domingo, 8 de abril de 2018

CRÓNICA | Que raio de seres somos? | CRISTINA DAS NEVES ALEIXO




Há uns dias fiz uma visita a um canil. Não com o intuito de aumentar a família – já vivem cá em casa dois elementos peludos e penso que o espaço é, também, extremamente importante para a sua felicidade e bem-estar -, mas pela curiosidade de ver as condições em que vivem os menos afortunados e para perceber se poderia fazer algo para ajudar.

As boxes estavam limpas e em cada uma havia água, comida, camas e mantas; os animais pareciam estar bem cuidados; não tive nada de maior a assinalar. Tinha levado biscoitos e bolas e foi reconfortante ver que a maior parte daqueles amigos os aceitaram prontamente, como se lhes estivessem a oferecer os maiores tesouros. Comeram os biscoitos e brincaram com as bolas, sem deixarem de abanar as caudas, enquanto contorciam os corpos ao compasso de um momento de esquecimento dos maus tratos e abandono, mas o olhar… esse continuava carregado de amargura e tristeza; daquela que nos invade o núcleo e nos enche os olhos da água que carrega as emoções da impotência e da raiva, pelas injustiças cometidas contra a inocência, a par do carinho por aqueles que tudo dão sem esperar absolutamente nada em troca.

Por mais de uma vez dei pela visão a turvar-se pela humidade e pelo zumbido nos ouvidos, enquanto a minha mente viajava revoltada pelas imagens dos relatos que me iam fazendo das agruras por que tinham passado aqueles seres tão cheios, e sedentos, de amor. Espancamento, fome, sede, tortura, indiferença, abandono… verdadeiras vítimas da maldade crua. Alguns tremiam de receio, ainda, não se chegando imediatamente às grades para vir receber os presentes ou uma festa, apesar de já ali estarem há algum tempo, pois não conheciam o afago ternurento de uma mão protectora. Encolhiam-se a um a canto, até a curiosidade e a voz meiga os vencer e se começarem a aproximar a pouco e pouco, rasos ao chão, com a cauda colada à barriga. Cheiravam o ar, inquietos, e evitavam olhar-me nos olhos.

Despedi-me com o interior revolto. Queria trazê-los todos comigo. Queria ver aquele olhar sofrido dar lugar à confiança e tranquilidade. Meti-me no carro e lembrei-me dos meus cães que tinham ficado em casa, no conforto de uma vida plena de respeito e bem-querer. Pensei que, naquele momento, provavelmente estariam ociosamente deitados numa das muitas almofadas existentes na casa, ou, então, estariam a brincar um com o outro, felizes e despreocupados, como fazem tantas vezes, enquanto esperavam que eu chegasse para saltarem para o meu colo e me cobrirem a cara e as mãos com lambidelas.

Amor! Amor puro, desinteressado, sem cinismo, segundas intenções, ou qualquer outro sentimento negativo. Passamos as nossas vidas numa busca desenfreada de receber amor verdadeiro e quando o temos não o valorizamos; muitas vezes, inclusivamente, maltratamos desumanamente aqueles que nos têm como o centro das suas vidas.

Que raio de seres – evoluídos - somos?

1 comentário:

  1. A descrição não pode estar mais veridica! E a questão final também vem a propósito, fica no ar a pergunta "que raio de seres "evoluídos" somos?Será que evoluímos mesmo ou estamos em hibernação emocional?

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