sexta-feira, 6 de outubro de 2017

OPINIÃO | 51 tons de vermelho… | MARGARIDA VERISSIMO

“Strawberries cherries and an angel's kiss in spring; My summer wine is really made from all these things…” canta Natalia Avelon no meu canal de música favorito. A sensualidade da música seduz-me e a alusão a morangos, cerejas e vinho, tinto naturalmente, faz-me mergulhar num torpor do qual não quero despertar. Levanto-me preguiçosamente, dirijo-me à garrafeira e escolho um bom vinho tinto, alentejano. A rolha de cortiça sobe devagar, a custo, querendo manter o seu prisioneiro só para si mais uns instantes e manter a exclusividade de sentir prazer no seu aroma. Ploc, a rolha solta-se do gargalo e liberta o aroma aveludado do vinho. Vagarosamente sirvo um copo de pé alto com o líquido carmim.

Enquanto deixo o vinho repousar e abrir todo o seu esplendor aromático, observo a rolha de cortiça, esventrada pela espiral metálica. Felizmente o desenho impresso na sua superfície cilíndrica ficou intacto, é lindo. Liberto-a com cuidado, não a quero danificar mais. Um dia, com as suas irmãs e primas, será transformada numa base para velas. Outros vinhos serão saboreados à luz bruxuleante de uma vela confortavelmente aninhada entre rolhas de cortiça exibindo orgulhosamente os seus desenhos, marcas, produtores e regiões. Talvez então se oiça fado…

Levo o copo aos lábios e saboreio demoradamente. Na mesa ao meu lado estão dispostos alguns dos ingredientes a usar: tomate, malaguetas e pimentos vermelhos. A cor aquece e dá vida ao compartimento. Vermelho, cor do sangue e do fogo. Cor quente, temperamental e sensual. Cor do amor, da paixão e da revolução. A luz do sol poente inunda agora a divisão em tons escarlate. A luz tinge de vermelho os desenhos dos meus filhos, expostos em local de destaque. Pinceladas vermelhas com figuras humanas, animais, árvores e flores, riscos, pontos, sois e mãos dispostas na parede. Arte rupestre como testemunha dos primórdios da sua existência.

A música continua a tocar, deixo-me embalar pela melodia que me envolve e em movimentos ritmados percorro a cozinha. A minha filha ri-se, mas também ela adora dançar. Pego-lhe na mão e juntas rodopiamos, agora a um ritmo mais rápido. Deixou-se levar por mim e pela música, esqueceu a vergonha e dançou feliz, descalça, sentindo o ritmo no corpo. A luz serena de fim de dia, os aromas que invadem o espaço e a antecipação da deliciosa refeição em família deixam-nos num misto de tranquilidade e euforia, de ócio e energia. Também a refeição terá a combinação de sabores, adocicados, picantes, ácidos e salgados, realçados pelo contraste de cores.

Inspirada pela ambiência decido que a salada será hoje enriquecida com os grãos de uma romã. Abro a casca do fruto e com delicadeza liberto os grãos de cor rubi da fina película que os envolve. A salada vai sendo pintalgada com pequenas e brilhantes sementes cingidas por uma polpa suculenta de rubis translúcidos.

O início da noite foi inspirador: a música, a dança, a luz, os aromas, o vinho, os ingredientes, os tons de vermelho, carmim, escarlate, rubi. Aguardo serenamente o desenrolar das ações e sensações ao longo do serão, mas com a certeza que tudo me saberá ainda melhor se tiver o prazer de saborear uma vitória do clube que joga de verde!

   Margarida Veríssimo 



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