domingo, 8 de novembro de 2020

IR OU FICAR, de Fernando Teixeira

 


A previsão não era a melhor. O mês de Fevereiro estava no fim e tinha decorrido quase todo com tempo instável. Aquele dia não era excepção: um céu carregado de nuvens escuras, vento moderado a forte, com algumas rajadas, e aguaceiros frequentes.

Tudo em redor estava empastelado em tons de cinzento. As gaivotas e outras aves marinhas haviam desaparecido da zona da ria, provavelmente recolhidas em terra, a adivinhar tempestade no mar. Quando deixava de chover, lá aparecia uma ou outra gaivota no cais, deslocando-se em passinhos hesitantes e com as penas levantadas pelo vento, para logo efectuar voos curtos à procura de abrigo, dir-se-ia pequenos saltos, a força do vento não lhe permitindo grandes veleidades. Os barcos, ancorados em fila na ria, balouçavam freneticamente em movimentos descoordenados ao sabor da crispação das águas.

Durante a manhã, um bom número de pescadores havia-se mantido reunido nas instalações da Coopérative Maritime, de ouvidos colados aos aparelhos de rádio e de telecomunicações, e de olhos postos nos televisores, na tentativa de apurar quais as condições meteorológicas para essa tarde e noite. Havia sido assim, dias a fio. De vez em quando, entrava mais um pescador, cada qual trazendo notícias contraditórias. Alguns dos homens tentavam contactar capitães de navios que estivessem ao largo, no sentido de confirmar as condições reais do mar e do vento.

Jacques Bonnet era dono de um dos barcos maiores, e com mais calado, de entre os dos Patrões de Costa locais e apenas esse restrito número de embarcações poderia enfrentar aquele mar. Apesar disso, ele jamais teria saído da ria com aquelas condições, pondo em risco o barco e, principalmente, a sua e a vida dos quatro pescadores, também amigos de longa data, que faziam há anos parte da sua tripulação.

A seguir à hora do almoço, o tempo pareceu amainar um pouco, embora continuasse ameaçador, o que dividiu ainda mais a opinião dos pescadores. De facto, o vento acalmara bastante e já não chovia há hora e meia.

Os quatro pescadores vieram ter com Jacques, incentivando-o a fazerem-se ao mar. Argumentaram que tinham telefonado para familiares e amigos de Le Pouldu, Lorient, Port Manec’h, Poul Don e até de Quiberon: tinham sabido que um ou outro barco de maior porte já tinha saído para o mar e que as tripulações de outras embarcações, até menores, se preparavam para o fazer.

Outros grupos de homens, à volta deles, pareciam debater-se com o mesmo dilema, esgrimindo argumentos e dúvidas: sair para a pesca ou ficar em terra?

Jacques dirigiu-se com Maurice, o seu contramestre, à mesa dos rádios, na expectativa de obter as últimas informações sobre as condições meteorológicas. Consultaram as cartas náuticas e trocaram impressões.

Com a aproximação da hora habitual de partida para a faina, algumas mulheres entraram nas instalações tentando convencer os maridos a não arriscarem.

Também Sylvie tentou demover o marido da intenção de se fazer ao mar nesse dia. Bem vira como estava o tempo nessa manhã, enquanto conduzia em direcção a Quimperlé. À chegada ao emprego, apressou-se a telefonar para saber das intenções de Jacques. Não ficou descansada com a resposta e passou a manhã angustiada. Sabia como o marido era corajoso, por vezes até demasiadamente temerário para o seu gosto. Já o vira sair para o mar, com os companheiros, em condições que aconselhavam prudência. E aquele era um dia desses!

No fim do turno da manhã dessa sexta-feira, não conseguiu aguentar a ansiedade: pediu dispensa, desculpando-se de que tinha surgido uma emergência em casa, e “voou” para Port de Doëlan com as mãos agarrando o volante e o coração.

Entrou apressada na Coopérative, depois de ter verificado que o marido não estava em casa. Viu Jacques reunido com os seus homens. Correu lesta para ele e abraçou-o num soluço. Os quatro pescadores afastaram-se, dando espaço ao casal. Todos eles já tinham passado por momentos assim com as respectivas esposas. Bem sabiam o que era ler-lhes a angústia nos olhos lacrimejantes.

 

in Traços De Pont-Aven

 

(O autor escreve segundo a ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.)

 


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