais direitos humanos, desde logo, à luz de textos jurídicos de Direito Internacional de que é exemplo a Convenção Europeia dos Direitos do Homem. 

Todavia, ostensivamente, a democracia, que nasceu imperfeita na Grécia Clássica, continua imperfeita mesmo perante os vários séculos de história que separam o seu surgimento da sua vivência nos dias de hoje, e este circunstancialismo é ponto assente!

Sendo certo que na sociedade existem estruturas de consolidação, evolução e funcionamento, é também evidente a necessidade e existência de liderança, nos diferentes planos de actuação e consequentemente é natural, necessário e expectável o aparecimento de líderes.

A liderança é, tão somente, a arte de comandar pessoas, potenciando seguidores e influenciando de forma positiva quer mentalidades, quer comportamentos, podendo ser informal, porquanto surge de forma natural, ou formal, porque determinado líder foi eleito numa estrutura ou organização e passa, assim, a assumir um cargo ou autoridade específica.

A pessoa que se destaca em determinado contexto e que consegue aglutinar um grupo e unir esses mesmos elementos, torna-se um líder, sendo tal qualificação potenciada pela existência de carisma, paciência, respeito, disciplina e capacidade de influenciar os subordinados, estando estas características subjacentes ao perfil de líder, idealmente considerado em termos teóricos.

Efectivamente, a liderança encontra-se em todos os momentos e situações, tanto de âmbito pessoal (grupos de amigos, família, escola) como em âmbito organizacional (trabalho).

Destarte, a panóplia de tipos de liderança é diversa e entre estes tipos poderemos encontrar a autocrática (identificada stritu sensu pelo autoritarismo, pela falta de escuta activa e desmotivação), democrática (liderança participativa com debate pré-decisões) e liberal (as decisões são delegadas e a participação do líder é limitada, existindo mesmo o risco da parte deste, de um quase total alheamento quanto do desempenho daquelas que seriam as suas funções, o que pode redundar numa situação verdadeiramente anárquica, correspondente à ausência de liderança).

Não obstante a existência de diferentes tipos de liderança, depara-mo-nos também com tipos diferentes de líderes, como sendo: o autoritário (cuja opinião prevalece sobre tudo e todos, sendo pois, dominador e como tal assemelhando-se mais a um chefe que líder); visionário (possui senso de oportunidade e optimismo no exercício das funções que lhe estão confiadas, sendo empreendedor e com predisposição para correr riscos); liberal (deixa os colaboradores exercerem as funções e tomarem as próprias decisões); democrático (encoraja à participação de todos, preocupando-se com o trabalho e com o grupo como um todo); motivador (capaz de unir pessoas, propósitos e objectivos com o seu exemplo); líder coach (estimula novas habilidades e potencia as melhores aptidões e competências de cada colaborador); técnica (é respeitado por ser aquele que detém o maior conhecimento, capacidade e aptidão sobre determinado assunto).

Outrossim, é de salientar que existem princípios-chave que podem indiciar a existência de líderes de excepção, cite-se, a título de exemplo, alguns destes princípios de actuação: capacidade de saber criticar construtivamente, de reconhecer os seus próprios erros perante a equipa, sugerir ao invés de ordenar, elogiar os pontos fortes, esperar e fomentar a excelência, tornar os desafios mais fáceis, fomentar a satisfação dos seus colaboradores na realização do seu trabalho, e envolver os colaboradores numa verdadeira missão comum em prol de um objectivo que é também bem visto e desejado por toda a equipa.

Não menos importante é assinalar que, pese embora existam líderes natos, que apresentam diversas qualidades inerentes à sua personalidade, tais como: extroversão, empatia e um alto grau de inteligência social, assertividade, espírito de equipa, inteligência emocional, capacidade de pensar “fora da caixa” e de estimular estas mesmas características na respectiva equipa, também não é menos verdade que este tipo de capacidades podem ser potenciadas e exercitadas com o apoio de especialistas em diversas áreas de conhecimento (é hoje comum e de reconhecido mérito e elevada valia o recurso crescente a acções de formação e prática de coaching em diversos âmbitos, e tal aplica-se tanto em contextos organizacionais, quanto ao nível de programas de desenvolvimento pessoal que procuram dotar os indivíduos de uma necessária polivalência tendo por base um inicial auto-conhecimento).

De lamentar, contudo, que nos tempos que correm os exemplos de liderança autocrática proliferam e começam a dominar cargos de elevada importância social, económica e política, sendo de destacar que, apesar de o mundo se encontrar em “suposta” evolução, se assiste a uma involução a este nível que poderá vir a ter gravosas repercussões em diversos planos.

