sábado, 28 de março de 2020

A AGONIA DO ARGUS, de Fernando Teixeira















Faz hoje 50 anos que o Argus partiu para a sua última campanha de pesca no Atlântico Norte.

Sendo um dos mais notáveis lugres-motor bacalhoeiros da célebre White Fleet, a Frota Branca portuguesa de navios de pesca de bacalhau à linha, é conhecido pelos protagonistas da Faina Maior, essa epopeia marítima que levou milhares de pescadores aos mares da Terra Nova e da Gronelândia até meados dos anos setenta, do século XX, como um dos três cisnes, o “irmão” mais novo dos navios gémeos Creoula e Santa Maria Manuela, pela elegância e velocidade de navegação.

Construído pelos estaleiros holandeses Dehaan & Oerlemans, em 1939, para a Parceria Geral de Pescarias Lda, com um desenho muito idêntico ao dos outros dois “irmãos”, o Argus, ligeiramente mais longo, comportava algumas alterações, como um porão de maior capacidade, e melhoramentos na sua estrutura que o tornavam mais “valente” para o mar.

Em 1949, o capitão australiano Alan Villiers, conhecido pelas suas reportagens sobre outras frotas para a National Geographic, é convidado pelo embaixador Pedro Teotónio Pereira, em Washington, em nome do governo português, para documentar a faina a bordo dos navios bacalhoeiros portugueses, a fim de que ficasse registada uma arte que tendia a desaparecer, a da pesca de bacalhau à linha em dóris, de um homem só por bote no caso dos portugueses, com óbvio intuito propagandístico do regime político vigente. Assim, na Primavera de 1950, o comandante Alan Villiers embarcaria no navio Argus e, da viagem, resultaria um filme e o livro A Campanha do Argus, no original The Quest Of The Schooner Argus, publicado no ano seguinte, o qual viria a ser traduzido em dezasseis idiomas.

Tendo deixado a pesca em 1970, havendo participado em todas as campanhas da pesca do bacalhau desde 1939, ininterruptamente, o Argus foi vendido a uma fundação canadiana, quatro anos depois, a qual, na impossibilidade de custear a sua recuperação, vendeu o veleiro a uma empresa americana que lhe mudou o nome para Polynesia. Ficou a operar com fins turísticos nas Caraíbas até 2006, ano em que morre o seu proprietário, facto que levou ao abandono posterior do navio, em Aruba. Então, as autoridades arrestaram o navio para ser vendido em leilão. Sabendo disso, e temendo que o antigo Argus e a sua rica história se perdessem para sempre, a empresa portuguesa Pascoal & Filhos S.A. comprou o navio, em 2008, para o recuperar e pôr a navegar como pretendia com o Santa Maria Manuela.

Hoje ainda, o Argus jaz acostado ao cais da Gafanha da Nazaré, moribundo, sucata à espera que lhe devolvam os dias gloriosos de navegação no mar. À espera de se juntar aos seus “irmãos” entretanto recuperados: o Creoula, tutelado pelo Ministério da Defesa Nacional e ao serviço da Marinha Portuguesa, e o Santa Maria Manuela, agora pertencente à Sociedade Francisco Manuel dos Santos, principal accionista do Grupo Jerónimo Martins, desde Novembro de 2016. E os portugueses, nomeadamente os nossos bravos pescadores bacalhoeiros felizmente ainda vivos, anseiam pelo dia em que possam voltar a ver os três cisnes sulcar os mares, juntos.

Os actuais proprietários muito fizeram para trazer este navio para Portugal, operação que foi bastante dispendiosa, e estima-se que o custo da sua recuperação fique entre 15 e 20 milhões de euros. Apesar de pertencer a uma entidade privada, o Argus precisa do interesse de mecenas ou do próprio Estado, que parece ter dinheiro para tudo menos para o que realmente importa. Nem é necessário mencionar os milhares de milhões de euros que o Estado português já injectou na Banca, para cobrir gestões danosas, basta referir que foram gastos 200 milhões em projectos para o TGV, sem que se construísse um metro de linha férrea de alta velocidade. Lembram-se? E não há dinheiro para salvar o Argus...

O mítico Argus faz parte da nossa História Marítima. Respeitar o passado deste navio e o dos homens que nele arduamente pescaram deveria ser um desígnio nacional. Os nossos pescadores dos dóris continuam à espera que a nação os reconheça como merecem.

O autor escreve segundo a ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.

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