domingo, 20 de maio de 2018

CRÓNICA | A família de ontem e a família de hoje | CRISTINA DAS NEVES ALEIXO


Esta semana comemorou-se o Dia Internacional da Família e, logo que tomei conhecimento desse facto, dei por mim a reflectir no conceito familiar da actualidade – ou não fosse eu dona de uma “mente inquieta”. Os neurónios, frenéticos, alternavam entre o modelo do passado e o do presente e nas suas implicações nas famílias e na sociedade.

Antigamente vivia-se para a família, para a ordem, a harmonia e a paz no lar. Tudo o que se fazia era pensado em termos familiares. Todos os seus elementos tinham papéis bem definidos e a vida decorria de forma tranquila. Os homens saiam de casa e iam prover o sustento, o conforto e travavam todas as lutas necessárias para a protecção e bem-estar daqueles que amavam. As mulheres, na sua maioria, ficavam em casa a construir e a manter a união, a acompanhar e a educar os filhos, a prepará-los para serem gente decente – alguns iriam, mesmo, decidir os destinos de todos nós -, e a acarinhar e a amparar aqueles que, já gastos e sem forças, lhes tinham dado a possibilidade de pisar este mundo. Não havia cá lugar a abandonar os velhos pais num qualquer lugar inumano ou a deixar os filhos entregues à sua sorte, à mão de semear de todas as tentações e perigos.

O resultado era um respeito generalizado, velhos a acabarem os seus dias com conforto e dignidade e crianças a crescerem fortes, felizes, bem preparadas para o futuro e que respeitavam e idolatravam os pais, os seus modelos.

Durante muito tempo viveu-se neste equilíbrio de valores, como uma máquina com várias engrenagens que se encaixam e completam para um único objectivo: funcionar bem, com o mínimo de percalços e esforço. E depois tudo mudou. As mulheres começaram a sair de casa para ocuparem os lugares até então dos homens, mas estes não ocuparam os das mulheres. Elas viram-se sobrecarregadas, forçadas a desempenhar dois papéis distintos em simultâneo, consecutivamente, e as fundações familiares deixaram de ter sustentação e abanaram por todos os lados.

De repente já não havia tempo para um carinho aos velhos, que passaram a morrer no abandono e tristeza, nem para uma formação adequada dos novos, que se afastavam cada vez mais dos progenitores e se tornavam verdadeiros estranhos que apenas partilhavam o mesmo espaço; passaram a crescer “à rédea solta”, com os exemplos e “ensinamentos” dos amigos, vazios de respeito, empatia, honra e espírito de sacrifício, acreditando veementemente que tinham um estatuto igual ao dos seus pais sem nada fazerem para isso.

De repente as pessoas já não tinham paciência umas para as outras, nem respeito, nem vontade e, à mínima contrariedade, divorciavam-se e “mandavam às urtigas” o equilíbrio em prol do recém-descoberto “eu”. Os nossos descendentes passaram a considerar normal que cada um vivesse para seu lado, com as suas necessidades sempre em primeiro lugar, que o individualismo era a base de tudo, fomentando o egocentrismo e egoísmo.

De repente vivíamos numa sociedade que o era só de nome, onde éramos cada vez mais em número mas estávamos cada vez mais distantes, sós e infelizes, mais intolerantes e beligerantes, onde o negrume do caos aumentava dia a dia. Tudo isso estava bem patente nas incompreensíveis guerras, na corrupção instalada em todas as áreas, nos assassinatos pela mais pequena disputa e nas diversas injustiças sociais. Cada vez mais abríamos o mundo a gente sem conteúdo valoroso.

Cheguei à conclusão que é urgente repensarmos os nossos valores, as nossas escolhas. A família é a base de tudo, é o nosso norte. Não pode ser descurada. Se o fizermos corremos o risco de perdermos a nossa identidade e nos tornarmos verdadeiras bestas. Sim, o mundo muda e temos que nos adaptar, mas há coisas que não devem, nunca, perder a importância que na realidade têm. Esta é uma delas.

Ainda me lembro das estórias que a minha mãe me contava tranquilamente, com todo o tempo do mundo, antes de adormecer. Recordo, com carinho, de irmos passeando e conversando até à mercearia para fazer compras a meio do dia. E dos lanches que me dava quando chegava da escola, enquanto me perguntava o que tinha aprendido. Quantos dos nossos filhos poderão, daqui a cinquenta anos, como eu, dizer o mesmo?

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