quinta-feira, 12 de outubro de 2017

OPINIÃO | Vida no Campo | Mafalda Pascoal

Vou começar com um capítulo que se encontra na página 50, de um livro belíssimo que se chama “o Segredo das Crianças Felizes” da autoria de Steve Biddulph.

No final da 2ª Guerra Mundial, muitas crianças ficaram órfãs.

Um médico suíço ficou com a tarefa de descobrir qual a melhor maneira de cuidar dos bebes órfãos.

Após viajar pela Europa “...depararam-se-lhes situações radicalmente diferentes. Em certos lugares os americanos tinham montado hospitais onde os bebés eram aconchegados em berços de aço inoxidável em dormitórios assépticos, onde eram alimentados de quatro em quatro horas por enfermeiras de uniformes impecavelmente limpos.

No outro extremo da escala, em longínquas aldeias de montanha, chegara um camião, o motorista perguntara aos moradores se podiam tomar conta dos bebés e deixara alguns na aldeia. Aqui, rodeados de miúdos, de cães e de cabras e embalados pelas mulheres da aldeia, os bebés ficaram entregues à sua sorte, dependentes de leite de cabra e sopa caseira.

O médico suíço, tinha uma maneira muito simples de comparar o valor das formas de cuidar das crianças. Não foi sequer preciso pesar os bebés, muito menos medir a sua coordenação ou comparar os sorrisos e os olhares. Nesses tempos de disenteria e gripe usou o mais simples de todos os indica estatísticos: a taxa de mortalidade.

O que descobriu surpreendeu-o. À medida que as epidemias iam devastando a Europa e muitas pessoas iam morrendo, as crianças que tinham ficado nas aldeias resistiam melhor que as que tinham ficado nos hospitais sob cuidados cientificamente estudados!

O médico descobrira uma coisa que as idosas há muito sabiam: que os bebés precisam de amor para viver.

As crianças que viviam nos hospitais tinham tudo menos afecto e estímulos. Os bebés que haviam ficado na aldeia tinham abraços, mais colo e mais coisas para ver. Assim, desde que tivessem os cuidados elementares cresciam cheios de saúde.”

Eu nasci em casa, a minha mãe fez o parto quase sozinha, quando uma tia minha chegou já eu estava a nascer. Tinha cinco quilos e oito meses de gestação.
Lembro-me bem de toda a minha infância. Era raro haver crianças por perto para brincar comigo. O sitio onde nasci era e é campo e sem vizinhos, com pinheiros em redor e pequenos caminhos a circundar. Se, por acaso, a minha mãe ia buscar erva para os coelhos, sem eu ou o meu irmão nos apercebermos, seguíamos o rasto até ela, os caminhos eram de areia branca muito fina e os rastos ficavam marcados, e como habitualmente não passavam por ali outras pessoas e nós conhecíamos muito bem o rasto da nossa mãe, era o suficiente para a descobrirmos.

A minha infância foi tão diferente da de hoje em dia. Brinquei com a terra, com as ervas, andava sempre encavalitada nas árvores, procurava ninhos para ver os ovinhos tão pequenininhos e os passarinhos quando já tinham nascido, gostava de observar os ouriços, as lagartixas, as formigas a fazerem os buracos e a carregar cá para fora os grãos de terra, ia apanhar os grilos nos buraquitos para depois os deixar na mesma em liberdade. Quando os coelhinhos nasciam eu e o meu irmão nunca mais os largávamos. Os meus pais tinham uma horta onde havia árvores de fruto, portanto apanhava peras, pêssegos, ameixas amarelas ou roxas, laranjas, também havia limoeiros. Enfim, toda a minha infância foi preenchida por uma amálgama de cores, cheiros, sabores e sons indescritíveis que fizeram de mim um ser humano atento, sensível e muito observador e de quem eu gosto e com quem eu me sinto bem.

É, tive uma infância muito preenchida sem Playstation, sem computador, sem televisão, sem jogos electrónicos. Tínhamos simplesmente um rádio onde ouvíamos música e as rádio novelas.

Quando fui para a escola já sabia fazer o abecedário. A minha adaptação foi fácil, porque sempre gostei muito de aprender.

