sexta-feira, 10 de novembro de 2017

OPINIÃO | Folha de Papel em Branco | MARGARIDA VERÍSSIMO

Sento-me à secretária e olho para a folha de papel em branco. Passados alguns minutos continua em branco. Às vezes é difícil começar, parece que não sai nada de dentro de nós, nada que valha a pena transferir para o papel. Nem uma ideia, nem um conceito. Tudo em branco. Mas um papel em branco é já um princípio, é, pelo menos, um instrumento. Ok, são 2 instrumentos: o papel e o lápis ou caneta. Pronto, 3: o papel, o lápis e a mão. Pensando bem são 4 instrumentos: o papel, o lápis, a mão e a cabeça! E dentro da cabeça uma infinidade de pensamentos, ideias, conceitos, à espera de serem organizados, encaminhados, acrescentados e de se transformarem em linhas, pontos, manchas. Nesta folha de papel, ainda em branco, tudo, ou nada, pode acontecer.

No papel em branco podem começar a desenhar-se linhas. Linhas geométricas ou mais orgânicas que irão dar forma a espaços mentalmente visualizados. Linhas, pontos, manchas criando formas. Formas criando espaços. Espaços criando ambientes. Umas linhas inspirarão outras linhas e o pensamento fluirá. As linhas desenhadas irão transformar-se, aperfeiçoar-se, metamorfosear-se. Este papel em branco pode muito bem ser o início de uma grande obra, somente de uma obra ou pode simplesmente transformar-se em mais um papel riscado, amarrotado e lançado com pontaria ao cesto dos papéis.

No papel em branco podem começar a desenhar-se letras. Letras que formarão palavras que, juntando-se em frases, darão forma, sentido e conteúdo a ideias. Ideias que poderão transmitir sentimentos, recordações ou ideias que poderão fluir na criação de situações novas, imaginárias. Por certo também as letras e palavras inspirarão outras letras, outras palavras, também se transformarão e aperfeiçoarão. Este papel em branco pode muito bem ser o início de uma grande obra, apenas de um mero texto, ou pode também ser unicamente mais um papel escrevinhado, amarrotado e lançado sem pontaria para fora do cesto dos papéis.
A folha de papel vazia de traços, de linhas, de pontos, por vezes reflete uma alma cheia. Uma alma e uma mente cheias de ideias, de sonhos, de histórias, de vontades, à espera daquele momento singular, cósmico, em que tudo faz sentido e em que num turbilhão serão encaminhados para o papel e formalizados em linhas, pontos, letras. Ou simplesmente reflete uma alma e mente cheias de ideias, de sonhos, de histórias e de vontades esperando pacientemente que seja materializada a primeira linha, a linha a que se seguirão muitas outras linhas impulsionadas pela coragem do primeiro traço. A folha de papel em branco por vezes reflete também uma alma e mente cheias de vazios, procurando pontes, escadas, planos e linhas que os superem, que os combinem em elos coerentes com as ideias, os sonhos as histórias, porque sem os vazios, sem as ausências, sem os silêncios, as linhas, os pontos, as letras e as palavras não fazem sentido.


Por vezes, a mensagem do papel em branco pode ser tão intensa quanto o silêncio pode ser ensurdecedor.

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