quinta-feira, 31 de outubro de 2019

ALL HALLOWS EVE, de MBarreto Condado















Cai o véu que separa os mundos.

Nesta noite é permitido às almas circularem livremente pelos locais que em vida conheceram. Uns mais afortunados poderão vê-las, outros senti-las, mas a verdade é que nesta noite elas estão aqui para nos agraciar com a sua presença. Voltam para nos fazer companhia, para nos sentir, para nos lembrar que não estamos sós.

Não necessitamos fechar os olhos para senti-las ao nosso lado.

Fazem-nos companhia enquanto cozinhamos, sentam-se à nossa mesa para nos ouvir conversar e antes de voltarem a partir ajeitam-nos os lençóis da cama como faziam em vida beijam-nos nas faces sussurrando-nos as tão ansiadas palavras de amor.

Nesses momentos se fecharmos bem os olhos quase que as conseguimos ouvir dizer:

“Não chores não morri!

Já não sou o meu corpo, mas o meu espírito permanece em ti.

Não tenhas saudades minhas!

Pois nunca te deixarei, não o conseguiria mesmo que tentasse.

Não te sintas só!

Estarei sempre aqui até ao dia em que nos reencontremos.

E até que esse dia chegue novamente ansiarei pela tua presença.

Mas voltarei. Porque enquanto viver na tua memória, Vivo!

Agora descansa com a certeza que estarei sempre por perto.

E quando o véu se voltar a erguer e sentires o vazio da minha ausência pensa que teremos sempre este dia para nos voltarmos a reencontrar.

E no próximo ano aqui estarei só para te ver.”

Ergue-se o véu que separa os mundos.


NOCTURNO ARCO-ÍRIS: A SOLUÇÃO CIPRIOTA, de Helder Menor
















O homem que escolheram para ser presidente, não tinha nem teria descendência. Biologicamente falando.

Quando o escolheram, ainda não era casado e não se conheciam amantes. Na realidade, o escolhido, apesar de jovem, não sentia desejo por mulheres. Nem por homens. Mas isso era um segredo dele. Nunca sentiu o apelo sexual. Vivia sem desejos no corpo. As suas ambições políticas eram tão pesadas, densas e carnais e vieram tão cedo na sua vida, que desde muito novo despendia todas as suas energias na construção do seu sonho pessoal que se juntou ao sonho coletivo de criar um país. Primeiro, na luta pela independência, depois, na consolidação da república.

Era ainda muito novo e já se destacava como a mais brilhante figura do movimento. Fizera uma carreira fulgurante, primeiro na mata, depois na universidade em Moscovo. Ao contrário de outro, não estudou em Lisboa, não se contaminando com a indolência viciosa do colono. Voltara meses antes da independência. O seu trabalho e a sua capacidade calma de resolver os problemas mais bicudos, ouvindo todos, fazia dele o líder incontestável. Naturalmente, todos os setores o acolheram como presidente ainda antes de o ser.

Não tinha filhos, nem mulher. Mas com a vida que ele levava fechado no gabinete até às tantas quem podia ter tempo para namoros? Também não havia boatos sobre uma possível homossexualidade.

O certo é que as pessoas estranhavam o facto de já ter trinta anos e de não ter filhos. Os anos setenta do século XX iam a caminho do fim.

Os grandes do regime que manobravam na sombra, foram falar com ele.

– Precisas de ter filhos, Presidente.

Precisas de ter filhos, legítimos e ilegítimos. Feitos na mulher e nas amantes. Um presidente para ser presidente do nosso povo tem de mostrar que é um povoador destes matos. Um presidente tem de ter filhos, e muitos, aos molhos. É preciso ser um civilizador e se queres ser um criador do Novo Homem, tens de começar em casa criando filhos. Mostrar através das crianças nascidas a fertilidade e a vitalidade da presidência.

O presidente, homem inteligente, argumentou que era dever de todos os dirigentes educar o povo e acabar com essas mentalidades machistas e sexistas. Os dois conselheiros, mais velhos e mais sábios, disseram-lhe que tinha razão. Mas também lhe disseram que se queria continuar a ser um líder incontestável, tinha de casar-se e ter filhos. Também eles tinham razão.

– Mas eu nem tenho mulher...

– Isso arranja-se! O que não falta são mulheres prontas para serem primeira-dama. Tem é de ser alguém de dentro do partido e que venha das famílias tradicionais. Precisamos de uma primeira-dama consensual.

Na semana seguinte, trouxeram-lhe a noiva para amostra. Não desgostaram um do outro, antes pelo contrário. Simpatizaram à primeira. Sorriram e falaram. Ambos tinha estudado na União Soviética. Na primavera anunciaram na rádio nacional o casamento. Meses depois, no registo civil da capital, porque eram ambos assumidamente ateus e marxistas num regime construído no sólido betão ideológico do materialista científico. Num sábado de manhã, o presidencial noivo assinou o contrato que determina as regras de vida em comum com a escolhida para primeira-dama e toda a jovem república festejou. Nova, negra, médica, bonita, inteligente e militante, filha de militantes e neta de históricos independentistas. Linhagem de famílias tradicionais negras, com um passado tão impoluto como a sua farda branca, pronta a dar nobre descendência à república popular.

