domingo, 10 de junho de 2018

CRÓNICA | Vizinhos, vizinhos… amigos à parte | CRISTINA DAS NEVES ALEIXO



“Vizinha, tem um pezinho de salsa que me ceda? Estava a fazer o jantar e só agora dei conta que não tenho.”

Lembram-se desta frase? Era usada muitas vezes entre vizinhos, fosse sobre salsa ou outra coisa qualquer. Já tem algum tempo, mas os que andam agora entre os quarenta e os cinquenta anos, no mínimo, lembram-se com certeza.

E a resposta, de sorriso franco nos lábios, era sempre a mesma: “Claro que sim; entre, entre, que vou buscar; veja lá se lhe chega, leve mais um bocadinho.”
Há algum tempo vivia-se assim, com confiança uns nos outros e o respeito de uns pelos outros. Os vizinhos não eram apenas aqueles que viviam no mesmo prédio; não; eram amigos para o dia-a-dia, alguns mesmo para a vida – tantas amizades genuínas e bonitas nasceram assim, de se morar lado a lado -, a quem confiávamos os nossos dilemas, os nossos filhos, quando necessitávamos de sair a algum lado sem os miúdos, com quem se trocava dois dedos de conversa interessante e interessada e a quem se pedia ajuda em caso de qualquer aflição. As crianças cresciam a conviver umas com as outras e as amizades já existentes entre os pais passavam, naturalmente, para os filhos. Aqueles podiam ficar descansados quando os pequenos estavam na casa do vizinho, pois sabiam perfeitamente que seriam bem tratados, com lanche e tudo, tal como eles tratavam os filhos dos seus companheiros de prédio.

Era uma vivência saudável, pacata, bonita e um excelente exemplo para os mais jovens.
Depois tudo mudou. Entrámos na era do “eu” - como se nunca tivéssemos existido individualmente até ali -, na igualdade em todos os aspectos, no ter tanto ou mais que o outro, no consumismo ostensivo e, em consequência, tornámo-nos introvertidos, desconfiados de todas as intenções, “mandámos a entreajuda às urtigas” e passámos a tratar-nos uns aos outros como verdadeiros estranhos que, muitas vezes, nem se cumprimentam com um simples bom dia. Em muitos prédios há pessoas que não se conhecem de todo, pois nunca se viram.

Não me parece natural que pessoas que partilham o mesmo espaço não se conheçam, por exemplo. É verdade que há portas a dividir-nos uns dos outros mas estamos envolvidos por um espaço comum.
A meu ver estamos a tornar-nos, e a gerar, criaturas desprovidas de qualquer compaixão e empatia. A classe médica na área da psiquiatria diz mesmo estar preocupada com a ausência crescente de pessoas empáticas, por ser um travão natural para acções menos próprias para com o outro. De facto, vivemos um tempo em que as disputas, as guerras, os diferendos imperam e o resto, aquilo que realmente importa e de que tanto necessitamos, pois distingue-nos dos demais animais, é já quase uma miragem.

É o Homem que cria os seus fantasmas e os traz à vida; só ele poderá combatê-los e erradicá-los da sua existência.

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