domingo, 28 de outubro de 2018

REFLEXÕES OCASIONAIS - Especial | Doçura ou Travessura !? - Os manipuladores também usam máscara... | ISABEL DE ALMEIDA e CARMEN MATOS



Visto que se aproxima o “Halloween”, um conceito importado dos Estados Unidos da América, que, como tantos outros, encerra em si uma vertente não apenas de mera diversão, mas também de consumismo, decidimos brincar um pouco com esta temática, para falar de coisas muito sérias. Em Portugal, nesta época, cria-se um ambiente mais sombrio e brinca-se com a chamada  “Noite das Bruxas”, onde além de festas temáticas assiste-se também a um novo ritual importado onde  crianças e adultos percorrem a vizinhança tocando às campainhas e proferindo a frase: “Doçura ou travessura!?” esperando receber o desejado doce!

Um pouco à semelhança do Carnaval, mas numa vertente mais sombria, tendo por inspiração os fantasmas e bruxas que povoam o imaginário popular, no “Halloween” usam-se máscaras, pretende-se recriar “falsas realidades”, em sentido metafórico. Contudo, quando nos debruçamos um pouco sobre esta constatação e pensamos um pouco percebemos, de imediato, que em tudo o que se encontra à nossa volta existe sempre uma “realidade aparente” que difere em muito daquela que na verdade lhe subjaz.

Ironicamente, e brincando um pouco com a metáfora do “Dia das Bruxas”, arriscamos a dizer que a expressão “Doçura ou travessura!?” é a máxima postulada na nossa vida quotidiana e geral, quer no seio familiar, social, profissional, de amizades e que esta, consciente ou inconscientemente emana de uns e é sentida ou percepcionada por outros de forma mais ou menos clara. 

Encontramos, não raras vezes, manipuladores e muitas destas vezes, estamos à mercê destas pessoas, quer porque não nos apercebemos, quer porque não imaginamos que tal possa suceder connosco ou até porque, com certa ingenuidade ou em negação, nos custa a crer que aquela pessoa, tão agradável, fosse capaz de tamanha proeza ou desfaçatez. Relativamente aos manipuladores podemos identificar diversos géneros e subgéneros: “sociopatas”, “narcisistas”, “mitómanos” e até” vampiros emocionais”, todos têm em comum algo bastante transversal: os seus objectivos são claros, instrumentais e desenrolam-se por padrões comportamentais perfeitamente identificáveis.

Viver em sociedade implica, muitas vezes, o contacto com experiências menos agradáveis nos relacionamentos pessoais, sociais ou profissionais. Diariamente somos confrontados com estratégias de manipulação que podem ser melhor ou pior sucedidas, mas ajuda a prevenir muitos dissabores se soubermos estar atentos a alguns sinais inequívocos.

Antes de avançarmos, convém clarificar o que entendemos por “manipulador”, aqui conjugando uma visão psicológica e também o que nos vai mostrando o quotidiano e os diversos meios onde nos movemos. 

De uma forma simplista, mas acessível, entenda-se por “manipulador” qualquer pessoa – criança, jovem, adulto ou idoso - que tente influenciar o comportamento de outras pessoas de modo a obter vantagens para si mesmo, tendo em conta única e exclusivamente o seu interesse pessoal, a satisfação do próprio ego, dos seus impulsos e desejos ou meros caprichos, retirando de tal conduta uma satisfação pessoal em termos de “exercício de poder” (e também em termos mais precisos e concretos de alcançar objectivos pessoais mais concretos ou determinados), de controlo sobre terceiros.

Os manipuladores adultos, podem ainda apresentar traços narcísicos de personalidade que muitas vezes escondem, falhas narcísicas, sendo a sua atitude manipuladora um mecanismo psicológico consciente ou inconsciente que procura compensar falhas em termos de estruturação do “eu” ou “self”. Quase sempre atrás de um manipulador nato esconde-se um ser humano incapaz de amar, de aceitar ou desenvolver relacionamentos saudáveis com os outros, precisamente porque algures no seu desenvolvimento pessoal numa fase mais precoce sofreu ele próprio um défice relacional (por exemplo, não foi suficientemente nutrido emocionalmente pelas figuras cuidadoras na infância).

Uma vez que nada é linear em termos de funcionamento da mente humana, podemos estar perante uma conjugação de processos patológicos e de traços de personalidade combinados que podem dar origem a funcionamentos pessoais, relacionais, sociais e profissionais deveras tóxicos e incómodos para quem com os mesmos tenha de conviver. Uma pessoa narcísica pode também apresentar traços neuróticos (aqui estamos no âmbito de conflitos internos inconscientes) que implicam falta de valorização de si mesmos, falhas de auto-estima, necessidade de seduzir para compensar um imenso vazio interior.

Em termos mais práticos, os manipuladores começam por surgir como verdadeiros sedutores (e note-se que esta sedução nem sempre terá carga erótica), mostram-se afáveis, simpáticos, dispostos a ajudar, valorizam o seu “alvo” ou “vítima”, chegando mesmo ao ponto de enaltecer de forma grandiosa e até exagerada as potencialidades desta, para conquistar a confiança e simpatia do mesmo.
E o que poderá potenciar a qualidade de “vítima” de um manipulador? Pois bem, diversos factores podem conduzir a tal circunstância: um momento de particular vulnerabilidade psicológica que estes são, infelizmente, peritos em detectar; fases depressivas, momentos de baixa auto-estima, timidez excessiva, o medo face a confrontos, a submissão e a falta de imposição de limites, são características que criam a oportunidade ideal para que o manipulador (predador) consiga atacar a vítima (presa)!

