domingo, 15 de abril de 2018

CRÓNICA | Caixa de Pandora | CRISTINA DAS NEVES ALEIXO




O progresso e as novas tecnologias sempre me fascinaram. Sou a favor de tudo o que possa facilitar e melhorar as nossas vidas mas, como em qualquer outra coisa, creio que há limites que não devem ser ultrapassados, inclusivamente pela nossa segurança e bem-estar e a inteligência artificial é um terreno deveras pantanoso.

Quando vejo o nosso jogador de futebol mais internacional “conversar” calmamente com um robô humanóide que dá pelo nome de Sophia, para publicitar uma inovação de um fornecedor de serviços de comunicações, creio que esse limite já foi ultrapassado. Já o tinha pensado quando, há uns meses, a Arábia Saudita lhe tinha concedido cidadania – algo completamente despropositado, a meu ver - e agora ali estava aquela máquina – sim, não passa de uma máquina - a fazer as vezes de um qualquer actor ou figurante.

Como se não bastasse, passados uns dias vejo um reputado jornalista, de sorriso rasgado, a apresentar a máquina Sophia e a sua “família” noutro spot publicitário - desta vez não era só um robô mas sim três. Família?! Mas… qual família?! E completamente humanizados, totalmente vestidos, com uma imagem o mais humana possível. Fiquei completamente indignada e, confesso, arrepiei-me, ao mesmo tempo que mental e imediatamente me transportava para as imagens do filme “Exterminador Implacável”.

Exagero? Nem tanto, quando penso que já existem armas autónomas, isto é, com base na inteligência artificial e que cobrem os três ramos militares: terra, ar e água. Em terra, na zona desmilitarizada entre as duas Coreias, opera o “robô de guarda SGR-1” da Samsung, que pode disparar até três quilómetros de distância – coisa pouca. Para o ar está a ser desenvolvido, pela Bae Systems, o drone “Taranis” e para o mar o navio autónomo “SS Sea Hunter”, da Marinha norte-americana, e o submarino “Echo Voyager” da Boeing, que está apto a operar durante meses sem intervenção humana.

Exagero? Não, perigoso. Muito perigoso.

É verdade que já usamos a inteligência artificial no dia-a-dia - nem nos apercebemos – e é benéfico. A IA está presente em coisas tão simples como motores de busca na internet, aplicações para pedir um simples transporte ou atendimento virtual ao cliente, por exemplo, o que, convenhamos, agiliza os procedimentos e é uma forma controlada de a usar para nosso benefício; mas quando se começa a dar autonomia a algo que tem por base a rápida aprendizagem e reacção – muito superior às nossas capacidades -, em áreas tão periclitantes como a segurança global, não sabemos qual será o desfecho. E se algo corre mal? As máquinas não têm, nem nunca terão, o discernimento humano.

Não é por acaso que mais de cem individualidades, representantes de vinte e cinco empresas no ramo da IA e da robótica, espalhadas pelo mundo, enviaram uma carta aberta às Nações Unidas a alertar para os perigos do uso da IA em contexto militar. Entre eles estão, por exemplo, Elon Musk, fundador da SpaceX e da Tesla, Toby Walsh, professor de IA na Universidade de New South Wales, Gary Marcus, fundador da Geometric Intelligence, e Mustafa Suleyman, criador da DeepMind – só pessoas que não percebem mesmo nada do assunto, não é? Concluem a missiva dizendo que “quando a caixa de Pandora for aberta, será difícil fechá-la” e eu concordo em absoluto. Isto é uma perfeita caixinha de Pandora, extremamente apelativa mas com tudo para despoletar o caos, quiçá o extermínio da raça humana.

A Humanidade está cega pela ganância e pelo individualismo, esquecendo a sua base mais elementar: a partilha. Estamos todos ligados uns aos outros e a todos os outros seres vivos e é através da partilha, em todos os momentos, que existimos e vivemos da forma que vivemos. Ela começa no micro-segundo da fecundação, quando dá origem à formação de um novo ser. Sem a união das células dos progenitores não haveria lugar a uma nova vida e acompanha-nos para o resto da nossa existência, onde cada acção tem um efeito em nós, individualmente, assim como no que nos rodeia, seja através dos nossos trabalhos, da nossa vida pessoal ou social. As nossas acções e atitudes devem ser ponderadas, pois não nos afectam só individualmente. Afectam tudo.

Há limites para existir um equilíbrio. Um leão não mata todas as gazelas de uma manada. Ele mata apenas aquela que é necessária para lhe saciar a fome.

4 comentários:

  1. Respostas
    1. Sem dúvida, Miguel Angelo. Isto é mesmo muito sério.

      Eliminar
  2. do homem,do sujeito,do animal...
    abolir a infelicidade
    na recusa radical do Um
    todo o mundo pensa
    que o Outro não é humano...
    animal
    o sujeito
    vestido de sujeito
    o individuo solto no Mundo
    do ante sujeito
    a sujeição ao Direito...
    a invenção do indivíduo
    (como) abstrato
    extraído do seu contexto
    histórico
    a modernidade
    grávida de Si...
    a invenção do homem
    e do sujeito...
    descontinuidade das epistemes...
    o espectáculo da morte
    mudança nos padrões
    de sensibilidade
    reformulam a noção de crueldade
    noções de dor e sofrimento...
    dilema ontológico
    inquietante semelhança
    entre animais...
    animais
    animais...
    objetos indiferenciados de
    transformação utilitária...
    sensibilidade/insensibilidade
    conforto/desconforto...
    cadáveres que já o não são
    pela sangria
    a que vão sendo sujeitos...

    ResponderEliminar
  3. O problema é mesmo a ganância do ser humano que se esquece ou faz por ignorar, em nome do lucro fácil, aquilo que devemos preservar " A VIDA". Não me refiro só ao ser humano mas à vida das florestas e dos animais que cada vez são menos respeitados! Quando acordarmos, provavelmente será demasiado tarde, mas fomos os causadores e os culpados do extermínio. Este é um assunto muito atual e o artigo está muito bem escrito, aborda sem duvida um tema que causa arrepios, porque a robótica pode e deve ser usada para avançar na medicina ou no desenvolvimento de outra qualquer especialidade a bem de toda a humanidade, para quê utilizar mal???!!!

    ResponderEliminar