sábado, 21 de julho de 2018

REFLEXÕES OCASIONAIS | As Custas judiciais, o encarecimento da Justiça e a Protecção Jurídica| ISABEL DE ALMEIDA

No seu artigo 20º a Constituição da República Portuguesa consagra o Direito de Acesso ao Direito e aos Tribunais. Todavia, é consensual que as custas processuais em Portugal são deveras elevadas, o que limita o acesso ao Direito a grande parte da Classe Média Nacional, que vem sofrendo as duras repercussões de uma série crise financeira à escala mundial.

Tomemos como exemplo, à laia de Case Study, um processo de Divórcio sem Consentimento do Outro Cônjuge, que corra termos num Tribunal de Família, para intentar esta acção em Tribunal haverá lugar ao pagamento obrigatório de uma taxa de justiça no valor de €612,00 (seiscentos e doze euros), ora facilmente se conclui pelo exagero e desproporcionalidade do valor desta taxa de justiça, desde logo se tivermos em devida linha de conta que o valor do Ordenado Mínimo Nacional é, para 2018, de €580,00 (quinhentos e oitenta euros), nem tão pouco alcançando a totalidade daquela taxa de justiça.

Com efeito, este, como muitos outros exemplos que poderiam ser enunciados, serve de alerta para o facto de se ver cerceado gravosamente o acesso dos cidadãos à Justiça, deixando na indefinição e, tantas vezes, em situação de agudização crescente de conflitos entre as partes, muitas situações familiares complexas.

Obviamente, a nossa legislação consagra o Direito a Protecção Jurídica, podendo ser formulado junto dos competentes serviços da Segurança Social o pedido de protecção jurídica que poderá passar pela dispensa total ou parcial do pagamento de taxas de justiça e demais encargos com o processo,  bem como a nomeação de Advogado, assim como pode ser requerida a prestação de consulta jurídica cujo pagamento seja isentado. Contudo, não é menos certo que, quem diariamente convive com estas temáticas, mormente os Advogados e os Requerentes desta Protecção Jurídica, assiste a uma nítida disparidade de critérios na apreciação e decisão destes pedidos, com forte peso da discricionariedade administrativa, e patente desigualdade, levando a pôr em crise dois dos valores basilares do Direito - a Justiça e a Segurança, operando uma discriminação negativa tendo por base de sustentação a forma aleatória como se considera existir insuficiência ou carência económica.

Na verdade, não é raro verificar que os Requerentes de Protecção Jurídica vêm ser-lhes negado o Direito à mesma apenas e só porque os serviços da Segurança Social entendem - erradamente - que há que considerar os rendimentos de todo um núcleo familiar que habite uma mesma casa, embora facilmente se compreenda que podem existir economias separadas (basta recordar que, precisamente por dificuldades financeiras, um requerente de protecção jurídica pode residir sozinho ou até mesmo com filhos menores, em casa de familiares próximos, precisamente por estar impossibilitado de suportar encargo com habitação).

Outra contingência que alerta também para a disparidade de critérios na concessão de protecção jurídica é o facto de, em diversos Centros Distritais de Segurança Social, serem diferentes os prazos de decisão expressa dos pedidos, que podem oscilar mesmo entre um a oito meses.

De não somenos importância, é ainda o facto de, pese embora a legislação aplicável ( Lei nº 34/2004, de 29 de Julho, republicada pela Lei nº 47/2007, de 28 de Agosto) contemplar o deferimento tácito (deferimento do pedido por decurso de tempo/inércia da administração pública) dos pedidos de protecção jurídica, já sucedeu surgir após o prazo de 30 dias (para formação taxativa de acto tácito de deferimento do pedido, nos termos legais) uma decisão da Segurança Social que indefere o pedido formulado, alegando que o acto expresso de indeferimento (embora extemporâneo numa interpretação equilibrada da Lei) revoga (faz cessar os efeitos) o acto de Deferimento Tácito, mais uma vez abalando a confiança do Cidadão Comum nas instituições e fazendo olvidar a Justiça e a Segurança Jurídicas.

Urge pensar em soluções urgentes que contemplem uma revisão alargada do Regime de Fixação das Taxas de Justiça (actualmente estatuídas no Regulamento das Custas Processuais), sendo impensável que os cidadãos nacionais vejam, muitas vezes, impedido o seu acesso aos Tribunais por estas perversidades do sistema, que potenciam a conflitualidade latente e que mexem em sectores deveras sensíveis da convivência relacional e familiar.

Um bom ponto de partida para reflectir conjuntamente acerca deste tema, como forma de sanar o natural inconformismo que o mesmo deve causar, será atentar nas realidades que se passam, a este nível, em diversos outros países da Europa, mormente, na vizinha Espanha adoptou-se a regra base de isentar de taxas de justiça as pessoas singulares, e em concreto no caso do Divórcio Litigioso, este encontra-se isento do pagamento de taxa de justiça caso as medidas requeridas digam respeito apenas a filhos menores do casal, sendo contemplada uma taxa de justiça de valor muito simbólico quando se debatem em sede de divórcio litigioso outras questões distintas das exclusivamente atinentes a filhos menores, neste último caso a taxa de justiça a considerar é no valor de €150,00, à qual acrescerá 0,1% sobre o valor de pensão compensatória, ou sobre o valor de activos patrimoniais do casal.

Enquanto se facilitar o acesso à justiça dos litigantes em massa, ao mesmo tempo que se cerceia o cabal exercício de Direitos do Cidadão Comum por razões económicas e ao sabor da discricionariedade administrativa, não poderemos falar de igualdade, equidade, proporcionalidade ou, sequer, se poderá falar de Justiça e Segurança.

Urge pensar em soluções alternativas pertinentes para esta questão que, de modo directo afecta a vida de tantos e tantos Portugueses, e nós Advogados temos o dever acrescido de mostrar a nossa insatisfação perante estes circunstancialismos, e de promover um debate sério acerca desta temática.




"Insatisfação é o requisito primordial para o progresso"

Thomas Alva Edison

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