sexta-feira, 21 de fevereiro de 2020

O PAI, de Anita Dos Santos
















A terra é vermelha, fragrante e rica.

As árvores, surgem espaçadamente, quase sem pressa. Amendoeiras e figueiras, sobretudo.
Lavrar aquelas terras, só com a força dos braços, é um custo que lhe sai sempre caro e muitas vezes não tem o retorno que a terra promete. As sementes são fracas, são as que pode comprar.

Vida dura. Antes ir ao mar.

Deixar a mulher e os miúdos, partir na embarcação e fazer-se ao mar, deitar as redes e colher o pão que o mar lhe dá generosamente.

Volta os olhos na direcção onde, mesmo sem o ver, sabe que está o mar.

Vai ter de partir. Depressa.

O campo não se fez para homens como ele.

De olhar sombrio, mede as terras que não lhe pertencem, mas que trabalha por sustento.
Tem de arranjar uma “companha” de homens, mas isso não vai ser problema. Nem que tenha de meter os filhos mais velhos no barco.

Não, não vai ser problema. Todos lhe têm respeito. Ou temor.

Ainda está bem presente na mente de muitos, a espera que lhe fizeram, tempos atrás, em que foi preciso juntarem-se uma dúzia de homens – cobardes! – para o deixarem numa valeta cheio de facadas.

Chegou bem para todos eles!

Não ficaram sem provar da sua navalha, nesse dia!

Tem de ir para o mar, e desta vez vai até Gibraltar, dê por onde der.

Já decidiu, não leva nenhum dos miúdos. A Mariana, que fique com eles.

Mas primeiro vai à vila beber um copo. Ou dois.

Tem que matar aquela ânsia que tem sempre dentro de si.

Vê as algibeiras em busca dos trocados que tem. Poucos. Devia ter visto melhor, procurado em casa que dinheiro é que a Mariana tinha. Ela conseguia sempre arranjar alguns trocados, alguma coisa que fosse para dar de comer aos miúdos. Mas eles já eram crescidos, podiam bem trabalhar para comer.

Fez-se ao caminho. A dada altura, arrepiou em direcção à doca.

Respirou fundo. Podia por fim respirar!

Já estava a anoitecer e apetecia-lhe um copo.

Quando ouviu chamar pelo nome, não foi muita a admiração.

- Que fazes tu aqui, Quitéria? Nã vez que se faz noite? Como vais tu chegar a casa sem luz? Nã vais!

A irmã, ombreava com ele em altura e constituição. Alta e magra. E não só. Ninguém se metia com os Cartaxo.

- Pensas tu qu’e cá tenho medo de atravessar os campos de noite! Aí daquele que se meta comigo. Meto-lhe um tiro no meio dos olhos, sem falhar, e sem piscar!

Enquanto falava, arredou a aba do casaco para o lado mostrando a coronha da arma que levava entalada à cintura da saia comprida.

Ele sabia muito bem do que ela era capaz, tão capaz quanto ele.


A autora escreve segundo a ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.





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