O casamento aconteceu na maior farra, como seria de esperar. Houve distribuição pública de vinho e comezainas variadas. Nessa noite, o presidente e a primeira-dama, dormiram juntos pela primeira vez, e desta vez, no estado de casados. Casados um com o outro, entenda-se e não se levantem questiúnculas de português, essa traiçoeira herança de colono com que nos escrevemos e nos lemos uns aos outros. Tiveram nessa noite de núpcias, um serão que durou até ser manhã de intimidades partilhadas e segredos.

Ele porque gostava dela, tanto como lhe era possível gostar de outra pessoa que não dele mesmo, disse-lhe com calma e honestidade:

– Sabes, sou impotente.

Ela médica, desdramatizou, e também assumiu desde esse momento uma total honestidade para com ele.

– Já desconfiava, nunca tentaste nada e sei que não sou feia. Também não achei que gostasses de homens. Percebi que não sentes desejo. E isso, não é ser impotente, é simplesmente não sentir desejo.

– Mas é que eu não tenho desejo, nem o coisa se levanta... de resto, nunca se levantou....O que também te digo, não sinto como um problema pessoal... mas é sem dúvida um problema para nós como casal, e mais tarde ou mais cedo, um problema político.

– Comigo, não te preocupes, sou lésbica e fico aliviada com isso ser assim! Em relação à política, sempre ouvi os mais velhos dizerem, que enquanto os problemas não gritarem para serem resolvidos, não são problemas, são condições! E esta condição, não grita! O que grita agora é a fome que do banquete não comi nada!!!!

Ele riu e pediu vodka, pão e caviar, combinação de coisas que ambos gostavam. As confidências prosseguiram noite fora. À luz acesa do candeeiro da presidencial mesa de cabeceira a conversa corrida em intimidades e partilhas. Falaram até de manhã. Falaram deles próprios e do mundo. Falaram do que o mundo queria para eles e do que eles queriam do mundo. Eram os dois igualmente inteligentes, tímidos, cultos e ambos tinham um amargo sentido de humor que os fazia rir das próprias misérias pessoais. Foi uma noite de núpcias animada, emocionalmente intensa e divertida. Eram ambos do tipo solitário-social e a ambos soube bem a partilha.

A malta da segurança que estava à porta do quarto, no outro dia de manhã, relatou aos poderosos que mandavam, que até ao raiar do dia se ouviam gargalhadas e cochichos. Relataram também que o casal presidencial bebeu duas garrafas de vodka e que comeram quatro latas de caviar, um pão inteiro e ainda toda a fruta que ficou no quarto.

Na manhã seguinte, os noivos apareceram próximo do meio-dia, unidos, sorridentes e confiantes. Sem ressacas porque o vodka era do bom. Aquela noite de núpcias passada a falar, a beber e a comer, selaria o casamento africano de aço soviético. Um casamento com uma cumplicidade à prova de fogo. Uma noite de núpcias como deviam ser todas as noites de núpcias que serviu para construir uma amizade e uma admiração recíproca tão sincera e pura que não exageramos se lhe chamarmos de um grande amor para a vida.

O primeiro ano voou e o casal continuava a aparecer junto, feliz e apaixonado.
Mas nada de filhos.

– Dêem-lhes tempo, diziam os tais conselheiros poderosos que viviam, bebiam, respiravam e transpiravam a política do regime.

As pessoas deram tempo...

Acabado o segundo ano de casados, começaram a falar.

No terceiro ano de casados, os tais sábios poderosos foram ter a inevitável conversa séria com o presidente. Que até era um bom presidente. Que o povo o adorava a ele e à primeira dama. Que perante as dificuldades conseguia gerir e aguentar... Mas porra, enfim, estava na hora de ter filhos!

O presidente, perante as insistências dos sábios conselheiros, fez o que tinha a fazer: contou a verdade científica, com a ideia de ganhar tempo.

Ficaram possessos.

Um presidente não pode ser impotente! Um presidente tem de ser um exemplo acabado de virilidade. Tem de ser uma espécie de Don Juan. Ainda mais um jovem presidente negro de uma recente república africana, acumulando assim os estereótipos.

Não! O presidente não podia ser impotente.

– O que vamos dizer aos microfones da rádio nacional???

Perante a reação histérica dos sábios conselheiros, o presidente ficou calado a sorrir, imaginando que lhes podia sempre responder:

– Diz isso aqui ao meu presidencial microfone que pode ser que ele se levante para te ouvir falar!!!

Mas a inteligência, dignidade e educação mantiveram a sua boca fechada. Calou-se, sorriu e esperou que a raiva passasse.

Depois, devolveu a questão: senhores conselheiros, meus camaradas e amigos, como é que me podem ajudar nesta questão?

Os conselheiros ainda sopraram o nome da primeira-dama para ajudar... uma vez que é médica...

O presidente cortou a direito.

– Tirem a minha mulher da questão, ainda mais do que eu, é uma vítima inocente em toda esta situação e não admito que a envolvam.

Os conselheiros calaram e não voltaram a falar na primeira-dama.

Reuniram de emergência. Primeiro falaram uns com os outros. De conselheiros para conselheiros. Entre amigos do quintal, primos e parentes.

Depois mandaram vir os que tinham estudado no estrangeiro. A seguir, ouviram os que vieram da mata. Voltaram a ouvir-se outra vez uns aos outros.

Depois, ouviram os cubanos. E claro que foram ouvir os russos.