De casa até à escola eu andava à volta de 4/5 quilómetros, chovesse ou fizesse sol eu lá ia sempre sozinha, e não tinha medo.

Agora nem que a criança more ao lado da escola, lá vão levá-la até à entrada. À hora do lanche lá estão ao pé do portão com o farnel da criança (é claro que os tempos são outros, mas “nem tanto ao mar nem tanto à terra”).

A vivência tão rica da minha infância e juventude, ensinou-me a dar valor a tudo sem excepção, inclusive aos insectos. Hoje, uma criança de cidade não sabe o que é uma aranha ou uma formiga, e se verem um exemplar desses se calhar desatam numa choradeira, como se os bichos os fossem engolir.

Hoje em dia, as crianças começam logo a brincar com jogos electrónicos. Os desenhos animados por vezes são violentos. Desde tenra idade é-lhes dado um telemóvel, um computador, Internet e tudo isto seria muito bom se fosse supervisionado pelos pais, se estivessem mais perto dos seus filhos, se as crianças tivessem bases sólidas e sempre que tivessem duvidas, terem os pais “à mão de semear” para os ajudar na decisão mais correcta para as suas necessidades.

Mas não, são as nossas crianças e as novas tecnologias com tudo de bom e mau que o mundo tem. E se as crianças não tiverem as tais bases sólidas que se começam a construir no berço, com muito amor e carinho, e não com a grande ansiedade, de que passe depressa o tempo, para os deixar num infantário que poderá ter uma EDUCADORA carinhosa, ou talvez uma educadora que não tenha nascido para isso, para deixar de as aturar e ir trabalhar.

Enfim, por isso a juventude de hoje é tão difícil. Reclamam por tudo e por nada. Estão habituados a terem a “papinha toda feita”, e à menor dificuldade, ficam perdidos e não sabem como reagir.

Depois a culpa é sempre dos outros, pois estes jovens habituados a terem tudo o que querem, porque os pais, por não estarem com os seus filhos tentam compensar com dinheiro, ou seja compram-lhes tudo o que eles pedem ou sonham ter, e depois se algum dia esses pais não puderem satisfazer as vontades desses filhos, lá vêm eles com chantagem emocional, se não funcionar, chegam mesmo a “descarrilar” por caminhos menos bons. Começam a ficar violentos na escola ou no seu círculo de amigos, depois esses amigos talvez não gostem dessas atitudes, começam a afastar-se e aí está um jovem propenso a tornar-se amigo do alheio, a refugiar-se nas drogas ou na bebida. Aqui, o mau ou bom caminho vai depender do amigo ou amigos que lhe restarão ou que tenham vindo de novo.

Neste seguimento, temos também aqueles jovens certinhos, tentam fazer tudo o mais normal possível, são estudiosos tiram sempre boas notas, depois sentem-se deslocados no meio dos outros jovens que a nossa sociedade “fabrica”.

Mais tarde, quando são jovens adultos, torna-se difícil encontrar a sua “cara-metade”. Vê-se amiúde, jovens acompanhados por pessoas bem mais velhas porque talvez sejam as que os compreendem melhor, lhes dão mais apoio e mais carinho.

Há um tempo atrás, ouvi uma entrevista com o Dr. Daniel Sampaio na Rádio Clube Português, sobre os relacionamentos amorosos na juventude, em que ele dizia que tinham perguntado a um grupo de rapazes e raparigas todos dentro de uma sala, quais as dificuldades que encontravam no relacionamento amoroso, todos se entreolharam e responderam que não havia dificuldades. Depois fizeram a mesma pergunta em particular, e o Dr. Sampaio ficou surpreendido com o resultado das respostas dos rapazes, porque a maior parte, disse a mesma coisa sem saberem uns dos outros, que foi “nós para arranjar uma rapariga para fazer sexo é com a maior das facilidades, mas arranjar uma rapariga que nos ame, não existe”.

Portanto a nossa juventude está “doente”, precisam de mais acompanhamento por parte dos pais, da família.


Os educadores de infância, os professores não podem fazer grande coisa. Como todos nós sabemos, cada vez é mais usual a falta de respeito dos mais novos pelos mais velhos. Os nossos jovens vivem numa anarquia muito difícil de modificar. Mas eles não têm culpa, ninguém nasce ensinado.














Mafalda Pascoal

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