sábado, 23 de junho de 2018

REFLEXÕES OCASIONAIS | "Tudo é absurdo" | ISABEL DE ALMEIDA


Iniciei estes meus escritos no final de 2017, vaticinando algum desencanto, e imbuída de alguma angústia e desencanto que sempre me acompanham na recta final de cada ano, o que sucede desde em resultado de perdas familiares que, para sempre, enviesaram o meu olhar sobre esse momento do ano, em que, naturalmente, se ponderam transições, mudanças e em que perdura no inconsciente, ainda assim e numa assumida ambiguidade, uma secreta esperança de que o novo ano possa trazer algum raio de esperança!

Porém, devo confessar que todo o meu pessimismo de fim de ano, cuja exposição de motivos acima de justifica, jamais conseguiria antecipar a intensidade  que arrisco a classificar de dramática, os abalos à normalidade e um certo surrealismo que vêm pautando 2018 em vários contextos profissionais e pessoais com os quais me encontro directa ou indirectamente relacionada. 

Por diversos momentos venho este ano sentido que a realidade é bem capaz de superar a ficção, que tudo o que está numa aparente acalmia  e estabilidade pode, a todo o momento, sofrer um forte abalo que poderá anunciar verdadeiros cataclismos, e pergunto-me como tal é possível de suceder em Portugal, no meu Portugal louvado e cantado por poetas de excelência como Pessoa e Camões, que resumem ambos, a meu ver, a essência daquilo que de bom tem a Portugalidade!

Mas depois, quando as emoções fortes e assustadoras passam por nós intensas mas passageiras, quando nos encontramos capazes de racionalizar, de analisar as coisas mais friamente, após um trabalho de assimilação mental, ocorre-nos facilmente recordar que, à semelhança daquele amigo nosso mais realista, frontal e desassombrado, também nós tivemos um inigualável escritor que agora muito se divertiria a exorcizar os fantasmas da nossa corrente dita "civilização" ou sociedade, na sua prosa implacavelmente irónica! Muito precisávamos nós de um novo Eça de Queirós que, tal como o único que tivemos, transpusesse em papel para as gerações vindouras (admitindo que estas virão a dedicar-se à leitura...) as pequenas e grandes infâmias com que somos brindados no dia a dia!

Apenas para sintetizar, e porque estamos a entrar na célebre silly season (aquela estação em que, para dar descanso à nossa análise do mundo, e às células cinzentas, como diria Hercule Poirot, fingimos que nada acontece, que o mundo pára para nos deixar descansar, e em que vamos "a banhos" - até esta parte está complicada com alterações climáticas que nos apresentam um clima totalmente descaracterizado e "bipolar" - para recarregar baterias e, no regresso, emergirmos para enfrentar novamente todos os problemas, que está lá na mesma, à nossa espera, de garras afiadas).

Procurarei apelar a todo o meu espírito de síntese (algo que, acompanhando a ambiguidade da realidade circundante, por vezes consigo activar ou não) para fundamentar o que hoje apelidaria mais de desabafos aleatórios do que reflexões.

Ora, começando por aquele que vem sendo o tema mais abordado nos meus artigos (e cuja insistência deriva também da minha necessidade de exorcizar pela escrita o que me é incómodo, acalentando a esperança de promover, sempre que possível, uma reflexão junto dos leitores), o estado actual da Advocacia Nacional continua a ser preocupante, embora nem toda a comunicação social considere o assunto de interesse público e do público, a verdade nua e crua é que não exagero ao frisar que se vivem momentos de crise que se perpetuam mas que começam a atingir proporções que revelam nitidamente uma evolução da crise instalada!

