quinta-feira, 24 de setembro de 2020

ANTÓNIO, de Maria Cecília Garcia

 


António partiu para a França contrariado, fê-lo para satisfazer Isaura
e tentar dar-lhe a vida que ela ambicionava. Na verdade, nunca
entendeu a razão destas novas ideias dela que, até então, nunca tinha
sentido, pelo menos nunca tinha dado mostras, dessas ambições.
Se fosse ao fundo da questão, tinha que reconhecer que ficara algo
decepcionado, magoado até, porque parecia que a Isaura no lhe custava
nada se separar dele.

Mas amava-a tanto que não se detinha nestes pensamentos.
Na França deixou de ser aquele jovem simples, alegre, convertendo-se
num homem apenas preocupado com o trabalho e com o dinheiro que podia
guardar para poder regressar o mais depressa possível. Vivia num
quarto partilhado e comia frugalmente, doía-lhe na alma ter que gastar
dinheiro em algo que não fosse essencial. Apenas se perdia, em algumas
ocasiões, ao comprar algum brinquedo ou um bom casaco para Pedrinho,
ou um belo vestido para Isaura.
Já tinha uma pequena mala onde guardava as peças com as quais esperava
fazer uma bela surpresa aos dois. Sorria aoimaginar a alegria deles,
os abraços.

Esperava ansiosamente pelas cartas de Isaura para ter notícias do
filho e novidades da sua terra.Nos primeiros meses as cartas foram
frequentes e motivadoras, cheias de saudades, mas, pouco a pouco,
estas começaram a ser mais espaçadas no tempo e algo indiferentes,
eram curtas e secas, como quem escreve apenas para cumprir uma
promessa. Não pareciam ser da sua Isaura., pensava. A última carta
trazia apenas umas letras espaçadas, preguiçosas, e uma foto de
Pedrinho, com um sorriso aberto, mostrando orgulhoso o buraco deixado
pelos dentes que lhe tinham caído. António deu uma grande gargalhada
de alegria ao ver o seu menino desdentado.
Nesse dia decidiu voltar, o mais tardar no Natal, e já era Novembro.
— Falta pouco para que possa regressar e afundar-me nos olhos de
Isaura, colocar-lhe flores no cabelo como quando éramos crianças,
voltar ao Rochedo ver o voo das águias e o caudal do rio.
Trabalhou com entusiasmo redobrado, por vezes sentia uma tristeza
indefinida ao pensar em Isaura, não sabia porquê. Mas a recordação de
Pedrinho devolvia-lhe uma terna emoção.
Na primeira semana de Dezembro António pôs-se a caminho sem avisar,
desejava que o seu regresso fosse uma alegre surpresa para todos.
A viagem de comboio pareceu-lhe demasiado longa, tal era a sua ânsia
de chegar. Uma vez em Campanhã, tomou um táxi rumo ao seu planalto.
Valia a pena o dinheiro que lhe ia custar, pois, chegaria mais rápido.
O seu coração batia acelerado à medida que se aproximava da povoação.
Parou o táxi junto ao café da Celeste, queria cumprimentar os velhos
amigos e conhecidos.
Havia uma meia dúzia de homens  na rua,dentro da taverna, apenas dois
fregueses davam cavaco à patroa. António entrou sorridente, feliz, mas
o que recebeu de volta foram rostos espantados e silenciosos.
— Então D.Celeste, amigos... já não conhecem o António?
Alguns  aproximaram-se-, dando-lhe um forte abraço, que mais parecia
aqueles abraços que sentidos que se dão nos funerais.

Celeste olhava para aquele rapaz com tristeza e continuava em
silêncio. Os que ficaram na rua sacudiam a cabeça, incrédulos ,sem
coragem para falar. António estava em pânico.

— Celeste, o que aconteceu? Estão todos tão estranhos!
— Vem cá filho, — deu-lhe a mão e fê-lo sentar-se no fundo da escada
junto dela, apenas alumiado pelo clarão avrmelhado da grossa vela,ao
fundo da escada. Ouvia-se em surdina a voz de Celeste, que segurava as
mãos de António ao falar  com ele.
Quando António se levantou, tudo o que nele tinha mudado saltava à
vista: o queixo, a testa, a boca, tudo se tornara tenso. Na boca
sobretudo, havia um sorriso insolente.
-Então eu…eu não era nada para ela?

Num próximo livro.

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