terça-feira, 18 de fevereiro de 2020

CRÍTICA LITERÁRIA | "Fala-me de Um dia Perfeito", de Jennifer Niven | Nuvem de Letras - Grupo Penguin Random House


Texto: Isabel de Almeida
Jornalista | Crítica Literária | Editora

Foto: Nuvem de Tinta | D.R.



Fala-me de um dia perfeito, o primeiro romance young adult de Jennifer Niven, que agora chega aos ecrans com a Netflix, é uma obra muito especial por diversas razões, desde logo, pelo carisma e densidade psicológica dos protagonistas, pelos temas difíceis que aborda com sensibilidade mas de uma forma desassombrada e explícita, sendo exemplos destas temáticas: o processo de luto, os comportamentos suicidários na adolescência, a depressão, a violência doméstica e o estigma ou rótulo usualmente ainda hoje associado às perturbações mentais.

Os protagonistas  - Violet Markey e Theodore Finch - são dois adolescentes residentes no Estado do Indiana, nos Estados Unidos , cujos caminhos se cruzam no Liceu Bartlett, no momento em que ambos sobem ao campanário, considerando pôr fim às respectivas vidas, e acabando Theodore por recuar nos seus planos, e impedir que Violet cometa tal acto de loucura.

Theodore é um jovem afectado pelo percurso familiar problemático, filho de um pai egocêntrico, violento e ausente e abandónico [saiu de casa para construir uma nova família, escusando-se à responsabilidade de satisfazer as necessidades afectivas dos três filhos do primeiro casamento - Theo, Kate e Deca, aos quais, apesar de tudo, impõe uma convivência forçada num suposto jantar de família onde são evidentes as tensões entre pai e filhos].


 Também na escola Theo se assume como um aluno problemático, é excluído do ambiente social escolar, sendo mesmo vítima de bullying e é apelidado pelos colegas de "anormal", precisamente por se revelar uma pessoa não convencional, impulsiva e que não se soube ainda encontrar a si mesmo, revelando dificuldades de construção da sua identidade - curioso é o facto de ir mudando de look/estilo, como que acalentando a secreta esperança de, um dia acertar na escolha que corresponda ao seu verdadeiro "eu". 

Habituado a rótulos, Theo sofre de modo solitário [ e sem encontrar apoio na família, também ela desestruturada devido ao abandono da figura paterna] uma perturbação bipolar oscilando entre picos depressivos e de euforia.

Quando se cruza com Violet, encontra a possibilidade e viver a felicidade, ainda que de modo efémero, mas bastante marcante para ambos os jovens.

Violet é uma jovem popular no liceu, oriunda de uma família apoiante e estruturada, mas que atravessa uma fase complicada, ao vivenciar um processo de luto pela perda da sua irmã mais velha - Eleanor, de quem era bastante próxima, sentindo-se culpada quer pelo facto de ser sobrevivente, quer ainda pelo facto de se considerar responsável pelo percurso onde decorreu o acidente rodoviário que se ceifou a vida à irmã.

O livro retrata também, com bastante realismo, a convivência nem sempre fácil dos adolescentes num contexto escolar, com comportamentos que atingem níveis de crueldade, de intolerância e de rebeldia.

Constitui um sério alerta para o estigma das perturbações mentais que afectam os mais jovens, e que nem sempre são diagnosticadas e alvo de intervenções que fariam melhorar a sua qualidade de vida e baixar as taxas de suicídio.

Um livro realista, poético, sensível, comovente e que, assumidamente, nos faz chorar e fica connosco muito para além da Leitura.

Citação:

"As pessoas ou me vêem ou não. Pergunto-me como será andar na rua, seguro e a sentir-me bem na minha pele, e não ser diferente. Sem que as pessoas se desviem, fiquem a olhar, à espera para verem qual será a próxima coisa estúpida e louca que vou fazer."

 Theodore Finch, p. 128
Ficha Técnica da Obra:


Autora: Jennifer Niven

Editora: Nuvem de Tinta [Grupo Penguin Random House]

Reedição: Fevereiro de 2020

Páginas: 360

Género: young adult/romance contemporâneo

Classificação atribuída: 5/5 Estrelas





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