sábado, 9 de dezembro de 2017

OPINIÃO | Não se ama alguém que não ouve a mesma canção | ANA KANDSMAR

Já lá vão quase 14! Quase 14 longos anos de uma vida a solo, a bem dizer a trio, que os dois miúdos contam para a equação, e uma verdadeira tentativa para o trio passar a quarteto. Não deu. Correu mal.

Rui Veloso diz que não se ama alguém que não ouve a mesma canção e embora a coisa não deva ser levada à letra tem o seu Q de verdade. Na tal verdadeira tentativa a que me refiro, a canção que ouvíamos até era a mesma, partilhávamos de uma paixão já velhinha pelos Supertramp, entre outras, mas as cantigas em que entrávamos nos “desacordes” eram bem mais importantes que uma Logical Song ou um Breakfast in América. Paralelamente, nunca seria a música a dividir-nos, que eu não sou “gaija” para desamar alguém que ouve com prazer todas as músicas do Tony Carreira (até porque afinal não são do Tony Carreira), e porque acredito que quando amamos profundamente alguém, podemos até ouvir um tema ou outro da Ana Malhoa sem vomitar, se isso fizer o ser amado feliz. Mas o amor tem que coincidir nos fundamentais, e adivinha-se, esse foi um euromilhões que nunca me calhou, (nem com o pai dos miúdos, que foi “coisa” para estar nos antípodas de tudo o que me corre nas veias). Consigo, obviamente, amar alguém que não saiba reconhecer a genialidade de um Tom Jobim ou de um Chico Buarque, mas não suporto que acima deles se coloque uma Fafá de Belém ou que no seu top de preferências para uma saída à noite esteja um bailarico onde se dança Kizomba. Em suma, ouvir a mesma canção, sim é importante, tanto mais quando a canção não é sempre o mesmo fado da “queca, adeus e um queijo, ou melhor, dois, que um pode estar estragado”.

Não consigo amar alguém que não esteja disposto a conhecer-me para além do que tenho por baixo da roupa interior, e por “não consigo amar”, entenda-se: não consigo relacionar-me de todo. Não consigo amar quem não se aventura no meu labirinto interno, quem se está nas tintas para me dissecar, que é como quem diz: tentar conhecer-me nos mínimos detalhes, (sem consegui-lo verdadeiramente, claro, que não há nada melhor para matar uma relação que a ausência de uma pitada de mistério) e isso, acreditem, vai muito além de saberem de cor onde é que tenho o “botão” que liga ao meu ponto G, seja lá o que isso for.

Também nunca amaria quem não goste de ler, sobretudo livros, que isso de ler a Bola e o Record não conta. Quem nunca tenha lido Pessoa, Teixeira de Pascoaes ou Lobo Antunes, anda longe de marcar pontos. Quem não é capaz de perceber o humor dos Monty Python, de um Ricardo Araújo Pereira, um Raminhos ou um Herman José, sobretudo no tempo em que o Herman provocava processos disciplinares na RTP e o cancelamento abrupto dos seus programas, não tem aquela dose de loucura saudável que faz milagres com a líbido de uma mulher apreciadora do humor inteligente. Não ter um tracinho de causticidade, um nadinha de sarcasmo corrosivo é um crime de lesa-amor. Na verdade, homens como o House (sem a parte do coxo incluído) fascinam-me. Talvez até fosse capaz de amar quem não lê MEC, mas seguramente que nunca amaria quem o lê se mesmo assim não for capaz de rever-se em pelo menos meia dúzia das suas crónicas. Não tenho, (nunca tive), para mim, o modelo do que deve ser o homem ideal, mas sei que ele me encontra num caminho mais directo ao coração se tiver uns salpicos de particularidades minhas. Particularidades que não têm que passar necessariamente pelo meu fascínio pelo Game Of Thrones, ou o The Man in the High Castle (embora que, se passar, dá sempre bom tema de conversa). Mas não é obrigatório gostar das mesmas séries e filmes.

