domingo, 25 de novembro de 2018

REFLEXÕES OCASIONAIS | A Violência Doméstica - Uma abordagem inicial | ISABEL DE ALMEIDA e CARMEN MATOS


   
A violência doméstica é um flagelo social que afecta todas as comunidades e que constitui uma questão premente em Portugal, onde vem sendo frequente o forte alarme social causado, inclusive pela ocorrência de situações extremas que redundam na morte das vítimas,  o que faz pensar, desde logo, em aspectos que merecem séria ponderação e revisão em termos de apoio geral à vítima de violência doméstica, isto no que diz respeito às respostas em termos jurídico-penais, sociais e psicológicos.

Em traços genéricos, a violência doméstica poderá consistir na prática reiterada ou não de maus-tratos de natureza física, psíquica, verbal, podendo ainda passar por questões como privação da liberdade e ofensas de cariz sexual. Muito embora acabem por merecer maior atenção casos de violência doméstica que decorram no seio de relacionamentos afectivos (mormente, entre membros de casais de namorados, unidos de facto ou unidos por matrimónio), a verdade é que o conceito de vítima é bem mais alargado (considerando-se mesmo o previsto no disposto no artigo 152.º do Código Penal Português), contemplando-se situações como a co-habitação com pessoas que merecem especial tutela (defesa e protecção legal) da lei devido a serem especialmente indefesas por motivos como a idade, deficiência, gravidez ou dependência económica que co-habitem com o agressor.

Em termos legais, mostram-se ainda tipificadas possíveis circunstâncias que agravam a pena a aplicar aos agressores, consoante o resultado da conduta ilícita do agressor, estando ainda previstas limitações possíveis em termos de exercício do poder paternal, bem como de tutela ou curatela.

Muito embora também seja mais comum a circunstância de a vítima se tratar de uma mulher, a verdade é que importa destacar que existem também, naturalmente, vítimas do sexo masculino, cabendo evidenciar que, até por uma questão de mentalidade e de preconceito, acaba por ser mais complexa a detecção, sinalização e acompanhamento de casos de vítimas do sexo masculino, porquanto a mera possibilidade ou suspeita de ocorrência de violência doméstica tendo por vítima um homem é ainda hoje olhada como sinal de fraqueza, indo contra os critérios do "politicamente correcto" em termos de papeis sociais do homem e da mulher. Estamos perante o sério risco de estigma da vítima (independentemente do género da mesma) que pode advir do seu género, da classe social, e do receio e especial gravidade que pode revestir uma situação deste tipo se estivermos perante um caso de dependência económica da vítima perante o agressor.

Encontramos, de um modo geral, na vítima uma pessoa muito fragilizadas, e que sofre duplamente, quer porque se mostra tantas vezes em crescendo a espiral de violência a que está submetida, no seu lar, o que é um contra-senso , na medida e que o lar seria por inerência uma zona de conforto, o "porto de abrigo"; e sofre, igualmente, porque opta , por norma, por um doloroso silêncio, com vergonha de assumir mesmo perante autoridades a dura realidade dos factos, em nome de posições sociais que procura defender, ou por mero pudor ou ainda, quiçá, negação, pois não é fácil expor a intimidade, a vida familiar, aquilo que de mais privado se partilha em ambientes afectivos, e que integra a esfera mais pessoal e íntima de cada ser humano.

É comum que a vítima só procure ajuda junto de  amigos e familiares quando se encontra já numa fase bastante avançada da repetição de comportamentos abusivos por parte do agressor, nomeadamente, quando se começa a aperceber que o risco de perder a vida é real e deveras assustador, tal como quando começa a interiorizar a ideia de que a situação já não tem ponto de retorno possível na medida em que o agressor não irá alterar os seus comportamentos (muito embora faça parte do padrão comportamental habitual de muitos agressores prometer às vítimas que cada vez que incorrem em comportamento abusivo será a última vez que tal sucederá).

O crime de violência doméstica é de tal forma grave e avassalador, sendo ainda transversal a classes sociais, que leva a que a vítima mergulhe num mundo de caos, um verdadeiro inferno Dantesco que, não raras vezes, termina com a morte destas às mãos o seu agressor. Especialmente insidiosa é a violência psicológica, na medida em que, sendo causadora de danos graves e persistentes, é a de mais difícil prova, considerando-se, nomeadamente, uma abordagem jurídica desta temática.

Poder-se-ia dizer que, em muitos destes casos, as vítimas "dormem com o inimigo", em absoluto silêncio face aos demais, dilacerando-lhes as esperanças, os sonhos, as emoções, mantendo-as absolutamente dominadas pelo medo, sequer de respirar, pois, bem sabem que dificilmente alguém as poderá proteger do seu agressor, pois este tem como último objectivo retirar-lhes a liberdade, e, em última análise, a vida!

Todavia, seria de extrema importância que começassem a existir iniciativas tendentes a  transmitir às vítimas que é possível fazer algo de diferente, que é importante investir nelas próprias e que é primordial que aprendam defender-se, em especial quando é consensual que toda a estrutura formal, por assim dizer, de que as mesmas dispõem para dar resposta a esta premente questão se revela manifestamente imperfeita e insuficiente para garantir a sua segurança e integridade físicas.

Trata-se de uma questão que implica uma reflexão profunda e que reclama a atenção de várias áreas do saber, nomeadamente: Direito, Psicologia, Sociologia e Antropologia.


“Todas as pessoas com quem você entra em contacto têm-lhe imposto medo, porque o medo é o oposto da liberdade. Quanto mais medo você tem, menor é a possibilidade de liberdade. Quanto mais medo existe, menor é a possibilidade de rebelião.” 

Osho

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