sábado, 22 de julho de 2017

OPINIÃO | Os Bons | ANA KANDSMAR

Os bons, os maus livros e o preconceito com os autores portugueses.

Há umas semanas atrás tive o prazer de ler alguns bons livros. Sei que são bons, porque ainda hoje dou comigo a pensar no Rhenan, na Maria, na Freya, no Fion e na Maeve, sinto arrepios ao lembrar-me do Lochan e ponho-me a imaginar o que andarão eles a fazer por esta altura, quase não resistindo à tentação de abrir de novo o “Yggdrasil”, só para me certificar de que eles não andam lá por dentro a fazer muita bagunça.

A mesma sensação apanha-me quando passo pela estante e deito o olho ao “Dia Em Que Nasci”. O livro é pequeno, lê-se de uma acentada, mas é como um pastel de nata ou um daqueles “mil folhas” em miniatura: Delicioso. O Tomé, a Alice e a Ana ficaram-me para sempre numa das minhas gavetas de memórias (sim, as mulheres também têm gavetas, e eu tenho pelo menos uma só para as memórias literárias).

Perguntem-me se não me emocionei quando a Maria entrou pela primeira vez no quarto do Rhenan ou se não me indignei por causa das correntes que o pai do Tomé usava para o prender e eu dir-vos-ei que sim. Ora, quando isto acontece, quando o autor consegue transmitir emoções ao leitor, então muito provavelmente o leitor estará perante uma boa história. Sortudo!

Ando sempre atrás de boas histórias e não raramente fui (em tempos), atrás das grandes campanhas de marketing que as editoras fazem em prol das suas vendas. Pudera! A maioria dos livros que encontramos nas livrarias são importados de fora e as editoras portuguesas pagam os direitos de autor a peso d’ouro! É preciso vendê-los.

A Becca Fitzpatrick vendeu bem o Hush Hush no Canadá? (como se vender bem no Canadá se possa comparar a vender bem em Portugal). Então compra-se e depois fala-se dele até à exaustão, pagam-se lugares de destaque nas livrarias, colocam-se os exemplares mesmo ali à frente do nariz de quem entra decidido a levar o D.Quixote, ou outro qualquer, ou ainda, completamente às aranhas sem ter a mínima ideia de que livro comprar. Vê-se aquele, a capa é apelativa e… pimbas! Daí à caixa vai um “danoninho”, paga-se e leva-se para casa, para então se descobrir que o livro é uma grande merda. Assim, sem mais nem menos. Uma grande Merda! O que é verdadeiramente de bradar aos céus, é que se em vez de Becca Fitzpatrick, o nome do autor fosse Filipe Vieira Branco, ou MBarreto Condado ou…Ana Cristina Pinto, muito provavelmente estaria a ganhar mofo num canto qualquer onde ninguém chega.

Lembro-me de um outro, “ O Céu existe mesmo”, livro que a Lua de Papel, do Grupo Leya, até publicidade na televisão pagou e olhem só o que os portugueses compraram: papel higiénico encadernado, decorado com uma fila imensa de palavras. Na capa consta um selo que diz “ 3ª Edição em 15 dias! O livro sensação do ano!” Olhem que porra, claro que quando se vê isto na capa de um livro a vontade é comprar! “Bestseller nº1 do New York Times, 2 milhões de exemplares vendidos em 6 meses”. Efectivamente, este foi o título que mais vendeu em 2011, pelo menos em Portugal. Vergonha, vergonha! Quantos rolos da Renova, daqueles de luxo, dupla ou tripla folha, perfumado e com desenhos, teria eu comprado pelo mesmo valor que paguei pelo argamasso de folhas do tal Todd Burpo e mais não sei quem? O que raio nos andam a impingir para ler?

Até há uns tempos atrás eu ainda acreditava que é o público que determina o sucesso de um livro. Hoje percebo que são obviamente as editoras. São elas que escolhem o que editam e compram. Ainda antes do leitor comum decidir alguma coisa, aparecem os livreiros que escolhem o que colocam nas livrarias. E onde colocam. O lugar onde o livro está diz muito sobre as suas vendas. Se não está nos destaques ou num expositor ali mesmo à frente dos olhos, esqueçam. O pobre anda a passar um mau bocado. Não é por ser certamente um mau livro, a razão por que não está visível. As razões são sempre outras e todas se prendem aos euros, como as correntes aos tornozelos do Tomé. Quanto se ganha com o livro X ou com o livro Y? Ou mais exactamente: Quanto se perde, caso não venda?

Nós vamos por arrasto. Muitas vezes vítimas do fenómeno da carneirada. Nós, que gostamos de voar (rasteirinho) como as galinhas, mas em bando, como os gansos, repetimos o que vimos aos outros e temos muito pouco desenvolvida a nossa capacidade de análise. Vamos atrás e pronto. É mais fácil. E há coisas que em carneirada não se admitem: Dizer que afinal não era bem aquilo. Fica mal. Afinal se todos gostam, por que raio não gostei também? O problema só pode ser meu!

Bom, já não é novidade nenhuma para ninguém que o rei vai nu em mais contextos das nossas vidas do que é possível contabilizar e é se calhar por isso que hoje, pudesse eu mudar radicalmente a minha vida e tornar-me-ia eremita. Começo a cansar-me de viver entre pessoas que preferem o que parece ao que é. Termino por isso este texto a pregar aos peixes. Há bons e maus autores dentro de cada género, há bons e maus autores nas grandes e nas pequenas editoras. Mas acreditem que as hipóteses de se encontrar bons autores fora das livrarias crescem a olhos vistos, ao mesmo ritmo que os grandes grupos editoriais têm necessidade de facturar. E acima de tudo, acabem com o estigma do “se é português” não deve ser lá grande coisa. Lembrem-se do José Luis Peixoto, do José Cardoso Pires, do Luis Miguel Rocha, da Alexandra Lucas Coelho, do Miguel Torga (que ao longo da sua vida só fez edições de autor) e tantos outros que sangraram para se fazerem notar e que agora, muitos deles injustamente esquecidos para dar lugar às Noras Roberts e Erikas Leonards James deste mundo.

E acima de tudo, tenham em conta o mais importante: se o autor é português, não pertence à pandilha que aparece nas revistas cor-de-rosa, não é sequer apresentador de televisão e a editora aposta nele, então a garantia de qualidade é exponencialmente grande! Como é que sei isto? Tomem lá um exemplo: O livro do Paulo Caiado, “ Um Momento Meu”, é bom não é? Se ainda não sabem, têm bom remédio. ;)

(Adenda: Não posso terminar sem recomendar aqui alguns dos melhores livros de autores portugueses que já tive o prazer de ler e que não se encontram por aí a pulular nas livrarias. São eles: As Crónicas de Tellargya de Hélder Martins, Sonhos Roubados de Pedro Santos Vaz, Entre o silêncio das pedras de Luis Ferreira, O Dia Em Que Nasci de Filipe Vieira Branco e no meu género preferido, amei, amei, amei ,...YGGDRASiL, Profecia do Sangue de MBarreto Condado e O Erro de Deus de Carlos Queirós.


E já agora...e já agora… Facilmente encontram por aí nas Bertrands  “A Guardiã, O Livro de Jade do Céu”. Tem lá dentro um mundo inteiro. O meu.










Ana Kandsmar

1 comentário:

  1. Embora possa parecer surpreendido, confesso que não estou.Este texto não é mais do que a constatação de um universo cruel, rude e atroz. Concordo em parte da opinião.

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