quarta-feira, 9 de setembro de 2020

Leiria Film Fest – “Altitude”, de Nicole Scherer / PAULO LANDECK

 


A voluntária reclusão traz-nos agradáveis oportunidades, como a de assistir à selecção oficial do Leiria Film Fest a partir de casa. Segui com muito agrado, algumas das obras a concurso.
A austríaca Nicole Scherer leva-nos numa empolgante ascensão pela montanha, não na tentativa de atingir o ponto mais elevado (no sentido topográfico da coisa), mas num enlace entre realidade e ilusão, durante o que poderia ser uma expectável caminhada até ao conforto de simbólica cabana (não posso esquecer o carácter temporário da madeira, as raízes das árvores que assentam e dispersam como quem comunica em pleno no bosque, o tronco que se eleva a outros patamares, a necessária transumância para os que vivem da montanha…o necessário abrigo do corpo, e da alma).
Não consegui deixar de viajar pela cultura pagã dos Alpes, seus demónios associados, espíritos do bosque, figuras mitológicas (talvez por influência duma série germano-austríaca que terá ido para o ar em 2018, “Der Pass”; co-produção essa inspirada por sua vez, numa outra série escandinava de contornos semelhantes, “Bron/Broen”).
Em “Altitude”, o espectador atinge “o pico” do filme após súbitas paragens, como quem sofre catatonia ante virtual desenlace, e acorda de forma acutilante para o horror da dura realidade.
Para além dessa alusão às raízes do folclore alpino (não como elemento unificador num outro sentido que assola a Europa e o mundo, mas mais identitário/cultural, pelas diversas comunidades transfronteiriças que os Alpes abrangem), parece-me haver uma vitória das crenças e emoções sobre o real (será uma alusão aos perigos da pós-verdade?!); este filme, não deixa de ser também, um regresso ao passado recente de Nicole, remetendo-nos para a sua curta, "Dark Alp” (2015).
O confronto que a realizadora nos traz, parece transportar-nos para um mundo que nos ensandece numa espécie de hipóxia, a mesma que nos impede de continuarmos a subir a montanha na plenitude de nossas faculdades até ao conforto da nossa cabana, sem atentarmos ao real…espreita o perigo constante e a tragédia iminente. É importante mantermos pés assentes na terra, a mesma que empresta poeira ao tempo, sem esquecermos dos tais demónios que nos poderão atormentar, nem do que poderemos aprender, como quem caminha, de sentidos bem despertos.


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