sábado, 14 de abril de 2018

REFLEXÕES OCASIONAIS | Mudam-se os tempos...mudam-se as vontades...ou, como se muda? | ISABEL DE ALMEIDA

Há momentos na vida em que olhamos para o passado e para o presente, considerando o que podemos esperar do futuro. E é precisamente quando fazemos o exercício de olhar para dentro de nós mesmos, de fazer uma introspecção, que podemos confrontar-nos com o nosso desconforto perante o estado das coisas, com o inconformismo perante nós mesmos e o caminho que percorremos e, naturalmente, perante o mundo que nos rodeia.

Abordando o tema da mudança, tão caro à Renascença  - indubitavelmente, um dos mais belos períodos da história universal, e dos mais profícuos em termos de criação artística aos mais diversos níveis, que deixou como legado o espírito crítico, o gosto pela cultura, a ousadia de questionar dogmas, até então, inquestionáveis, a liberdade de pensamento sem espartilhos - dizia Luís Vaz de Camões num dos seus mais célebres sonetos:

"Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,
Muda-se o ser, muda-se a confiança;
Todo o mundo é composto de mudança,
Tomando sempre novas qualidades. (...)"

E tantas vezes esta auto-análise, este reconhecimento de que algo nos perturba ou bloqueia para além do óbvio, o admitirmos perante nós mesmos que precisamos de fazer algo para mudar padrões comportamentais ou emocionais menos gratificantes, que em psicologia assume o nome técnico de Insight, aliado à vontade de ultrapassar obstáculos, é precisamente o que propicia os processos de mudança!

Temos de aceitar que o tempo não para, e que se ficarmos placidamente, numa atitude estóica ou contemplativa sem nada fazermos para mudar, tudo à nossa volta mudará, e poderemos ficar pelo caminho "sobrevivendo" e não "vivendo", se não tivermos a necessária coragem para enfrentar os nossos medos, ou outras forças de bloqueio aos processos de mudança: o perfeccionismo, o conformismo, a letargia, a depressão, o isolamento do mundo, a baixa auto-estima, a introversão, o marasmo absoluto, a desistência de nós mesmos, dos princípios que nos movem, a falta de coragem para erguer os braços e ir à luta.

Embora seja algo inevitável, um processo de mudança poderá ser doloroso, e tantas vezes e em tantos aspectos da nossa vida (profissional, académico, emocional, social) preferimos ficar imóveis, escudados numa ilusória crença de que é preferível o conforto de uma frustração conhecida, que nos transmita uma também enganadora sensação de controle, do que arriscar fazer algo para mudar (mesmo que essa dita mudança possa até ser o regresso às origens onde, um dia já nos sentimos plenamente realizados, muito embora, como o passado não se repete por inteiro, tenhamos de nos adaptar às mudanças do contexto de actuação onde iremos mover-nos ex novo).

Naturalmente, como não vivemos maioritariamente isolados, tantas vezes estes processos de mudança contam com o incentivo de quem lute ao nosso lado, ou quem nos motive a ir em frente.

Desiluda-se quem acredita que qualquer processo de mudança é fácil, óbvio, e alcançável sem sacrificar zonas de conforto. A necessidade de mudança contém em si alguma dialéctica, precisa de uma crise, algo que nos abale as estruturas, para que, à semelhança de uma Fénix, sintamos como imprescindível, renascer das cinzas, renovados, mas mantendo a nossa identidade, a nossa coerência, o nosso olhar sobre o mundo.

A mudança é um desafio em si mesma, e pode implicar desafiar sistemas instituídos (a título pessoal, institucional, político, etc), mas pode também ser a força motriz que nos retira do mundo das sombras da Alegoria da Caverna de Platão, e que nos faz querer, mais do que nunca, quebrar rotinas, enfrentar obstáculos, voltar a sentir o doce prazer de cada pequena vitória em muitas batalhas que, certamente, seremos convidados a travar!

Também na filosofia pré-socrática encontramos referências à necessidade de desafiar/combater para mudar, Heráclito de Éfeso, reconhecia que tudo se move, e que o devir (de forma simplificada, o curso das coisas, em última análise também de existência humana, atreve-mo-nos a interpretar neste sentido) uma constante luta de contrários, ou seja, também aqui encontramos o reconhecimento de que as mudanças não são pacíficas. 

Termino a reflexão de hoje citando, precisamente, Heráclito:

"O combate é o pai e o rei de todas as coisas; de alguns faz deuses, de outros homens, de uns escravos, de outros homens livres."


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