São diversos os exemplos de líderes que representam países com elevado peso mundial e que se pautam por uma gritante falta de democracia, impondo ideias, valores e regras altamente atentatórias dos direitos dos cidadãos, e chegando mesmo a banalizar esta postura, que começa a ser vista como normativa por muitos cidadãos, iludidos pelo populismo fácil.

Numa época em que o descrédito se generalizou, por exemplo, no poder político, a nível mundial, aumenta o aparecimento de líderes autocráticos, pois as suas opiniões prevalecem em todas as situações, tomando só para si as decisões e não promovendo a participação de outros.

Constatamos esta realidade relativamente a situações mais triviais, quanto no que diz respeito  às questões mais complexas, desde o funcionário mais relapso da hierarquia ao mais elevado, pois, na realidade, este tipo de liderança deriva de forma muito instintiva da natureza da pessoa.

Passar de uma posição do “quero, posso e mando” a uma situação de auscultação de terceiros para decisões ponderadas e aglomeradoras é um exercício que exige empenho, vontade, tempo, inteligência emocional e social e uma mentalidade flexível, não egocêntrica nem pautada por traços narcísicos. 

Quando as evidências apontam no sentido de uma crescente onda de desequilíbrio em termos de saúde mental, torna-se, por vezes, algo assustador pensar na séria probabilidade de a ratio de líderes passíveis de alcançar resultados positivos ser inferior às reais necessidades da sociedade hodierna, o que coloca em perigo, em última análise, a própria evolução futura da humanidade, numa visão que assumimos como catastrofista, mas que não deixa de ter por base diversos exemplos bastante realistas a que diariamente assistimos no mundo!

“As qualidades desaparecem sob as críticas, mas florescem sob encorajamento”

Dale Carnegie


“Um líder é alguém que sabe o que quer alcançar e consegue comunicá-lo”

Margaret Tatcher

LITERATURA | O Fim do Fim da Terra de Jonathan Franzen | DOM QUIXOTE (Ensaios) - Tradução de Francisco Agarez

Nas livrarias a 13 de Novembro
Publicação em simultâneo com a edição americana.


Um conjunto de ensaios e discursos escritos na sua maioria nos últimos cinco anos. Nesta obra, Jonathan Franzen regressa com uma energia renovada aos temas que há muito o preocupam. Seja explorando o seu complexo relacionamento com o tio, recordando a sua vida de jovem adulto em Nova Iorque ou proporcionando-nos uma perspetiva esclarecedora da crise das aves marinhas à escala mundial, estes textos contêm toda a inteligência e realismo desencantado que nos habituámos a encontrar em Franzen. No seu conjunto, desenham a evolução de um pensamento original e maduro em luta consigo próprio, com a literatura e com algumas das questões mais importantes dos nossos dias, que o atual ambiente político torna ainda mais prementes, tais como as alterações climáticas e as promessas e armadilhas das redes sociais, da tecnologia e do consumismo.

Mais do que um astuto cronista, Franzen é um guia que nos mostra onde as instituições e ferramentas que construímos nos podem levar no futuro – e os perigos que nos esperam ao longo do caminho.

sexta-feira, 9 de novembro de 2018

LITERATURA | José e os Seus Irmãos I - As Histórias de Jaacob de Thomas Mann | DOM QUIXOTE - Tradução de Gilda Lopes Encarnação

Nas livrarias a 13 de Novembro


Thomas Mann considerou esta monumental narrativa da história bíblica de José como a sua magnum opus. Concebeu-a em quatro partes – As Histórias de Jaacob, O Jovem José, José no Egito e José, o Provedor – como uma narrativa unificada, um “romance mitológico” da queda de José na escravidão e da sua ascensão a senhor do Egito. Baseado num profundo estudo da História, e utilizando detalhes pródigos e convincentes, Mann evoca o mundo mítico dos patriarcas e dos faraós, as antigas civilizações do Egito, da Mesopotâmia e da Palestina – com as suas divindades e rituais religiosos –, e a força universal do amor humano em toda a sua beleza, desespero, absurdo e dor. O resultado é uma brilhante amálgama de ironia, humor, emoção, perceção psicológica e grandeza épica.

Pela primeira vez traduzido directamente do alemão, e respeitando as opções de Thomas Mann – como se pode constatar na grafia do nome Jaacob –, esta tradução revela a exuberante polifonia de antigas e modernas vozes do romance de Mann, uma música rica que é, ao mesmo tempo, elegante, rude e sublime.