Por essa altura, chegou também um negro americano músico de jazz para tocar na jovem república e com ele trazia um baterista que era da CIA. Como espião era fraquito, pois toda a gente sabia que o gajo era espião, mas como baterista não era mau. Também foram ouvir o americano sobre o drama da impossibilidade presidencial. O baterista deu palpites e ofereceu-se para arranjar as coisas e levar secretamente o presidente aos states a uma clínica da NASA onde tratam os astronautas. 

Quando os conselheiros lhe disseram que os americanos o estavam a convidar para ir lá no médico, o presidente zangou-se e cortou dizendo que não queria nada com os americanos. Disse mentindo que era uma situação médica e não política.

Começaram a chegar os médicos. Discretos e em segredo. Vinham ao final da tarde ao gabinete presidencial, consultar, analisar e avaliar o preguiçoso presidencial membro. 

Primeiro, vieram os médicos nacionais. Os de confiança. Depois, os médicos cubanos que são os melhores do mundo. Depois vieram os russos com a sua tecnologia e os seus cadernos escritos em cirílico. Veio também um médico francês, mas demorou-se na manipulação e o presidente não o quis mais dentro do palácio.

Foi então que o Fidel lhe ligou. Directamente para a linha privada, se protocolos nem diplomatas.

Era quase meia-noite. Ficaram a falar até quase às duas da manhã, primeiro sérios e formais depois os dois descontraídos a rirem à gargalhada entre ataques de tosse do cubano. El Comandante sugeriu até um certa senhora enfermeira de Bayamo que lhe podia dar uma milagrosa mãozinha e até parece que tinha bastante jeito para a coisa.

A primeira-dama chateou-se com o telefonema. Não por ciúmes da enfermeira de Bayamo, mas por dignidade de esposa ferida. Alem do mais estava sentada ao lado a tentar escrever cartas em cirílico para uma amiga especial, também ela médica, cipriota, companheira de quarto, com quem viveu cinco anos na residência universitária em Moscovo. As gargalhadas do marido e do Fidel não a deixavam concentrar-se no necessário esforço de caligrafia e no desenho de cada letra.

Foi ela, primeira-dama, amiga, camarada e médica quem propôs:

– Despacha lá o gajo e diz que não precisas de mãozinhas!!!  Prá semana vamos de férias para o mato descansar e pode ser que na medicina tradicional se possa resolver isso!

– Queres levar-me à bruxa!!! Só me faltava mais isso... seja!

Riram e depois dormiram. Mas foi como ela disse. Na semana seguinte, o presidente foi ter com uma senhora. A curandeira ainda era parente da mulher e ele quando a viu, coisa rara, confiou instantaneamente. Contou-lhe tudo. Do problema, que para ele não era problema. Contou-lhe que ele não sentia essa necessidade, mas contou da gravidade política da situação.

A mulher velha, negra e pequenina, fumando cachimbo e ocasionalmente cuspindo no chão, ouviu tudo com muita atenção.

Depois disse:

– Filho, tu esgotaste a força. Puseste toda a semente de seres pai nesta terra vasta. Tu és pai de um país. Tu engravidaste a terra e terra pariu a gente. Ajudaste a libertar o povo e fizeste fugir o colono... depois foste pai de todos. A Terra Mãe deixou que fizesses isso porque também se apaixonou por ti. Apaixonou-se pelo teu querer. Foram muitos os espíritos dos mortos aqui enterrados que ela fez levantar para te ajudar a fazer nascer o país. A Terra Mãe acordou-os para ti. Mas a Terra Mãe, é também mulher e como mulher que é tem ciúmes. Tem ciúmes e não deixa que tenhas mais filhos. Por isso, nem médicos nem feiticeiros podem ajudar. O teu destino é partires tarde e velho, mas filhos porque é a Terra Mãe quem é tua esposa.

– Mas tiazinha, minha mais velha, um presidente tem de fazer filhos na mulher e nas amantes, é assim que deve ser...

– Mas meu filho, meu menino presidente, não tem problema, se tu não podes fazer, arranja-se alguém que faça! Tem muitos aí prontos a fazerem os filhos por ti. Isso nunca foi problema! Para fazer filhos sempre aparece, para ser pai é que nem sempre!!! Pai é quem educa, não é quem faz!!!!

E tinha razão a velha.

Semanas depois das férias presidenciais nas províncias remotas, chegou à capital uma médica cipriota. Veio recomendada pela presidência para fazer um estudo sobre genética.

Nos quartéis da capital vinha mensalmente uma equipa discreta, dirigida pela cipriota com mais dois médicos militares que traziam uma geleira com frascos. Os soldados que se destacavam nas provas físicas, eram convidados a aliviarem o seu desejo manualmente para dentro do frasco. Eram as recolhas de sémen para um estudo e análises sobre o ADN dos militares. Segredo de estado quem falasse no assunto ia colocado directamente na mata funda.

A médica cooperante cipriota que coordenava o projeto do estudo sobre o ADN era também, por coincidência, a melhor amiga e inseparável da primeira-dama. A alegria do reencontro com a velha amiga fez o milagre: passada seis meses de ter chegado a cooperante cipriota, a primeira-dama ficou grávida.

Nos primeiros anos da década de oitenta o casal presidencial teve os filhos. Quatro. Duas meninas e dois meninos. 