São diversas as técnicas de que estes “predadores” lançam mão para atingir os seus objectivos, como o Gaslighting (forma deliberada de mentir, confundindo a vítima de modo a obter o benefício pretendido, o que leva a que se distorça e confunda o senso de realidade da vítima, levando-a a acreditar em algo que não aconteceu); Projecção (o manipulador transfere as suas características negativas ou a sua responsabilidade comportamental para outra pessoa); conversas sem sentido (o manipulador usa conversas ilógicas, expressões sem sentido, através de monólogos e tenta envolver a vítima com o seu discurso); generalizações e desqualificações (utilizam declarações gerais, vagas e sem sentido, pretendendo rejeitar e subestimar a vitima, aparentando que são intelectuais); situações absurdas (o manipulador procura minar a auto-estima da vítima, colocar palavras na boca desta, fazê-la repensar em tudo aquilo em que esta acredita, levando-a a crer que consegue ler-lhe a mente); bondade disfarçada (há um “mas” em tudo o que diz…. Se comprarmos algo, dirá que é pena não ter comprado algo melhor, se estamos bem vestidos dirá que X está melhor vestido que nós).

Apresentando-se geralmente como pessoas dóceis, atenciosas e muito bondosas, amigas do seu amigo, os manipuladores conquistam, passo por passo, a confiança da vítima, que muitas vezes fragilizada, se encontra absolutamente à mercê dos intentos retorcidos destes.

Dotados de grande paciência, os manipuladores adoram “ouvir”, não porque queiram mesmo ouvir, mas, apenas porque pretendem identificar os pontos fracos aqueles com quem convivem, não gostam de falar sobre eles mantendo a sua vida numa espécie de mistério, desviam as conversas que de certa forma lhe coloquem questões às quais não querem responder, para que possam ter poder sobre a vítima, e não o inverso!

Insidiosa e gradualmente vão interagindo de forma muito gratificante, criando uma falsa sensação de confiança plena, de verdadeiro altruísmo, apoio, sintonia, proximidade e disponibilidade totais. Num primeiro momento, tudo funciona de forma perfeita, até que, por qualquer circunstancialismo, o “alvo”  ou “vítima” deixa de conseguir corresponder ao que dele se espera, ou porque não tem disponibilidade, ou porque não concorda com determinada postura ou opinião, ou porque intuitivamente começa a detectar algumas graves incongruências, instabilidade ou incoerência da parte do manipulador, sendo certo que, mais tarde ou mais cedo “a máscara cai!”

Perante uma contrariedade ou confronto, o manipulador sente-se perdido, aceita mal o desequilíbrio em seu desfavor do “exercício de poder relacional”, tentar vitimizar-se com a esperança de conseguir ainda reconquistar a confiança da “vítima” mas no sentido de a fazer sentir culpada, ingrata ou “a má da fita”. Se houver cedência, o novo ciclo patológico recomeça, mas se a “vítima” efectivamente despertou para a realidade poderá mesmo ter de lidar com uma imensa carga de agressividade. 

Algumas expressões atraiçoam o manipulador, desde que estejamos atentos são padronizadas e comummente utilizadas como por exemplo: “não exageres, não sejas dramático, não sejas tão sensível, não sejas louco, não me entendas mal!”

Despertar a ira de um manipulador desmascarado não é agradável, mas há que manter a calma, criar uma distância psicológica de segurança (mostrando que saudável será a reciprocidade relacional e nunca uma supremacia de uma parte sobre a outra, e muito menos qualquer forma de instrumentalização ou objectificação).

Importa, acima de tudo, não se deixar enredar nas teias de quaisquer chantagens emocionais, não cair na tentação de ceder novamente a pressões de imposição, não perder o sentido crítico pessoal e demarcar claramente as regras de funcionamento da relação em termos de respeito mútuo, reciprocidade, respeito pela diferença, respeito pela individualidade de cada parte e de tudo o que esta contempla, designadamente, impor o respeito pelo espaço pessoal, opinião, agenda, modo de vida etc.

Para os manipuladores, as vítimas não são nada mais do que meras peças de xadrez que manuseiam para atingir a vitória que pretendem, não existindo por parte destes qualquer sentimento verdadeiro para com a pessoa que se tornou algo da sua torpe atitude.

Podemos perfeitamente viver com eles, desde que saibamos definir limites, que saibamos dizer não e que estejamos atentos aos sinais, aos padrões característicos de comportamento mantendo a capacidade de análise crítica bastante activada.

Geralmente, quando enfrentamos este tipo de pessoas dotadas a nossa intuição manifesta-se, tenta alertar-nos mas não raras vezes menosprezamos estes sinais porque acreditamos algo ingenuamente na bondade ou no sorriso que nos colocou no “centro do mundo de alguém”, todavia, com experiência, resiliência e consciência do nosso valor, conseguimos manter-nos à tona neste oceano tempestuoso de maldade e vazio.

E, assim, vamos com a experiência coleccionando manipuladores e sendo cada vez mais perspicazes na percepção do que nos rodeia, de quem nos rodeia e de quem se aproxima com o “sorriso” nos lábios.

Desde que estejamos atentos, a previsibilidade de comportamentos começa a ser evidente aos nossos olhos, e então surge o momento certo para pôr fim a verdadeiras formas de violência psicológica que, em casos extremos, podem mesmo configurar ilícitos criminais, nomeadamente, em contextos relacionais ou profissionais.

“O Homem é um animal narcísico.”

Coimbra de Matos, Psicanalista

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