sábado, 2 de junho de 2018

REFLEXÕES OCASIONAIS | Quem engana encontrará sempre alguém que se deixe enganar...| ISABEL DE ALMEIDA

   Acompanhar e observar, novamente, após tantos anos mais afastada dos meandros mais "políticos", digamos assim de uma Classe Profissional e da  Associação que "alegadamente" representa e defende os interesses de um todo, de um colectivo profissional, tem-me feito pensar e repensar, comparar antigas e novas tendências e  especular acerca do que reserva o futuro à Advocacia Portuguesa, com especial enfoque na sua prática em regime individual!

   Existem diversas questões prementes que preocupam grande parte dos Advogados Portugueses, estamos a viver momentos tempestuosos, existem poderes mais ou menos instalados, existe oposição, existe inconformismo, existem idealistas que sonham e acreditam ainda ser possível mudar o mundo e que tudo farão teimosamente  para alterar pela força da lei o status quo, existem também cordeiros obedientes, e lobos com pele de cordeiro.

  2018 é um ano que faz antever mudanças, só temo que grande parte delas possam ser mais negativas e até mesmo catastróficas do que positivas...

   Existem diversas questões fracturantes em cima da mesa, enumerando apenas algumas: 

- as sérias dúvidas sobre a sustentabilidade da CPAS e um futuro hipotecado de tantos e tantos Colegas, uns que fazem contas à vida e pensam quanto mais tempo irão conseguir alimentar um verdadeiro elefante no meio da sala, ou quando chegará o momento em que terão de suspender a inscrição e entregar as suas cédulas, se prontamente não for revisto, auditado e readaptado todo o funcionamento do sistema previdêncial dos Advogados e Solicitadores. Perante o aumento já anunciado para o próximo ano do salário mínimo nacional para seiscentos euros, durante quanto mais tempo muitos conseguirão sobreviver na profissão?

- Os avanços e recuos de propostas de alteração no Sistema de Acesso ao Direito e aos Tribunais (SADT), através do qual tantos Advogados em prática individual procuram obter a maior parte dos seus rendimentos, assistindo-se a baixar o ratio de defesas oficiosas por advogado aderente ao sistema, valores totalmente desfasados da realidade em termos de honorários, disparidades por comarca na forma de fixação dos honorários. A meu ver, urge combater é o que de errado e viciado tem o sistema.

- A mais recente polémica, que se encontra para debate "em cima da mesa", prende-se com a intenção de impôr como obrigatória uma formação contínua, a qual será ,em especial, conditio sine qua non   para que seja permitida ou mantida a inscrição no SADT, mas que se deduz venha a ser imposta a todos os advogados (veremos, em concreto, se é exactamente assim nestes moldes ?!).

  Ora, perante esta ideia de tornar obrigatória a formação contínua para todos os Advogados (formação assegurada pela Ordem dos Advogados, em contornos ainda a definir, mas que veio a ser apresentada em Comunicação a submeter ao VIII Congresso dos Advogados Portugueses como carecendo de um "Regulamento de Formação Contínua") permito-me especular se as reais intenções desta medida (veementemente negada há cerca de um mês por um comunicado emitido pelo IAD - Instituto de Acesso ao Direito) não passam por "elitizar" ainda mais a profissão, discriminar negativamente os Colegas que não possuam meios logísticos para frequentar formações de forma constante, que têm todo o Direito a escolher as áreas jurídicas nas quais preferencialmente querem desenvolver o seu trabalho, e que, estatutariamente têm já, de per si, o dever de "Promover a sua própria formação, com recurso a acções de formação permanente (...)" (vide alínea i) do artigo 91º do Estatuto da Ordem dos Advogados.

  A verdade é que o excesso de imposições, de exigências formais que se vislumbram em preparação de forma ainda nebulosa, mas insidiosa, nada fazem prever de positivo em termos de aplicação na prática de um sistema de formação que poderá implicar mesmo "créditos de avaliação". Todos os profissionais do Direito estão cientes de que é necessário estar em permanente actualização, as faculdades de Direito dotam-nos de espírito crítico, dotam-nos da capacidade de interpretar, explorar, estudar aprofundadamente e interpretar legislação que está em constante processo de mudança. Somos, naturalmente e por definição, ao menos na prática individual verdadeiros "especialistas em generalidades" e assim me continua a fazer sentido!