Todos eles lindos como a mãe e dignos e providenciáveis como o pai.

A médica cipriota e a primeira-dama continuaram as melhores e mais inseparáveis amigas. Costumavam ir de férias juntas. As crianças sempre gostaram de ficar pelo palácio. Os rapazes muito focados no desporto e nas armas. As meninas mais contidas e estudiosas. Sobretudo a filha mais velha. Linda como a mãe, ambiciosa como aquele que a educou e presidenciável como o anónimo soldado que se manipulava na caserna fantasiando conquistas.




quarta-feira, 30 de outubro de 2019

UM DIA MÁGICO, de MBarreto Condado















A escola parecia diferente naquele dia. As funcionárias recebiam-nos à entrada vestidas de bruxas, nem faltavam os corvos negros pousados nos seus ombros. As paredes dos corredores estavam cobertas de teias de aranhas gigantes, mantos escuros tapavam as janelas. Conseguiam vislumbrar pelos cantos, olhos a brilhar como se os observassem. Aceleraram o passo para as respectivas salas de aulas. Esperavam que ali não fosse tão assustador. Mas estavam enganados a sala ainda estava pior, parecia assombrada.


- Mas o que é que se passa aqui? – Luís foi o primeiro a falar.

Estavam todos parados à entrada, ninguém queria ser o primeiro a entrar.

- Onde está a professora?

Juntaram-se mais começavam a sentir medo.

Nesse momento ouviram um restolhar ao fundo da sala, olharam todos naquela direcção, mas a escuridão não lhes permitia ver quem era. Começaram a dar um passo para fora dali. Sabiam que bastava um começar a correr para irem todos atrás.

- Bem-vindos alunos.

Houve quem gritasse de medo. Mas a voz era-lhes familiar. Não se mexeram.

- Entrem e sentem-se. Hoje é um dia muito especial. Hoje celebramos o Halloween.

Viram quando um vulto envolto numa longa capa avançava na sua direcção, queriam fugir, mas os pés não se mexiam.

- Vamos. Não tenham medo. Sentem-se.

- Professora?  - foi com a voz sumida que Luís conseguiu perguntar.

- Sim sou eu. Agora ocupem os vossos lugares.

Sentaram-se tão depressa quanto conseguiam. Os alunos das últimas filas olhavam em volta desconfiados, sabiam que naquele momento aqueles lugares não eram os melhores. Davam tudo para trocar com os colegas da primeira fila. Pelo menos ali estavam mais perto da porta.

Nunca aquela sala estivera tão silenciosa. Aliás toda a escola. Parecia que conseguiam ouvir as moscas a voar pelos corredores, coitadas, nem elas estavam livres de perigo se caíssem numa daquelas enormes teias de aranha.

- Sabem que dia é hoje?

A professora continuava a andar pelo meio deles enquanto falava, deixando-os ainda mais nervosos.

- Alguém me sabe dizer o que é o Halloween?

Como continuassem todos sem conseguir responder a professora continuou.

- Será um dia mágico? Como se celebra? Pois bem vou explicar-vos. Neste dia podemos ser quem quisermos, um super-herói ou um super vilão. Fadas, bruxas, palhaços, vampiros, princesas. Podemos fazer caras assustadoras com as abóboras, bolos com o seu recheio, pedir “doçuras” ou fazer “travessuras” ou podemos simplesmente não fazer nada.

Já todos se tinham esquecido do medo sentido inicialmente, agora estavam pendentes das palavras da professora.

- Mas este ano e visto que é a primeira vez que festejamos este “Dia das Bruxas” como também é conhecido decidi contar-vos uma história.

- De terror? – Ana perguntou com a voz a tremer de emoção

- Aterradora!

E assim começou:

“Naquela manhã quando chegaram à escola os alunos viram que algo tinha mudado, a escola parecia diferente, as pessoas andavam estranhas, até as simpáticas funcionárias pareciam apáticas. Caminharam todos muito juntos pelos largos corredores não ousando fazer barulho, o silêncio era ensurdecedor. As professoras e professores esperavam por eles dentro das suas salas, esperavam que entrassem e se sentassem e depois ficaram ali parados a olhar para eles sem nada dizerem."

O tempo ia passando tão lentamente que parecia ter parado.

Lá fora o dia escurecia como que acompanhando a disposição dentro daquelas paredes.

O silêncio reinava. Parecia uma escola deserta apesar de lá estarem todos.  
      
O alarme a anunciar o final daquela aula disparou fazendo com que alguns gritassem. Os professores continuavam parados, assim tinham estado durante todo o período da aula. A medo alguns alunos começaram a levantar-se imediatamente seguidos dos colegas.

Saiam para os corredores. Só se encontravam lá eles, não havia nenhum adulto por perto.

Alguém gritou que estavam fechados lá dentro. As portas da escola tinham sido todas trancadas a cadeado. Voltaram a olhar para dentro das salas de aulas, os professores continuavam sem se mexer a única diferença é que nas suas carteiras estavam agora sentados os seus pais. Por onde é que eles tinham entrado que não os tinham visto?

