sexta-feira, 16 de outubro de 2020

EM DEBAIXO DO MONTE, de Anita Dos Santos

 


Ficou enjoado de novo, que nem um cabaço… Desta vez ainda foi pior!

Quando foi capaz por fim de abrir os olhos, estava deitado numa cama, sem saber como ali tinha ido parar.

Experimentou colocar os pés no chão, o quarto não ondulava assim tanto…. Era capaz de se pôr em pé! Aquilo ali ao fundo era uma porta? Onde iria dar? Era tudo uma questão de lá chegar.

Deu um tombo para a direita, bateu numa mesinha, porque havia de estar plantada uma mesa no meio do caminho? Depois deu três passos em frente e mais outro tombo para a esquerda, estaria a porta assim tão longe?

Por fim lá chegou à porta com um suspiro e uma colecção de nódoas negras, mas as pernas estavam mais firmes a cada passo que dava.

Abriu a porta, e encontrou-se num corredor, sem saber para que lado se dirigir. Olhou em volta e pareceu-lhe estranho que o corredor estivesse bem para a sua altura.

Mas onde é que estava, e onde estavam os outros, onde estava toda a gente?

Resolveu seguir o corredor pela esquerda e ver onde ia dar. Ao longo do corredor foi encontrando mais portas, mas todas elas se encontravam fechadas. Por fim começou a ouvir vozes, a apertou o passo.

O corredor fazia uma curva, e após esta, Vicente deu com um balcão com escadarias de ambos os lados. As vozes vinham da sala em baixo. Chegou-se ao balcão e espreitou para ver o que o aguardava.

As vozes calaram-se e todos que se encontravam na sala estavam com os olhos postos no balcão e no Vicente. E era muita gente.

Era uma sala grande, redonda, com uma mesa comprida ao centro rodeada por cadeiras e bancos, todos eles ocupados. Numa das paredes da sala estava uma enorme lareira onde estalava um lume acolhedor.

Não conseguia reconhecer ninguém à primeira vista, até dar com os olhos no André, que se encontrava sentado junto a uma cabeceira da mesa. No banco ao lado dele, encontrava-se um jovem ruivo com um cabelo que lembrava uma labareda de chamas, e cujas bochechas e nariz pareciam ter sido polvilhados com canela, tal a quantidade de sardas que os enfeitavam. O que chamava a atenção para ele, no entanto, não eram nem a cor dos seus cabelos nem as suas elegantes e pontiagudas orelhas, mas sim a sua expressão travessa, de quem “se já não fez, está para fazer”. 

Na cabeceira da mesa e a liderar aquela assembleia, encontrava-se um homem enorme que deixou o Vicente estarrecido e de boca aberta. Foi descendo as escadas, devagar sem tirar os olhos dele, e sem acreditar no que via.

- Ehehe! Ficaste sem fala? Olha que não costuma acontecer a quem vem “pra” Debaixo do Monte! – O tom era claramente de mofa.

- Mas o que vem a ser isto? Eu encolhi?

 

In “Crónicas de André e Vicente – O Bosque dos Murmúrios”


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