sexta-feira, 29 de setembro de 2017

OPINIÃO | Realizadores de Imagens | MARGARIDA VERÍSSIMO

Terminei de ler o livro, pousei-o na mesa e liguei o computador para fazer uma pesquisa ao site do autor e obter mais informações sobre ele e os títulos editados. Deparei-me logo com a informação que o livro que acabara de ler tem uma edição especial comemorativa do seu 25.º aniversário…25 anos, como é possível? O livro é tão atual! Bem, a história decorre há mais de 2000 anos, mas as imagens que fui criando à medida da leitura foram tão atuais, a definição da imagem e do som era de uma qualidade e nitidez impressionantes, os efeitos especiais e as cenas de ação tão realistas que era como se estivesse lá a presenciar e a viver os acontecimentos, até a banda sonora e o guarda-roupa denotavam as tendências contemporâneas, adaptadas à época a retratar, bem entendido.

A verdade é que se virmos um filme com 50 anos, por muito intemporal que a história seja, sentimos bem a sua idade, apercebemo-nos que a qualidade e definição da imagem já estão ultrapassadas, para não falar dos efeitos especiais e cenas de ação que no mínimo fazem-nos sorrir. Em contrapartida, podemos ler um livro escrito há 100 anos ou um livro acabado de publicar, mas fazemos sempre a conversão das letras para imagens atuais, nítidas e a cores. A reação a um livro lido pela primeira vez será sempre idêntica à de um filme acabado de estrear, com a grande vantagem que lendo o livro somos nós os realizadores das imagens criadas na nossa imaginação. Ler é dos melhores e mais acessíveis exercícios de estímulo à imaginação e à criatividade, a par de desenhar, esculpir e, claro está, escrever.

Por cada livro que leio é como se produzisse um filme que apenas eu consigo visualizar. Dependendo do livro, por vezes as imagens criadas, os locais e personagens, acompanham-me muito depois de ter finalizado a leitura e às vezes até tenho a ousadia de criar novos cenários e situações não descritas no livro, prolongando a vida das personagens. Por essa razão, pelo apego e relação que crio com os livros e suas personagens, quando termino a leitura de um livro não inicio logo a leitura de um novo. Dou sempre um tempo a que chamo de “luto” que será mais ou menos longo dependendo dos laços criados.

Quantos mais livros lemos mais abastada está a nossa memória com imagens por nós criadas. É uma infinidade de locais reais e imaginários, naturais e construídos, de situações, de objetos, de ações, de personagens, de trajes e até, bem lá no fundo da nossa consciência, de cheiros e bandas sonoras.


Tenho um primo que tem o sótão a transbordar de livros. Estão no sótão os livros que já não foram a tempo de ganhar um honroso lugar numa estante em qualquer uma das restantes divisões da casa. Entrar naquele sótão é como passar um portal mágico que nos leva para um mundo surpreendente de possibilidades ilimitadas de exercício à criatividade. Imagino o cérebro desse meu primo tão repleto de infindas e diversas imagens. Tão repleto que por vezes explode em devaneios súbitos. Felizmente que esse meu primo tem o dom de conseguir materializar os seus devaneios em forma de sentidos poemas. O meu primo é poeta!
















Margarida Veríssimo

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