quarta-feira, 23 de setembro de 2020

(I) - Corria o ano de 2005, sentia-me confiante, pujante, rejuvenescido. / PAULO LANDECK

 


(I) - Corria o ano de 2005, sentia-me confiante, pujante, rejuvenescido.
Regressara da corrida matinal, lavado em esforço; peito cheio, galopante; peso do céu aliviado pela beleza nada rara do azul; pulsavam todos os afluentes, providos por avassaladora bomba que gritava incessantemente, “estou bem vivo”!
A escadaria partida indiciava não menos metafóricos degraus. Subi cauteloso, mas decidido, afinal de contas trata-se apenas de um pequeno detalhe….Regressemos ao essencial; importa não perder o pé mesmo quando a ferrugenta chave roda à primeira, deixando abrir o portão que se encerrará com estrondo.
Cerrada a entrada do prédio em segurança, foco direccionado ao vermelho alerta da caixa do correio (a mesma, do vermelho paixão).
Novamente a chave, uma outra, mais pequena, não menos interessante - Esse símbolo de controlo e posse, é das primeiras conquistas que uma criança pode ter, quando alguém lhe diz: “toma, tens aí a tua chave. A partir de agora já podes ir vendo o correio…vê lá se não a perdes, e não escavaques aquela bodega”. - Mais uma vez, cumpriu a sua função, sem causar estragos.
A carta metodicamente aberta, revelara rasgado sorriso. Acabara de receber a convocatória do Exército Português para me apresentar a 25 de Julho, no Regimento de Infantaria (RI 1), na Carregueira. Aos 27 anos de idade, aquela missiva, era o meu passaporte para dar início ao Curso de Formação de Comandos, depois de superadas as respectivas provas de admissão, meses antes, como voluntário.
Havia um senão, como comunicar à família e amigos uma notícia deste calibre, quando nem sequer intenção de cumprir vida militar havia alguma vez demonstrado ao longo de sua vida? – Talvez ainda fosse a carta, a melhor forma de encurtar outras distâncias.
Estava decidido: seria mais uma de tantas coisas nunca ditas; palavra perdida, como navio em garrafa à deriva no mar…o mesmo mar que vezes sem conta me devolveu esta pena à mão….
O hábito de fazer o saco parecia intrínseco à minha própria natureza. Partir, custa menos que falar.
A explicação à família, ficara-se pela necessidade de me apresentar no quartel, e ao que ia: procurar seguir carreira militar. – Como chegara até ali, parecia-me não só pouco relevante, como de uma intimidade difícil de compartilhar, o baluarte estava há muito erigido.
Congratularam-me, apesar da surpresa; parecia até que um novo homenzinho iria agora fazer-se esquecer. Pouca roupa na mochila, documentação, última golada nesse outro “del cano” de navegações mais felizes, trinca na maçã, e até breve!


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