Naquele momento, o alarme a anunciar o início da próxima aula tocou, mas desta vez soou como o grito de uma Bruxa. Os pais e professores olharam todos na direcção deles e ….


terça-feira, 29 de outubro de 2019

A QUINTA ROSA, de Fernando Teixeira














Tinha sido um novo choque para ela… e para ele. Para ambos. Dois embates, um a seguir ao outro. Bom, em rigor, talvez não pudessem designar como choque o que sentiram quando souberam que ela estava grávida pela terceira vez. Porém, aquela gestação não tinha sido desejada, planeada, e a notícia souberam-na com alguma perplexidade.

À vida estabelecida do agregado familiar, dois filhos em idade escolar, tudo nos devidos eixos, sobrevinha uma situação inesperada que virava o dia-a-dia do avesso. O dela e o dele. O dia-a-dia de ambos, e o dos filhos quando lhes contassem a novidade. No entanto, rapidamente se habituaram à ideia de que iam ser pais, de novo. Já o eram, por assim dizer, pela terceira vez. Habituaram-se à ideia, entendendo que deveriam aceitar isso como uma dádiva. Tal ideia alimentou-lhes o entusiasmo, e aquela gravidez passou a ser desejada. Quem sabe, não seria a menina que lhes faltava?

Começaram a equacionar planos e a fazer contas à vida. A família crescia e teriam de se adaptar a novas rotinas, a repetidos procedimentos que a idade dos filhos já havia feito esquecer. Outro bebé. Fraldas, biberões, noites mal dormidas… Começaria tudo de novo, pois então! Oxalá, fosse uma menina…

E então veio aquele dia. Há muitos anos atrás. O dia do segundo embate. Esse sim, um verdadeiro choque, anunciado pelas fortes dores abdominais que ela sentiu ao chegar a casa, depois de um dia de trabalho. Dores que se prolongaram por algumas horas, dores agudas, no corpo e na alma, a hemorragia dilacerando-lhe a esperança, o coração desfeito pela eminência da perda irreversível. No dia seguinte, o ginecologista confirmaria que nenhum coração batia mais no seu ventre.

Uma profunda tristeza abateu-se sobre ambos. Ela e ele. Tinham perdido o seu bebé, após três meses de gravidez. Quem sabe? Aquele feto talvez fosse mesmo a menina que lhes faltava!

Passou uma semana. Ele nada podia fazer para a confortar. Nada mesmo. Ainda assim, ofereceu-lhe um ramo de cinco rosas vermelhas, uma rosa por cada um dos “cinco” que eles podiam ter sido. Num sufoco, ela colocou as rosas numa jarra.

Um dia depois, quatro rosas continuavam bem viçosas e uma começou logo a murchar.

Ainda hoje, ela guarda essa quinta rosa!
     

segunda-feira, 28 de outubro de 2019

O NOVO MUNDO, de Maria Cecília Garcia















Nos anos cinquenta famílias inteiras partiram para lugares dos quais apenas lhes conheciam o nome. Para as crianças transplantadas, esse novo mundo era difícil entender.

“Nunca me tinha separado da minha mãe, por isso, não entendi quando nessa noite, a primeira noite naquela terra estranha, no dia em que conheci o meu pai, tive que dormir sozinha enquanto ela me trocava por aquele pai-homem-estranho.

Depois de tantas emoções controversas que dificilmente conseguia assimilar, o chão fugia debaixo dos meus pés, percebia agora, com toda a clareza, que a minha vida tinha mudado. Já não sabia se estava a gostar, mas ninguém me podia ajudar.

O quarto que me coube em sorte era uma pequena arrecadação dividida por uma velha cortina de flores azuis desbotadas que escondia móveis e toda espécie de objectos em desuso. Para mim tinha um pequeno divã, um cadeirão empoado e um esguio lavatório amarelado.

Não entendia o que estava a acontecer, mas fingi aceitar como se tudo fosse natural. No entanto, dentro do meu peito havia um grito que não deixei escapar. Na manhã seguinte a essa primeira noite, os meus olhos não se cruzaram com os da minha mãe. Guardei para mim toda essa angústia e nada falei.

As minhas noites passaram a ser um pesadelo! As velharias por detrás das cortinas mexiam-se, aterrorizava-me o estalar das madeiras velhas e os ruídos provocados por pequenos insectos. Na insónia dessas noites terríveis, a minha alucinada imaginação fazia-me acreditar em toda a espécie de monstros e demónios que ameaçavam surgir em qualquer momento! Ficava imóvel na cama, tapada até à cabeça pelo fino lençol, nos meus pequenos sete anos, rezava todas as orações que tinha aprendido até que, vencida pelo cansaço, adormecia.

Mas houve uma noite em que o quarto ganhou mais vida do que era habitual e não consegui suportar! Saltei para o chão, horrorizada, e fugi rapidamente para o pátio antes que algo saísse debaixo da cama e me agarrasse os pés. Com os olhos quase fechados, corri até ao quarto dos meus pais e desatei a bater furiosamente à porta!

Eles deixaram-me entrar e olharam-me com surpresa. Perceberam o meu medo e deixaram-me ficar com eles essa noite. Perceberam o meu medo, mas não perceberam todos os sentimentos que amarguravam o meu coração. Nessa noite, uma sensação de triunfo e culpa me invadiu.

Nas noites seguintes tive a companhia de Mary, filha de um casal espanhol provisoriamente instalado no hotel. Era muito simpática e carinhosa e alguns anos mais velha do que eu. Mas agora éramos duas almas apavoradas. Ela também não conseguiu suportar aquele cubículo e convidou-me a ficar no seu quarto.

