sábado, 14 de outubro de 2017

OPINIÃO | “Ah! Se aquilo ao menos fosse para mim...” | ANA KANDSMAR

É engraçado constatar que no Facebook, como na vida, homens e mulheres continuam tendencialmente a seduzir de modos distintos.

Assim, e ao contrário dos perfis masculinos, nos femininos impera a biodiversidade, pelo que não é fácil, reduzi-los a meia dúzia de estereótipos para efeitos de dramatização. É que, se os homens não têm vergonha em mostrar que andam à caça, já elas, fazem questão de assumir o papel de presas distraídas.

O estilo de um perfil de engate masculino assenta muito na prosa poética, (especialmente os pseudo-escritores) um valor seguro, pois é fácil constatar a mediocridade de um poema de dez sílabas: é aquele que dá vontade de rir. Só os muito bons ou muito doidos se atrevem à poesia pura e dura (embora estes, por acaso, até facturem, pois as mulheres gostam de uma alma que lhes mostre as vísceras moídas, assim tipo, Ary dos Santos, mas sem a parte da bicha histérica).

A linha editorial, assenta no pressuposto de duas almas gémeas que sofrem do mal do desencontro neste limbo urbano que é o nosso, num registo género lobo-antunes-do-paleolítico-inferior (mas sem a parte dos alferes), o que se torna irresistível para a sopeira chorosa que toda e qualquer mulher guarda dentro de si.

Se o perfil for feminino, a temática tende a manter-se, mas a autora terá de mostrar que está disponível, pois a maioria dos homens não está por aí além interessada na invasão de território alheio. Ao escrever sobre uma relação acabada, a mulher junta, à disponibilidade do presente, a experiência amorosa do passado, tendo embora o cuidado de não cair na lamechiche excessiva e de não abusar das reticências (tarefa quase impossível). Quando opta por seduzir pela vertente intelectual em vez da romântico-lamechas e parte para os textos de opinião, sabe que não pode ser muito assertiva: os homens, embora fascinados com as suas eventuais, inteligência e capacidade argumentativa, fogem a sete pés de qualquer confronto que não seja entre almofadas e não querem uma “facebokiana” que lhes dê muita luta. Curiosamente, parecem achar alguma graça à conversa do “morra o macho pim” (atrai-os a perspectiva de domarem a fera e de lhe dobrarem os ossos), mas convém não exagerar.

Quanto ao look da página, no caso deles, quer-se sóbrio, a resvalar para o gótico-depressivo e o neurótico-desamparado. Templates (a imagem de capa) brancos ou pretos e sem grandes mariquices pictóricas, para que não se lhes questione a virilidade nem o bom gosto. Mas com imagens para além das fotos em que ele aparece numa ou noutra de tronco nú, numa ou noutra a olhar fixamente a objectiva por detrás dos óculos escuros, com o polegar sobre o lábio superior ao estilo “Martini Man”. Perfil masculino de engate que se preze tem que ter fotos a invocar o romance, em especial quando é preciso enfeitar para disfarçar a falta de génio (quase sempre): não há mulher que resista ao reflexo da lua nova no olho da gaivota, e ajuda a criar a aura de “gajo-national-geographic”, ou seja, de macho sensível, de câmara fotográfica às costas e barba de 3 dias. Impõe-se uma postura que apele à protecção, que desperte nelas o sentido do resgate, já que o instinto maternal é coisa tão inata numa mulher, que esta tanto embala nenucos, como gatos e está sempre pronta para sentar outros no colo. Uma fêmea é uma verdadeira máquina de consolar que traz incorporadas doses inesgotáveis de amarfanhanços implacáveis dentro de si, e eles sabem-no.

Nos perfis delas, mais floridos e policromáticos, um truque comum é não indicar de quem são as fotos que expõem com partes do corpo a descoberto, deixando no ar a dúvida se aquela maminha que se antevê será, ou não, da proprietária do perfil, ou se aquele cavalo branco da foto do post de sábado, foi, ou não, efectivamente montado por ela, em pêlo. Numa invocação ao voyeurismo masculino, vão deixando cair, por entre poemas e opiniões, bocadinhos da sua intimidade: a copa do soutiã, a altura, a cor dos olhos, o peso (sempre menos de cinquenta e cinco quilos e a maioria tem olhos verdes ou azuis, como se o Facebook fosse um afiliado da Central Models). Gostam de mostrar que sabem cozinhar, mas nada de grosseiro como cozido à portuguesa, não, não! Nada disso! Só nouvelle cuisine com ingredientes difíceis, tipo rúcula, cardomomo e gengibre.

