sábado, 4 de agosto de 2018

REFLEXÕES OCASIONAIS | Advocacia - algumas considerações sobre deveres recíprocos entre pares (II) | ISABEL DE ALMEIDA

   Continuamos na chamada Silly Season, e como prometido, as reflexões de hoje darão continuidade à temática dos deveres recíprocos entre Advogados, na esperança de que a habitual pausa de Verão ( com excepções, é certo) permita alertar consciências para a importância desta temática, pois o cumprimento de normas deontológicas não só permite um mais salutar convívio entre pares, como serve de facilitador ao desempenho profissional e, em última análise, contribui também para melhorar a imagem nem sempre positiva de que a advocacia goza no seio da opinião pública. 

  Tendo por base o artigo 112.º do Estatuto da Ordem dos Advogados (E.O.A.), há que ter bem presente a proibição de contacto com a parte contrária caso esta se encontre representada por Advogado, norma esta que contempla algumas excepções, nomeadamente, se existir autorização expressa do colega, ou se esse contacto se revelar absolutamente indispensável no âmbito de uma imposição que derive de lei ou contrato.

   E quanto a esta norma, aparentemente singela, ocorre-me reflectir na sua articulação com novas realidades do nosso mundo jurídico. Penso que seja consensual  e do conhecimento de muitos advogados que diversas empresas da área financeira adquirem carteiras de créditos de diferentes instituições (mormente, como é consabido, diversos bancos promovem Cessões de créditos a este tipo de empresas a que faço referência), muitas vezes os particulares devedores são abordados por escrito na pendência já de processos judiciais onde têm já mandatário constituído por estas empresas que instam  a  promover o pagamento integral de valores em dívida, ou a negociar o seu pagamento de forma faseada, e  ocorre-me pensar e questionar quantas vezes esses contactos não são feitos por advogados com inscrição activa, que não assinam nessa condição e que contribuem para, ao arrepio de normas deontológicas, gerar forte instabilidade e incerteza na condução deste tipo de processos, não sendo raro também que se coloquem problemas de legitimidade para cobrança de dívidas, requerendo-se, tantas vezes, um verdadeiro trabalho de detective para saber com quem devem, efectiva, legalmente e de forma segura, ser negociados os pagamentos de tais dívidas. 

   No tema abordado no parágrafo anterior, cabe ponderar ainda, em conjugação com a norma supra citada, o dever geral de lealdade entre colegas que se encontra previsto no artigo 95.º do E.O.A, bem como o dever genérico de solidariedade entre pares estatuído no artigo 111.º do mesmo diploma legal.

   Igualmente, na azáfama da prática corrente, acaba esquecido o dever deontológico de informar o colega da contraparte da impossibilidade de comparecer em qualquer diligência agendada, assim como letra morta é também, com muita frequência, o diligenciar efectivamente por incentivar o cliente a promover o pagamento de honorários e despesas a colega que, anteriormente, tenha assumido a condução de determinado assunto jurídico ou mesmo o exercício de patrocínio forense, cabendo ainda justificar, in casu, os motivos pelos quais se aceita substituir o colega em tal posição.

   Por fim, e para concluir esta temática, devo aludir a um dever deontológico que muitas vezes parece ser bastante olvidado, e relativamente ao qual, se é certo que a anterior formulação do texto legal deixava margem a dúvidas interpretativas que permitiam colmatar lacunas no seu cumprimento, a pretexto de diversa interpretação do preceito, a verdade é que a corrente redacção da norma ínsita no artigo 96.º do E.O.A. não abre margem a quaisquer dúvidas quanto à imposição de comunicar sob a forma escrita a colega (o mesmo sendo aplicável a magistrados) a intenção de intervir em procedimento disciplinar, processo judicial ou de outra natureza em que seja parte um colega, devendo ainda ser cabalmente justificada a aceitação de tal incumbência. Obviamente, mostram-se excepcionadas questões com carácter secreto ou urgente. Neste âmbito, há que ter presente que, de acordo aliás com a posição assumida, e a meu ver correctamente, em Jurisprudência da Ordem dos Advogados, esta obrigatoriedade de comunicação aplica-se quer o Advogado represente  autor, requerente ou recorrente num procedimento ou processo, quer ainda se assumir o patrocínio de réu, requerido ou recorrido. A Jurisprudência da Ordem dos Advogados reconhece também, expressamente, que este dever deontológico de comunicação prévia é imposto também, naturalmente, em Mandatos exercidos por Sociedades de Advogados, entendimento que tem por base o chamado princípio da deontologia uniforme.

   E com as presentes reflexões dá-se por encerrada, por ora, esta temática, e aproveita-se para formular a todos os leitores votos de um excelente período de descanso estival. As reflexões ocasionais serão interrompidas durante as restantes semanas do mês de Agosto, retomando o convívio com os leitores em Setembro!

    

“A toga não é um privilégio, é uma
responsabilidade, porque te impõe o rigoroso
cumprimento dos deveres deontológicos”

Regra VIII do Decálogo de António Arnaut, In, “Iniciação à
Advocacia”


   

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