Felizmente para mim, poucos dias depois, mudámo-nos para um dos pequenos apartamentos do piso superior e ali, no meu quarto branco e limpo, perto deles, as minhas noites passaram a ser mais tranquilas.

Para meus pais os negócios corriam de feição e o sonho permanecia intacto. Mas foi também uma época em que eu julgava que eles se esqueciam de mim, entusiasmados pela nova vida e com o filho que tinha nascido. Talvez por isso, num dia qualquer em que a tristeza me invadiu, estendi-me no meio do pátio e entre lágrimas e gritos exigi voltar para a aldeia, para casa da minha avó.

A minha mãe ficou desnorteada, penso que até ponderou fazer isso, mas logo reagiu e, com duas palmadas, acabou com a minha breve crise existencial.

Sei que mais do que saudades eu tinha era uma grande necessidade de chamar a atenção, dizer que eu também estava ali. Nesse dia jurei que, à primeira oportunidade, regressaria para a aldeia.

In: História em Pedacinhos. As casas da minha infância e os tempos de chá sem açúcar.

domingo, 27 de outubro de 2019

A DOR NÃO É SÓ NOSSA, de Vanessa Lourenço















Li esta semana uma noticia online que me preocupou, e confesso que nunca tinha pensado muito no assunto: o facto de existirem crianças que pensam que os animais não sentem dor. Quer este facto se fique a dever à forma como diferentes famílias encaram os animais, tendências culturais ou individuais, o que é facto é que os animais sentem dor e devem ser respeitados, e esse é um dos valores que devemos passar às nossas crianças.
A história? Essa, é mais ou menos assim:

Pela mão da avó, vinha a saltitar pelo caminho de terra e a rir às gargalhadas. Estava uma manhã solarenga depois de uma noite chuvosa, e a toda a volta se podia ouvir o vento a rodopiar por entre os ramos das árvores e ver os pássaros a dançar no céu. Subitamente, sentiu um puxão no braço e deu um passo atrás. Procurou os olhos da avó e encontrou neles alívio:

- O que foi?

A avó libertou-lhe a mão e agachou-se à sua frente, para apanhar qualquer coisa do chão. Quando se voltou para ele, sorrindo, estendeu-lhe a palma da mão nodosa à altura dos olhos e mostrou-lhe um pequeno passarinho ainda jovem:

- Quase o pisaste.

Franziu o sobrolho e aproximou o nariz da pequena criatura encolhida que piava incessantemente, sem compreender:

- Mas é tão pequenino... faz mal pisá-los quando mal os conseguimos ver?

A avó suspirou, abanou a cabeça e sorriu, com aquele sorriso das pessoas que nunca envelhecem. Respondeu:

- Consegues vê-lo agora, aqui na minha mão?

O neto voltou a aproximar o nariz da pequena criatura que agora se arrastava lentamente pela mão da avó, não muito certo de estar em segurança, e levantou de novo os olhos para ela:

- Sim, está mesmo aqui!

A avó sorriu:

- Porque são pequeninos, nem sempre os conseguimos ver. Mas podemos estar atentos enquanto caminhamos, e evitar magoá-los.

A avó olhou em volta, encontrou o ninho e colocou o passarinho de volta. Enquanto a via fazê-lo, o neto perguntou:

- Mas avó... os animais também sentem dor?

A avó ficou subitamente mais séria, embora o brilho nos olhos fosse o mesmo. Ouviu-a dizer:

- Sim, sentem dor tal como nós. Porque perguntas isso?

O neto encolheu os ombros e olhou em volta, pontapeando uma pequena pedra para longe:

- Não sei bem... eles não falam, por isso achei que também não se magoavam...

A avó franziu os lábios e baixou-se para o olhar nos olhos, as mãos pousadas nos seus ombros:

- Não falam? Presta atenção: o que é que ouves?

Ele fechou os olhos por uns segundos e respondeu:

- Ouço os pássaros a cantar, e o cão do vizinho Tó a ladrar ao longe.

A avó sorriu e endireitou-se, sem retirar as mãos dos seus ombros:

- Vês? Lá porque não falam como nós, não quer dizer que não falem. Ou que não sintam dor.

Ele franziu o sobrolho e coçou a cabeça com a mão pequenina, e logo depois abraçou a avó com força:

- Eu não gosto que me magoem... e não quero magoar os animais. Eles são nossos amigos e esta também é a casa deles. Prometo que vou ter cuidado, avó!




sábado, 26 de outubro de 2019

PEQUENOS FELINOS, de Fernando Teixeira















“Fazia-lhe companhia há duas semanas. Havia-o encontrado durante um passeio que dera a pé, ao longo de um trilho estreito de terra batida, junto ao mar.

Parara por instantes, de costas voltadas para terra como se quisesse voltar as costas aos pensamentos que não o largavam desde que chegara àquela povoação francesa, suficientemente bucólica e merecedora de que estivesse ali em paz de espírito.