Perdoa-se que não goste de Outlander - afinal, uma série de gajas para gajas, mas aceita-se que veja Desperate Housewifes (isso ainda dá), como quem pudesse estar a ver outra coisa qualquer, olha calhou ficar ali nas quarentonas boazonas, podia ter sido no Apanha Se Puderes. Se gostar de policiais eu aceito, desde que, de quando em vez, se aninhe comigo no sofá a ver comédias românticas. Não importa: interessa é que, por uma hora ou duas, não haja guerras de zapping. Nenhum amor sobrevive a frequentes zappings-kamikaze.

Também adoro o Harry Potter: os livros, a trama, os filmes, a iconografia, no entanto, gajo que decora os nomes dos professores de Hogwarts parece-me um bocado nerd. E não se ama um totó, suportamo-lo com carinho. Por exemplo, pode gostar da música dos anos oitenta, mas não deve saber cantar de cor o Wake Me Up Before You Go-Go e muito menos dançá-la como o George Michael no videoclip. Deve reconhecer que os AC/DC são uma grande malha, e não hesitar quando se fala de U2 ou The Police, Queen ou Pink Floyd. E ai da criatura que me quiser afastar a roupa do pêlo se não souber apreciar um Jazz! Jazz puro ou Dixie, Blues, ou Soul… Ai da criatura! E a Clássica…como se ama alguém que não ama Bach?

Homem que se queira meter à deliciosa aventura de me conquistar está absolutamente proibido de apreciar pimbalhadas ou de as trautear distraidamente. Há outras coisas interditas para além dos pimbas. Não amo alguém que ame futebol. Mas tem de atentar minimamente em europeus e mundiais onde entre Portugal, para não parecer um alienado - e, pior do que isso, um não patriota. Por isso, mesmo não percebendo nada de futebol, deve fazer como eu, que também não percebo, mas pulo e bato palmas sempre que a Seleção faz brilharete num relvado qualquer. Nessas alturas, (e nas tardes de verão à beira-mar), abrem-se excepções para minis e tremoços.

Devo dizer que o nunca ter lido Tolkien nos seus anos de formação é de certo modo um revés, mas mesmo assim permite que se prossiga com o amor - e nada de insistir que o faça agora, porque tudo tem o seu tempo e aos quarentas não temos que levar a sério as fornalhas de Mordor, embora não esteja excluída a parte do anel.

Também não se ama alguém que não goste de comer, embora se possa amar quem goste de comidas diferentes. É, aliás especialmente bom quando os gostos neste domínio não coincidem na totalidade, mas se completam: no franguinho, convém que um goste da coxa e o outro do peito e no bacalhau, que um prefira a posta alta e o outro a baixinha. É perfeito. Ainda no domínio da culinária, não poderei gostar de um homem que não saiba fazer um grelhado com método, paciência e concentração, sem esturricar (especialmente porque eu não sei). Um robalo escalado no ponto certo é uma enorme prova de amor. Também não se ama quem percebe muito de muitas coisas: pode não matar o amor, mas irrita-o. Pior ainda quando não se percebe, mas se faz de entendido. Muito pior que quando não se percebe nada de nada, acreditem. Temos que saber coisas que o outro não sabe para sentir que também o surpreendemos. Senão, o amor mirra, envergonhado.


Não menos importante é dizer que desprezo aqueles homens que acham que os carros são prolongamentos das suas pilinhas. Suspeito sempre desses putativos e respetivas pilinhas pequeninas e ressabiadas que se convencem que andar de BMW é só por si um valor acrescentado. E, a propósito: não se ama um homem de pilinha pequena, pequenininha, minúscula, pois não nos traz qualquer utilidade. Sei que não importa o tamanho e continuará útil para o seu portador, mas para nós não. É, portanto, um cliché que não nos serve, esse do tamanho que não conta. Conta, conta! E por fim, podemos até amar, mas devemos desconfiar dos homens que dizem desabridamente: "a Juliana Paes não faz o meu género". Se mentem em relação a isto, nunca saberemos até onde estarão dispostos a mentir. O outro, o da verdadeira tentativa, não mentiu. Resultado: apaixonei-me a valer.












Ana Kandsmar

7 comentários:

  1. Irra que a rapariga é exigente!! ������

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  2. Hilariante texto! Com a frontalidade que te carateriza. Bom para animar este domingo escondido entre as nuvens carregadas e o vento prometido. Tempestade Ana?!... ☺

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  3. Ahhh Supertramp e Juliana Paes...inconfundíveis 😆.Beijinhos

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