quinta-feira, 1 de março de 2018

CRÓNICA | Alistamento | MBARRETO CONDADO

“Esta é uma obra de ficção, qualquer semelhança com nomes, pessoas, factos ou situações da vida real terá sido mera coincidência”

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Num dia de Verão e cansado de não ter conseguido a tão ansiada aprovação e liberdade que queria do seu “rico” pai, Nunes decidiu que alistar-se na tropa seria a melhor opção pois só desta forma poderia ter um rendimento. A verdade é que o pai alcançara o seu próprio estatuto como militar de carreira, apesar do mesmo ser só reconhecido pelo próprio. Levantou-se, procurou na gaveta da roupa interior por uma muda lavada só para se deparar com a gaveta vazia. O velho hábito de atirar a roupa para cima do armário do quarto era muito mais confortável, estendeu o braço e retirou um par de cuecas e meias hirtas de tão sujas que estavam, mas lá teriam que servir.

Sentado no café Mil e uma Noites enquanto fumava um cigarro na companhia do seu amigo Paulitos, bebericando umas cervejas por pequeno-almoço comunicou-lhe a sua decisão. Depois de pesarem os prós e os contras, decidiram que para se alistar teria que ser num dos ramos das tropas especiais, não ficava bem a um menino como ele nascido em berço de antiquarias andar a marchar como um mais da plebe. Estava decidido, pelo que selaram o momento com um audível beijo na boca perante o olhar atónito das velhas senhoras do bairro que tomavam àquela hora o seu cházinho com torradas aparadas acompanhadas de geleia de marmelo. Foi necessário o empregado acudir-lhes com um copo de água com açúcar para que não desmaiassem pouco habituadas que estavam a manifestações de carinho entre homens.

Quando voltava para casa soube que tomara a decisão acertada, seriam perto de três anos longe da vida que conhecia, mas o mais importante é que a partir daquele dia deixaria de se preocupar com as horas do recolher obrigatório instituídas pelo pai. Mais vezes do que aquelas que gostaria de se lembrar dormira nas escadas do prédio, como um cão, por chegar um minuto após o recolher obrigatoriamente das 22 horas. Sabia que nunca teria chaves da casa do pai por este ter medo que ele lá metesse o seu único amigo Paulitos e este decidisse surripiar as velharias amealhadas e cheias de pó.


Naquele dia Nunes daria aquele que seria o seu primeiro salto para a tão ansiada nova vida. 

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