Observava o mar com o olhar perdido no horizonte e o peso de uma vida sobre os ombros, não que fosse um velho, porém os seus sessenta e cinco anos ninguém lhos tirava e o peso maior talvez fosse a vida cheia de contrastes, de sucessos e infortúnios, de alegrias e tristezas, de boas e más decisões…Na quietude do campo, apenas perturbada pelo marulhar das águas contra as rochas, apercebeu-se de um ligeiro miar atrás de si. Rodou o corpo e viu três gatitos, ainda crias. O gesto brusco fez com que dois dos animais fugissem num ápice, escondendo-se na vegetação rasteira. Mal lhes vira a cor, talvez entre o bege e o cinzento-claro…

O terceiro ficara a um passo dele, olhando-o fixamente, com as patas dianteiras fincadas no solo e as orelhas espetadas, numa primeira atitude de defesa. Era um pequenino gato malhado nas cores branco, amarelo e preto. Seria de alguma das habitações situadas a mais de trezentos metros? A hipótese de ser um gato fugitivo teria alguma força se ele andasse por ali sozinho. No entanto, os três animais tinham surgido juntos e mais pareciam gatos de rua. Algo no seu aspecto lhe deu a sensação que devia ser um gato selvagem, mais do que um gato doméstico.

Menos tempo demorou nestas conjecturas do que o instinto do pequeno felino. Percebendo que daquele humano não viria grande perigo para a sua existência, fez as suas patas dar duas passadas hesitantes, primeiro, e depois outras mais decididas de encontro às pernas dele, onde procurou acolhimento, roçando-se com débeis miados.

Não era inexperiente com animais. Os seus avós tinham tido dois Rafeiros do Alentejo, um branco e preto e, mais tarde, outro castanho, que eram os cães de guarda da quinta. Quando criança, lembrava-se de o avô ter permitido que três gatos se tivessem juntado à família, com a promessa, e como prémio, de ele e as duas irmãs terem bons resultados na escola. Um para cada um, para não guerrearem entre si com ciúmes!

Nunca se esquecera do nome dos animais, atribuído por motivos comezinhos que lhes estavam relacionados. Uma fêmea e dois machos: a fêmea, maioritariamente preta com a ponta das patas em branco, tinha o nome de Manta Rota porque rompera a manta de ourelos que cobria a cama da sua irmã Leonor, logo no primeiro dia em que entrou em casa; um dos machos, de cor branca, chamava-se Cortiço por ter ido lamber restos de um favo de mel deixado no chão, acabando por ser picado por abelhas e aparecer com o pêlo do focinho todo empastelado; finalmente, o terceiro, um gato tigrado amarelo, o que tinha no seu entender o nome mais engraçado, ou não fosse o seu gato e não tivesse sido ele a dar-lhe o nome, depois de o marafado aparecer em casa ao segundo dia a espirrar e todo ele mais branco do que amarelo, por se ter andado a rebolar num monte de farinha, num canto do celeiro. Chamara-lhe Pó-de-Giz!

A breve memória dos gatos da sua infância, provavelmente catalisada pela curiosa simbiose da cor dos três naquele pequeno ser, e um episódio anterior fizeram-no curvar-se lentamente, para não o assustar, e estender a mão mais devagar ainda, dando-a a cheirar antes de tentar fazer-lhe uma festa na cabeça.

Ao sentir a sua mão ali tão perto, o pequeno felino tomou-lhe o cheiro em duas inspirações, para logo erguer o focinho contra a mão e esticar o pescoço, forçando uma festa na cabeça. Ele, surpreendido com tamanha docilidade, inusitada num gato selvagem, afagou-lhe a cabeça e prolongou a carícia ao longo do dorso, que viu arquear, até lhe chegar à cauda hirta, erguida no ar. O gato, sentindo o toque afectuoso, rendeu-se à pessoa que o acariciava, continuando a roçar-se em torno das suas pernas e volteando como se estivesse a descrever oitos no chão.”


in Traços de Pont-Aven

sexta-feira, 25 de outubro de 2019

A CASA ASSOMBRADA, de MBarreto Condado
















Todos sabem da existência do velho casarão virado para a baia. Abandonado pelo tempo e pela sua própria história. Dizem ser uma das primeiras casas construída naquele local. Porém, pouco se sabe sobre a vida de quem lá vivera, os mais velhos garantiam que eram pescadores, uns mais afoitos afirmavam que eram piratas. O que se sabe é que está abandonada há muito tempo e a sua história continua sem ser contada.

Aqueles que passam na marginal depois da meia noite juram já ter visto vultos caminhando no seu interior sob luzes tremeluzentes de velas juram até já ter ouvido vozes a murmurar um convite.

Contudo, ao longo do tempo o velho casarão acabou por tornar-se num local de romaria para os curiosos do sobrenatural.

Para surpresa de muitos, recentemente foi autorizado a um grupo específico de alunos uma visita de estudo a esta velha casa na companhia dos seus professores e do actual dono que aparecera misteriosamente uns dias antes.

No dia combinado o grupo de alunos já se encontrava parado à frente do portão de ferro forjado aguardando em silêncio. Aquela ausência das habituais conversas entre eles deixou pasmados até os seus professores. A verdade é que todos se encontravam nervosos perante o que iriam ver lá dentro. Nunca antes ninguém lá entrara. Isto era, ninguém que não pertencesse aquela família.

O sol permanecia escondido atrás das carregadas nuvens conferindo aquele local um ar muito mais sinistro do que já tinha. Algumas alunas soluçavam receosas enquanto os professores as acalmavam. Também para eles que tinham crescido naquele local aquela era uma oportunidade única de ver o que nunca ninguém vira.