Já o modus operandi masculino pouco deve à subtileza: é despejar umas figuras de estilo e elas a absorverem, a suspirarem durante a hora coca-cola light, “Ah! Se aquilo ao menos fosse para mim...” e toca de deixar um email ou um comentário “que entende muito bem, também já passou por isso, beijinho”. Entretanto, ele tratou de se assegurar, junto do namorado da prima de um conhecido de um amigo que tem facebook, (toda a gente tem facebook, isto é um penico, senhores!) que ela não é nenhum camafeu com quem se envergonhe de ser visto na rua e dá-lhe trela, a par com o número do telemóvel. Um aparte: convém que a faixa etária seja equivalente, para facilitar a identificação nostálgica “lembras-te do calimero? e da Abelha Maia? E o Espaço 1999? Isso é que era...”, e que ele mitigue o entusiasmo com alguma apreensão, tipo, “meu deus o que estamos a fazer? Onde isto irá parar?” Todas as mulheres gostam de se sentir um pedaço de mau caminho e não há como alguém achá-las irresistivelmente podres de boas. Prova superada, portanto. Depois da conversa, vêm as fotos para o chat, “olha lá como é que eu sou”, e aqui elas tendem a aldrabar e a enviar fotos de quando eram mais novas e mais favorecidas pela mãe-natureza, vá lá a saber-se porquê.

A tensão acumulada pode acabar num café, na cama, em casamento ou em águas de bacalhau. Um perfil de engate, especialmente se masculino, acaba por se reduzir a um perfil engatado, preso a um esquema repetitivo que elas acabam por topar após se terem desbroncado umas com as outras (o que fazem com regularidade, diga-se). Daí, ele correr sérios riscos de acabar pendurado num tronco, num daqueles rituais celtas no meio da floresta, onde mulheres nuas dão vivas à fertilidade e à sabedoria superior da deusa-mãe-natureza-gaja, ao som do Like a Virgin da Madonna, agora com a Madonna ao vivo a cantar para elas.

O modus operandi feminino é mais subtil e paciente. Elas elogiam sem parcimónia, pois sabem como eles se pelam por mostras de admiração desmedida; repetem-lhes que perceberam o sentido do texto (apesar de este parecer ter sido redigido em sânscrito).


Muito mais haveria a dizer, não fora a ditadura dos caracteres. Apenas rematar que me parece bem, que homens e mulheres se engatem, se apaixonem, se desenganem, se embirrem, e driblem, assim, as suas intrínsecas solidões. Porque o ponto de partida para se estar numa rede social, mesmo que para escrever sobre as últimas descobertas no ramo da física nuclear é sempre o mesmo: darmos vazão a uma loucura contida e arremetermos contra uma espécie de solidão que nos infecta, mesmo que vivamos rodeados de pessoas e tenhamos que nos fazer ouvir aos gritos.












Ana Kandsmar

2 comentários:

  1. Análise audaz e bem descrita desse modus operandi dos novos tempos!

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  2. Um tema muito interessante, a autora é perspicaz com um perfil de analista muito apurado e ardiloso, mas com muita audácia no conteúdo, prepara um ambiente de boa leitura para que seja bem entendida mas dando, como é costume dizer-se uma no prego outra na ferradura e a análise continua a bom gosto de todos os leitores, mas cuidado que nem todas as mulheres vão nessa embalagem de modelo de agradar ao "macho"latino que é o mais conhecido e afoito nas conquistas mais ou menos fáceis, mas que as mulheres de hoje já devem conhecer bem as manhas e só aceitam aquelas que ainda não estão bem preparadas para estas lançadas masculinas, mas felizmente já são poucas as que caem, pois até elas já sabem como lhes cortar os golpes com se estivessem num "combate corpo a corpo" e não permitem que o aventureiro ganhe ... desculpem o sarcasmo, mas o homem tem que apreender que já não é o sexo forte que pensou sempre ser, erro dele nunca foi...

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