Se é certo que no início do ano um elevado número de Advogados saiu à rua numa manifestação silenciosa em Lisboa (no dia 26 de Janeiro de 2018) mostrando o seu descontentamento com a fragilidade das condições em que exercem, com a asfixia financeira para muitos deles decorrente das elevadas despesas para o exercício profissional, mostrando o seu descontentamento perante um sistema previdencial que nada tem de "apoiante", "transparente", "suportável financeiramente" pela grande maioria dos que exercem em prática individual, que nada tem de humano perante a doença e a incapacidade para o trabalho e a redução de proventos profissionais, se é certo que persistem e agudizam-se problemas como a indefinição e a perda de competências profissionais dos Advogados,  disparidades de critérios na fixação de honorários no sistema de acesso ao direito e aos tribunais, o peso excessivo das custas judiciais, plataformas informáticas com funcionamento aquém das expectativas e necessidades dos seus utilizadores (basta recordar as dificuldades da plataforma dos Inventários, ou mais recentemente, as dificuldades de utilização do SITAF - o sistema informático de entrega electrónica de peças processuais em sede de tribunais administrativos e fiscais) ainda assim, até Maio poderíamos apontar como certo ou previsível que a crise estava instalada mas era mais sentida nas "bases da advocacia" e não no "topo", aliás, a postura institucional  foi inicialmente de alguma negação ou fuga para a frente perante as críticas das bases!

Pois bem, na passada semana decorreu o VIII Congresso dos Advogados Portugueses, aquele que é o Órgão Supremo da estrutura hierárquica da Ordem dos Advogados Portugueses, e pelo meio de um clima que diríamos de desentendimento, desunião, alguma tensão, assiste-se finalmente a uma alarmante, ou nem tanto assim, porque lógica, instabilidade no "topo". Conforme decorre de notícia publicada hoje na Edição em papel do Jornal de Notícias, assiste-se desde Maio a três demissões em Órgãos de topo da Ordem dos Advogados (ressalva-se que ainda haverá que aguardar por mais detalhes sobre as decisões e fundamentos subjacentes a estas demissões). Ao mesmo tempo, as vozes críticas aumentam, deixam também de estar apenas concentradas nas "bases" (como sucedia no início do ano) e começam a ouvir-se no "topo", num exercício claro de expressão de que não pode continuar a negar-se o óbvio, algo está mal, o futuro pode estar comprometido para muitos, é alarmante ver este clima de tensão numa instituição quase centenária que sempre primou por representar a democracia e que simboliza a defesa dos mais fracos. Não sei, nem sequer me atrevo a especular, como terminará esta crise, mas sei que esta é agora muitíssimo mais clara, muitíssimo mais pública e obviamente visível! 

Noutro contexto, o país continua focado, de uma maneira geral, na Crise de liderança do Sporting Clube de Portugal, e aqui temos uma instituição nobre, centenária, que vive um dos seus momentos mais difíceis, com episódios que incluem todos os ingredientes de uma obra de ficção: jogos de poder, política, alta finança, lutas judiciais que roçam o ridículo, violência, circo mediático e pessoas que colocam os seus interesses pessoais à frente dos interesses da instituição que lhes caberia dignamente representar!

Os combustíveis sobem de preço constantemente, mas durante um mês nada disso importa, porque o Mundial de Futebol está aí, a Selecção Portuguesa está presente e aqui temos o futebol como um claro ópio do povo, paramos o país para ver jogos de futebol e entramos novamente em histeria colectiva - alguns de nós!

Na educação os professores protestam legitimamente por Direitos que não estão a ser reconhecidos, mas muito receio o alcance e o impacto dos danos colaterais que tal protesto possa causar a muitos jovens alunos, caso o impasse se mantenha, caso não exista da parte dos docentes e do Ministério da Educação a necessária capacidade de negociação, é bem possível que muitos alunos Portugueses vejam perder-se os três anos de intenso trabalho e investimento feito nos três anos do Ensino Secundário, com nítido prejuízo nas suas  classificações finais de acesso ao Ensino Superior!

Tudo isto sucede neste momento em Portugal, e o próprio clima, não querendo desapontar, vai pregando partidas, oscilando entre ondas de frio, ondas de calor e destrutivos fenómenos meteorológicos de características tropicais!

Perante o estado desta Nação, apenas me ocorre sintetizar o contexto acima descrito numa lapidar frase literária:

"Tudo é absurdo."

Fernando Pessoa, In "O Livro do Desassossego"


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