  Teremos sempre, pelo menos, duas realidades paralelas: a prática jurídica altamente especializada no exercício societário de massa, e a prática jurídica de cariz individual que promove um acompanhamento mais personalizado e até, porque não dizê-lo, humanizado das questões jurídicas a tratar, e numa realidade como noutra, há algo transversal, todos os profissionais têm, em consciência, de apenas aceitar patrocinar causas para as quais se sintam preparados. Parece-me que um excesso de formalização que possa advir de um "Regulamento de Formação Contínua" poderá bem ser uma "maçã envenenada", mais uma forma de "selecção não natural" do acesso e manutenção da prática profissional, pode ser entendido como um questionar da qualidade de cada profissional do foro, pode colidir com a tão apregoada e histórica independência que pauta a advocacia.

   E agora vejamos, como aferir o âmbito de aplicação desta intenção anunciada de Formação Contínua? Se tal se aplicar tão só e apenas aos Advogados que se encontram inscritos no SADT parece-me que estamos perante mais uma acha para a fogueira em que se parece querer ver arder este sistema, e é uma discriminação negativa dos Colegas que integram este sistema, é partir do pressuposto errado e totalmente absurdo, e até ofensivo, de que estão menos preparados do que os demais para exercer a sua profissão! Por outro lado, a aplicação desta imposição a todo e qualquer Advogado, se não houver a mínima liberdade de escolha quanto às áreas de formação, é um atestado de incompetência a toda a formação jurídica que decorreu da Licenciatura ou Mestrado em Direito, bem como da formação obrigatória que decorre do Estágio Profissional, ademais, e neste âmbito, já me parece absurdo que tenham sido retiradas competências de intervenção prática aos Advogados Estagiários, pois é na prática, e não apenas na teoria, que se aprende, é uma profissão em que se "aprende fazendo", e em que este "aprender fazendo" deve ser encarado positivamente enquanto forma de realização profissional e pessoal, e não enquanto mais uma obrigação com potenciais objectivos obscuros de seleccionar quem fica e quem parte!

   Há uma margem de liberdade, de consciência de boas práticas e de independência profissionais que têm de ser respeitadas e deixadas, com confiança, nas mãos de cada Advogado!

   O VIII Congresso dos Advogados Portugueses, que irá realizar-se ainda este mês de Junho em Viseu, deverá ser o palco de debate por excelência de questões que nos preocupam, donde, foi com surpresa que se assistiu, recentemente, a uma tentativa de seleccionar comodamente que temas seriam ou não de relevo, 28 Comunicações submetidas ao Secretariado do Congresso foram, inicialmente, rejeitadas, por se haver entendido que não se enquadravam nas temáticas de debate!

   Orgulhosamente, muitos Colegas ousaram contestar este silêncio que se tentou impor, e socorreram-se de meios internos de impugnação desta decisão, congratulo-me de haver assistido a uma reposição da normalidade democrática, pois na sequência de ostensiva e legítima contestação, e após debate nas estruturas internas da Ordem dos Advogados, das 28 comunicações ao Congresso 26 vieram a ser admitidas, e de outro modo não poderia nem deveria deixar de ser! Já basta de virar a cara para o lado e de continuarmos todos a fingir que está tudo bem, no melhor dos mundos! Reconheçamos os vários problemas que nos afectam, pensemos criticamente sobre os mesmos e encontremos soluções, afinal, é para isso que somos formados, em cada Advogado há, naturalmente e por formação profissional um "problem solver"!

   Este Congresso será também uma excelente antecâmara para que possamos ir tomando o pulso à pré campanha, já em curso, tendente às eleições para o próximo triénio, no que diz respeito aos órgãos da Ordem dos Advogados. Estejamos alerta, entrámos no clima da intriga palaciana, do jogo de lealdades e deslealdades, de querer agradar a Deus e ao Diabo, de ser cauteloso ao assumir posições públicas que possam comprometer futuras carreiras que, sejamos intelectualmente honestos, passam pela vertente política e chegam mesmo a servir de trampolim para a mesma! Mais do que nunca, importa estarmos alerta para identificar lobos com pele de cordeiro...
                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                     
"São tão simples os homens e obedecem tanto às necessidades presentes, que quem engana encontrará sempre alguém que se deixa enganar."

Nicolau Maquiavel
   


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