sexta-feira, 4 de setembro de 2020

MEMÓRIAS, de Anita dos Santos


Tenho memórias de quando era muito pequena. Mesmo muito pequenina.

Não sei se todas as pessoas são assim, mas eu sou.

A maioria dessas memórias é de tempo de férias, talvez porque eram tempos passados num local diferente daquele em que estava normalmente, e de que gostava muito porque não tinha paredes nem portas para me prender nem me confinar – íamos sempre para um parque de campismo – onde me podia perder por entre árvores, pedras, rochas, arbustos, tudo quanto não tinha em Lisboa, em casa, além do que ninguém me parava.

Era só chegar e eu desaparecia na tenda de alguém. Toda a gente se conhecia de uns anos para os outros, e eu tive a vantagem de ter, no primeiro ano em que acampei, ido fazer dois meses no parque. Todos me conheciam.

Tinha uma liberdade que não me era permitido ter em casa, e que eu aproveitava, mesmo inconscientemente.

Todas as tendas eram a minha casa, então sentia-me à vontade com toda a gente.

Recordo-me de um ano em que apareceu lá um casal francês com um filho e uma filha. Não me recordo da fisionomia dos pais, mas aos filhos lembro-os bem. Eram ambos muito loiros, pele branca e olhos azuis, e embora já não tenha presente o nome da menina, lembro-me que chamava Biju ao menino, provavelmente era como a mãe o tratava. Naquele ano fomos companheiros de brincadeiras inseparáveis, e embora não falássemos a mesma língua isso nunca foi impedimento para que nos dessemos bem e nos entendêssemos. Nesse ano eu não teria mais do que quatro anos.

Era uma maravilha para mim descobrir uma pegada de coelho escondida por entre um arbusto e uma rocha, embora este nunca se deixasse ver, ou então um gafanhoto do tamanho do meu dedo oculto por entre as ramagens de uma árvore, ou apanhar e comer uma amêndoa da amendoeira que ficava junto da nossa tenda.

Normalmente íamos de férias em Agosto, mês propicio a temporais e trovoadas.

As trovoadas mais espalhafatosas a que assisti, foram precisamente durante o tempo de férias. Parecia que era propositado. A mãe tinha muito “respeito” pela trovoada, assim como a maioria das senhoras, então juntavam-se todas com as crianças no bloco das casas de banho enquanto os homens ficavam a fazer as valas em torno das tendas.

Eu queria era ir ver os relâmpagos cair no mar!

O céu ficava lindo, quando era de noite e ficava tudo iluminado.

Relembrei estas memórias há poucos dias, aquando de uma trovoada aparatosa que me fez recuar no tempo.

Belas memórias trazidas no ribombar do trovão!


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