quarta-feira, 27 de setembro de 2017

LITERATURA | À conversa com o autor Manuel do Nascimento

Tenho conversado regularmente com novos autores portugueses que tentam vingar no competitivo panorama literário português, sem me esquecer de todos os outros que vivem fora de Portugal.  

No ano passado conheci alguns desses autores e cheguei mesmo a ter a oportunidade de apresentar o meu trabalho em Paris por intermédio deles.

Deixo-vos aqui a conversa que tive com o Manuel do Nascimento para que o possam conhecer um pouco melhor e saber o que tem feito pela divulgação da nossa história. A altura para o fazer foi a ideal na medida em que o Manuel publicou o seu primeiro romance no passado mês de agosto.

MBC – Para quem ainda não te conheça, gostava que te apresentasses.
MN - Nasci numa vila da região do Dão no distrito de Viseu. Aos 11 anos completei o exame da 4ª classe, e como os meus pais tinham poucos recursos. Vi-me obrigado a vir para Lisboa viver com familiares de forma a poder continuar os meus estudos. A verdade é que podia ter ido para Lamego ou Viseu, mas infelizmente os meus pais não podiam comportar tamanho encargo. De 1962 até 1970, estudei e trabalhei na capital. Quando completei 20 anos, estava na eminencia de ser chamado para o serviço militar que implicava a minha partida para as colónias. Como não conseguia entender a finalidade das guerras coloniais, decidi partir para Paris, onde resido desde então.

MBC – Há tanto tempo fora da Portugal e sabendo que voltas todos os anos para “matar” saudades, pensas regressar definitivamente um dia?
MN - Estou radicado em Paris desde 1970, mas após o 25 de Abril, volto todos os anos, uma ou mais vezes por ano. Aproveito e dou sempre uma volta de norte a sul, mas gosto particularmente de Lisboa, onde a minha família ainda hoje reside. Venho por assim dizer matar saudades. Quanto à questão de voltar um dia definitivamente, posso dizer-te que para já a prioridade não é essa.

MBC – Os teus livros são o espelho da nostalgia que sentes pela nossa história? Ou uma forma de a dares a conhecer em França?
MN - Eu diria que não é nostalgia, mas sim a paixão pela história em geral. Mas é claro que adoro dar a conhecer a nossa história em França. Principalmente para os de terceira geração, os luso-descendentes que têm muito pouco conhecimento da história do país dos seus pais. Grande parte dos meus livros são em francês, não só para colmatar a falta de conhecimento da nossa história dos nossos luso-descendentes, mas também para que os franceses a conheçam um pouco melhor. Uma das coisas que notei aquando da minha chegada a Paris foi a falta de conhecimento do grande país que somos. Falar-lhes do pai do nosso primeiro rei, das invasões francesas em Portugal ou até mesmo da batalha de La Lys, no quadro da participação de Portugal nesse conflito mundial é o mesmo que nada. Parte dos franceses desconhecem esta parte da história tal como desconhecem a própria história de França. Sempre me incomodou muito tanto desinteresse por aquilo que nos torna Portugueses ou até mesmo Franceses. Esse foi talvez o principal motivo que me levou a escrever.

MBC – Soube que escreveste pela primeira vez um livro fora daquilo a que estás habituado. Queres falar-nos um pouco dele e do porquê de o fazeres neste momento?
MN - É verdade. Desta vez é um romance, “Nem tudo acontece por acaso”. Não te vou dizer que tenha sido por acaso, acredito mais que tenha sido o destino! Aconteceu numa das minhas viagens, na esplanada de um café em Lisboa tive uma conversa muito interessante com um sábio mendigo e com uma senhora. É uma estória em flashes que nos vai conduzir para um antiquíssimo mistério familiar. Aqui é-nos permitido viajar desde os tempos mais antigos até aos nossos dias. Revivemos duas guerras mundiais, as guerras de África, o Estado Novo, falo da ordem social onde os ricos tinham tudo e os pobres tão pouco, da chamada emigração de sonho onde muitos pensavam deixar a miséria para trás para encontrar uma outra nos países de acolhimento, de lendas, tradições, dos jardins e miradouros lisboetas, do vinte cinco de abril de 1974. Este livro acaba por ser uma viagem pela própria cidade de Lisboa, que tanto amo e para onde volto sempre que posso.

MBC – Os teus livros escritos em francês tendo em conta que alguns deles como já disseste relatam acontecimentos envolvendo os dois países em tempo de guerra, qual é a aceitação dos mesmos por parte dos franceses?
MN – Tenho que explicar um pouco o meu processo criativo. Desde o momento que decido escrever sei de imediato em que língua o vou fazer, mas sei também a que público se destinará. A maioria deles é em francês pois pretendo não somente dar a conhecer ao povo francês a nossa história como deixar testemunhos em França.  Todas as minhas obras editadas em Paris têm estado a cargo da mesma editora que tem apostado no meu trabalho, e, por conseguinte, uma grande parte das bibliotecas universitárias e públicas de França já os adquiriram.

MBC – Sei que és um dos responsáveis pela SALF. Queres explicar-nos o que significa a sigla, como surgiu? O que fazem pela divulgação dos artistas portugueses? Têm planos futuros para integrar os autores portugueses no fechado mundo artístico francês?
MN – A SALF - Sociedade dos Autores Lusófonos de França, é uma associação sem fins lucrativos, que foi fundada em 2011 por um grupo de autores lusófonos do qual faço parte. Exerço atualmente a função de Presidente. Esta associação tem por objectivo ajudar os autores lusófonos desde a criação à divulgação das suas obras sejam elas em português ou francês. Uma outra nossas outras componentes é a organização de encontros literários que inclua todos os nossos membros. Tivemos já a oportunidade de acolher escritores portugueses não residentes em França que participaram nos nossos encontros culturais,

MBC – Apresentações em Portugal? Tens feito? Tens alguma agendada para breve?
MN - Fiz duas apresentações em Portugal em 2013, uma em Lisboa outra em Viana do Castelo, para apresentar a obra História de Portugal-Uma Cronologia. Foi um trabalho que me levou 10 anos a concluir e que se compõe de três volumes. Não tenho nada previsto para breve, mas quando o meu romance “Nem Tudo Acontece por Acaso” for colocado nas livrarias e se estas mostrarem interesse numa apresentação, tudo pode Acontecer! Posso neste momento adiantar que no próximo mês de outubro, este meu último livro será apresentado no Consulado Geral de Portugal em Paris.

MBC – Uma frase que utilizas: “Só é vencido quem desiste de lutar” Aplica-se de alguma forma a ti?
MN - Não se aplica só a mim. Há tanta gente no mundo que luta das mais diversas formas. O meu combate em França tem sido, e continua a ser, dar uma imagem diferente daquela que têm dos portugueses e de Portugal. A forma que encontrei para lutar foi relatar a nossa história e cultura, deixar uma marca neste país, deixar para os meus filhos e netos uma lembrança escrita de quem somos, de quem sou. Temo que se parar de escrever tudo possa voltar a ser como dantes.
Gostava de deixar aqui o que me foi escrito um dia, numa dedicatória: Ao Manuel do Nascimento, autor contra o obscurantismo e pela história do povo português.

MBC – Para terminarmos gostarias de deixar alguma mensagem aos nossos leitores?
MN - Dizer que a história de um país e a de Portugal em particular sendo tão rica não tem fim é através dela que aprendemos quem somos e de onde vimos. Se não se conhece o passado não se pode avançar no futuro. E é com os nossos próprios erros que aprendemos a não os repetir.

Texto: MBarreto Condado
Foto: Manuel do Nascimento

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