O portão abriu-se permitindo-lhes a passagem, rangendo sonoramente como que empurrado por uma mão invisível.

Entraram no pátio da casa atravessando uma névoa fina quase imperceptível. A turma acompanhada pelo seu director de turma que caminhava à sua frente e a encerrar o grupo o professor de educação física.

Continuavam todos em silêncio.

Na ombreira da porta viram um vulto alto e escuro que os fez estancar o passo.

- Bem-vindos a minha casa. Façam o favor de entrar.

Aquele convite fez gelar o sangue nas veias dos professores. Soava como se ao aceitarem aquele convite nunca mais pudessem sair.

Entraram, parando no largo vestíbulo. A porta voltou a fechar-se atrás deles desta vez silenciosamente. O misterioso homem avançou até ao centro daquele grupo olhando cada um deles nos olhos:

- Como sabem esta é a primeira vez que a casa se abre para receber visitas. A última vez que foi habitada faz no dia de hoje precisamente oitocentos anos. Sei que existem muitas histórias à volta da minha família e desta casa. Pois bem estou aqui para vos matar essa curiosidade.

Os professores entreolharam-se aquela última frase não lhes tinha soado muito bem. Aproximaram-se mais daquele estranho colocando-se entre ele e os alunos. Se fosse necessário estavam ali para os proteger.

- Como estava a dizer. Vou fazer-vos um breve resumo da história da minha família e depois se quiserem podem dar uma volta pela casa e pelo jardim que fica na parte de trás. – fez uma pausa - Somos uma família de gentes do mar. Vivemos grande parte da nossa vida do que o mar nos dava e foi desse mesmo mar que veio a nossa riqueza.

- Eram piratas? – um dos alunos gritou a pergunta.

Sorriu-lhe

- Não! Nunca fomos piratas. Mas tivemos a felicidade de encontrar um tesouro.

Ouviram-se murmúrios.

- Num final de tarde depois de não termos pescado nada quando retirávamos a última rede notámos que esta trazia um peso extra. Qual não foi a nossa surpresa quando vimos uma bela mulher lá presa.

O silêncio era assustador.

- Era a mais bela mulher que já tinha visto. Trouxe-a para esta casa que na altura não passava de um casebre. Tratei dela e eventualmente casámo-nos. Nos primeiros dez anos de vida juntos tudo em que tocava se transformava em ouro, mas apesar da riqueza nunca fomos abençoados com filhos.

Suspirou parecia que lembrar-se daquela história o amargurava.

- Contudo, no dia em que celebrávamos exactamente dez anos ela desapareceu. E eu perdido com a sua estranha ausência e por não a encontrar voltei para o mar à sua procura. Ainda hoje o faço. Mas de dez em dez anos na data do nosso encontro volto sempre a esta casa na esperança de que ela tenha voltado.

Fez nova pausa.

- Por esse motivo esta casa continua e continuará aqui até que nos encontremos novamente nesta vida. Agora que já conhecem a minha história convido-vos a passearem pela casa à vontade. Está tudo como foi deixado naquela altura.

Sem dizer mais nada afastou-se desaparecendo por detrás da porta da sala.

Os professores ainda estavam meio aturdidos com o que tinham acabado de ouvir. Contudo os seus alunos já percorriam todos os recantos a investigar.

Certificaram-se que se encontravam sozinhos antes de voltarem a falar.

- Não achas estranho que ele tenha contado aquela história como se tudo se tivesse passado com ele?

- Mais estranho ainda por ter acontecido tudo há oitocentos anos atrás.

Começaram a andar através daquelas largas salas, tinham que garantir que deixavam aquele local tal como o tinham encontrado.

Estava tudo estranhamente limpo apesar de não estar habitada. O ar degradado do seu exterior não combinava com o que ali viam.

- Não te cheira a bolo acabado de fazer?

- Cheira.

- Ouves isto?

- Não ouço nada.

- Nem eu! Onde estarão os miúdos?

Não foi necessário dizer mais nada instintivamente correram na direcção de onde lhes chegava o cheiro a comida.

Quando se aproximaram do salão pararam ao ouvir a voz melodiosa de uma mulher. Da ombreira da porta não queriam acreditar no que os seus olhos viam. A mesa estava repleta de bolos, pão acabado de sair do forno, sumos. A lareira crepitava aquecendo a sala e no centro sentada num cadeirão estava uma jovem mulher. Os alunos pareciam hipnotizados pela sua presença, escutando-a atentamente.

Não ousaram mexer-se. Sentiam que estavam perante um fantasma.

Ouviram passos atrás de si voltaram-se a medo e viram o seu anfitrião parar e olhar perplexo para a mesma visão.

- Ana!

A mulher voltou-se sorrindo-lhe.

Avançou na direcção dela passando através deles. Arrancou a mulher da cadeira apertando-a nos seus braços.

- Finalmente encontrei-te

- Tenho estado sempre aqui. Vejo-te apesar de saber que não me vês.

- Porque desapareceste?

- Porque o tempo que me tinha sido permitido para estar junto de ti se esgotou.

- Não desapareças novamente por favor.

- Agora que conseguiste encher esta casa de crianças a minha má sorte acabou. Ficaremos juntos para sempre.

Os professores não queriam acreditar no que viam e ouviam.

Naquele momento tudo à sua volta desapareceu e eles …