sexta-feira, 10 de dezembro de 2021

ESQUINA DAS PALAVRAS | "Os Maias", de Eça de Queirós actual e a revisitar | Isabel de Almeida


 Texto e foto: Isabel de Almeida
 Jornalista | Crítica Literária

"Os Maias", de Eça de Queirós é, assumidamente, um dos livros da minha vida e que frequentemente revisito sempre com novas descobertas e renovado prazer.

Não foi o primeiro livro de Eça de Queirós que tive oportunidade de ler, na verdade aproveito para confidenciar que, desde tenra idade aprendi a conviver proximamente com os livros, e lá estava na estante de casa um maravilhoso exemplar da obra "A Tragédia da Rua das Flores", daquelas edições de capa dura encadernadas luxuosamente com dourado sobre fundo verde, apelativa apesar de então ainda algo ousada para a minha idade, mas o fruto proibido era o mais apetecido, sucede que à data passava na televisão uma mini-série sobre a obra tendo como protagonista no papel de Genoveva  a actriz Lurdes Norberto, portanto meio às escondidas acabei por ter o primeiro contacto com a obra Realista de um dos mais geniais autores nacionais.

Entretanto, validada pela minha mãe a leitura de um livro que, numa visão "politicamente correcta" em bom rigor "ainda não era para a minha idade" foi ali mesmo que nasceu a minha paixão por Eça de Queirós.

Mas antes de "Os Maias" e antes da idade politicamente correcta para tanto, ainda viria a ler "O Primo Basílio" e o fabuloso "O Crime do Padre Amaro".

Talves devido a estes meus antecedentes de "transgressão literária" (ai se hoje as novas gerações se atrevessem a cometer este tipo de "crimes" que bom seria, sonha Isabel, sonha...) a obrigatoriedade de ler "Os Maias" no ensino secundário foi por mim encarada de forma natural e não como uma obrigação mas um deleite, enquanto muitos outros colegas se limitavam a ler os então famosos resumos nos livrinhos amarelos e pretos dos Apontamentos Europa-América (editora infelizmente extinta mas de que guardo boas memórias e tantos exemplares na minha biblioteca).

Pois bem, o único anticlimax de "Os Maias" e que admito possa logo desmotivar um leitor académico menos avisado para a questão é mesmo a descrição detalhada do Ramalhete, a residência Lisboeta da Família Maia, mas depois, logo a seguir somos compensados com uma prosa absolutamente única, deliciosa, com toques de ironia inimitáveis e com uma visão completa, complexa, cruel e realista do Portugal e da Lisboa do Século XIX, a narrativa tem início em 1875.

Além da ironia, as personagens principais e as secundárias apresentam características muito específicas e representam movimentos culturais, estilos de educação, reflexões filosóficas e, com especial destaque, uma acutilante crítica social que tem em si uma fórmula mágica irrepetível a meu ver, o segredo mágico deste livro é o facto de atravessar tempos históricos mantendo-se sempre actual.

Carlos da Maia e toda a sua arrogância e teimosia de menino mimado que, contra todas as expectativas, não poderá assumir o comando do seu destino; Maria Eduarda que mantém sempre uma elegância muito própria  que chega até a conquistar a simpatia e empatia dos leitores. Dâmaso Salcede, o Vilão novo rico que os leitores facilmente irão adorar odiar mas que nos proporciona momentos hilariantes, o mesmo se dizendo do caricatural Euzebiozinho...

Está lá tudo o que ainda hoje existe: os vícios privados escondidos atrás das públicas virtudes; os banqueiros, políticos e jornalistas desonestos, as mulheres fatais promiscuas e sedutoras mas mal amadas, os artistas incompreendidos. Impagável é o azarado mas leal João da Ega o Mefistófeles de Celorico!

E como podemos envolver os jovens leitores neste espírito para que seja fácil a adesão ao livro, experimentem um exercício curioso e que Eça iria adorar: experimentem associar as personagens do livro os correspondentes "actores" no vosso bairro, vila ou aldeia! Esta semana comecei a explicar a obra a uma jovem amiga e "sobrinha de coração" e o ponto alto foi identificarmos o Conde de Gouvarinho aqui da Vila, identidade que escusam de perguntar, pois que não podemos revelar nem saob tortura!

Ler Os Maias é "Chique a Valer!" acreditem! E lá vou eu reler pela enésima vez! 



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