sexta-feira, 17 de novembro de 2017

OPINIÃO | Maternidade | MARGARIDA VERÍSSIMO

Há dias fui a um jantar só de mulheres. Não era um “jantar de mulheres”, mas um encontro das turmas de fitness que, vai-se lá saber porquê, são só de mulheres, com exceção dos professores que são homens. Reformulo a primeira frase: há dias fui a um jantar de 1 homem entre mulheres, mas como o único homem se sentou no extremo mais afastado da mesa relativamente ao local onde me sentei, acabei por conviver e falar só com mulheres. Entre vários temas de conversas, um que acaba sempre por surgir naturalmente é a maternidade.

Quando os filhotes são mais pequenos as mães falam mais das proezas dos seus rebentos. Com um brilho cintilante no olhar descrevem orgulhosas, as conquistas, brincadeiras e episódios brilhantes ou insólitos protagonizados pelos seus ímpares e fantásticos filhos. Falam do cansaço e das noites mal dormidas ou da sorte e mérito que têm por os seus filhotes dormirem a noite toda. Fala-se de roupinhas e de comidas, de escolas, de atividades, de tudo e de nada. À medida que os filhos crescem a necessidade de exteriorizar a imensidão de espaço e tempo que os filhos preenchem nas nossas vidas diminui. Depois do assombro inicial aprendemos a gerir este impulso e a distinguir as nossas próprias vidas das vidas dos nossos filhos, até porque que interesse poderá ter para alguém o facto de o nosso filho ter conseguido resolver sem ajuda uma inequação fracionária do 2.º grau ou da nossa mais nova conseguir distinguir os protozoários dos vírus, bactérias e fungos?

Mas seja qual for a idade dos filhos um tema épico de conversa, fascinante, que nunca fica desatualizado nem perde interesse com o distanciar do acontecimento é o parto! Há partos para todos os gostos e para todos os estômagos. Independentemente de quantos filhos se teve, cada parto foi único, irrepetível, especial e homérico! Há histórias incríveis de partos, aliás, todas as histórias de partos são incríveis: dos rápidos, fáceis e indolores aos morosos, penosos, difíceis e arriscados. E há histórias terríveis e dramáticas de partos. Tanto num parto vaginal, com ou sem instrumentos de auxílio, com ou sem anestesia, dentro ou fora de água, como numa cesariana, sentimos que os médicos tratam o nosso corpo, o corpo da mãe, como se de um mero invólucro do bebé se tratasse, que é preciso rasgar, cortar, torcer, puxar, empurrar, alargar para que o bebé nasça, para que o bebé finalmente chore a plenos pulmões, respire e abra os olhos para este mundo novo que o acolhe.

O parto é um momento único na vida de uma mãe. Também o será para o bebé, mas desse momento não guardamos memória. É vivido e sentido com um misto de felicidade e melancolia, medo e coragem, ansiedade e serenidade, prazer e sofrimento. Quando finalmente podemos envolver nos nossos braços o filho recém-nascido, sabemos que deixámos de o envolver com todo o nosso corpo, apesar de o envolvermos com todo o coração. Deixou de ser o nosso corpo para ser um corpinho pequeno e frágil, do mundo, que crescerá e, se Deus quiser, se tornará forte, livre e independente.

A verdade é que após o nascimento do filho, somos nós que tentamos adiar o corte psicológico do cordão umbilical, a separação física, o assumir o filho como indivíduo autónomo do nosso ser, das nossas vontades. Queremos preservá-lo para nós pois faz parte integrante da nossa existência, transborda-nos e transborda da nossa essência. Fundimo-nos e tentamos preservar a entidade física una mãe/filho que não somos.

O filho, que durante nove meses se alimenta do nosso corpo, do nosso sangue, que nos suga a energia, que nos condiciona as ações e a alimentação, que nos enche de desejos e nos esvazia de enjoos, que nos provoca carências, cãibras, peso a mais, cálcio a menos, que nos rasgou o corpo e o tatuou em forma de cicatriz, que nos rouba o sono tranquilo, oferece-nos uma nova dimensão de viver, uma dimensão suprema, plena do que é existir, existir dentro e fora de nós, existir por dois, por três, sem deixarmos, contudo, de sermos nós.

















Margarida Veríssimo

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