quarta-feira, 23 de agosto de 2017

LITERATURA | Entrevista à autora e cronista do nosso jornal Ana Kandsmar




"Geralmente sou uma pessoa bem-disposta, positiva, ainda sonhadora, apesar de volta e meia atravessar desertos inóspitos e dolorosos."
Texto: MBarreto Condado
Foto: Ana Kandsmar



No movimentado mundo da Literatura portuguesa onde todos os dias surgem novos autores, poucos conseguem destacar-se pela habilidade com que as suas palavras nos tocam e nos fazem pensar. Porém, Ana Kandsmar tem essa capacidade!

Para nossa grande satisfação a Ana aceitou o convite deste Jornal tendo passado a escrever uma cronica de opinião semanal desde junho do presente ano onde não deixa de nos impressionar com a sua acutilante forma de expressão.

Por saber que sempre existirão perguntas para as quais queremos obter respostas, mas principalmente por reconhecer que ainda tem muito para nos oferecer propus-lhe esta pequena entrevista. É verdade que ficará sempre algo por dizer pelo que deixo em aberto uma nova conversa quando se justificar. Até porque a curiosidade sobre a Ana Kandsmar e a sua escrita nunca será saciada.

Espero que gostem do resultado e que se permitam conhece-la um pouco melhor, o que a move, a envolvência das personagens no seu livro “A Guardiã, o Livro de Jade do Céu” e quem sabe ainda levantar um pouco o véu sobre o que nos prepara para breve.

MBC – Quem é a Ana Kandsmar?
AK - A Ana Kandsmar é uma mulher como milhões de tantas outras. A única coisa que me distancia um pouco das muitas mulheres que conheço é esta mania que tenho de escrever sobre tudo e sobre nada. No restante, a minha vida é até um tanto banal. Trabalho para sobreviver, por sorte trabalho no que amo e me realiza, que é o jornalismo, embora, por necessidade, e em fases menos boas da minha vida em que o mercado de trabalho me pregou algumas partidas, tenha feito muitas outras coisas, algumas delas apenas para levar um salário para casa. Geralmente sou uma pessoa bem-disposta, positiva, ainda sonhadora, apesar de volta e meia atravessar desertos inóspitos e dolorosos. Mas sei que graças a essa caminhada rigorosa, tenho tido a oportunidade de me virar muito para mim mesma, num exercício de autoconhecimento e crescimento. Sobretudo sou uma mulher de fé. E por isso sei que de uma maneira ou de outra tudo está exatamente como e onde deve de estar.

MBC – “A Guardiã, o Livro de Jade do Céu”, antes de mais o porquê deste nome?
AK - Porque tem a ver com a história. A Guardiã é a protagonista, a Luana, que a dada altura da sua vida descobre que tem uma missão importante e que deve cumpri-la. O Livro de Jade do Céu é precisamente o objeto que ela deve proteger custe o que custar. Resta dizer que este” “livro de jade do céu” faz parte do mundo espiritual do Cânon Taoista. É um livro que para os crentes nesta filosofia existe e contém os nomes dos criadores e co-criadores do universo e da própria humanidade. Portanto, não inventei o “conceito”. Ele já existia. Eu só o fui buscar para o encaixar na história.

MBC – Será que podemos adiantar que neste livro vamos ficar divididos entre o amor destes três? Luana, Gabriel e Miguel? O mal prevalecerá sobre o bem? Ou é muito mais do que isso?
AK - Eu acho que até meio do livro o leitor deseja que o coração da Luana se abra para o Gabriel. Mas o Miguel é um sedutor nato e a dada altura começa a revelar a sua verdadeira personalidade. Acredito que a maioria das mulheres se sinta mais atraída para o Miguel porque ele é misterioso, atrevido e extremamente inteligente. Ao contrário do Gabriel que é o senhor certinho e bonzinho. O Gabriel é um bom amigo, mas falta-lhe intensidade. O Miguel tem-na de sobra.
Relativamente ao mal prevalecer sobre o bem? Acredito piamente que o mal é apenas a outra face do bem e vice-versa. Eles nunca se poderão anular um ao outro porque se complementam. Como aquela frase do Vanilla Sky: “Porque sem o amargo, querida, o doce não é tão doce.” 

MBC – Este livro deixa em aberto uma continuação, poderemos contar com a sua continuação para breve, ou já existem outros planos para um futuro imediato?
AK - Eu estou a passar por uma fase um pouco confusa no que diz respeito a criações literárias. Tenho vários projetos começados e mais uns quantos a fervilhar na minha cabeça. A continuação da Guardiã vai a meio porque, entretanto, comecei outra história num género completamente diferente, a pedido da editora. No entanto, e tendo em conta o tempo escasso para escrever, sinto-me um bocadinho assoberbada com tanto “fogo para apagar”. Como não se vive da escrita, e no meu caso há uma casa e filhos sob a minha exclusiva responsabilidade, o que não pode de forma alguma ser descurado é aquilo que assegura o pagamento das contas.

MBC – Nunca ninguém te perguntou se te identificavas com as heroínas dos teus contos? Será que no fundo são escritas à tua imagem, pessoas que gostarias de ser, vidas passadas ou simplesmente o fruto de uma abundante imaginação?
AK - Acho que qualquer pessoa que escreva ficção, também escreve sempre um bocadinho de não-ficção, isto é: dá sempre um pouco de si aos personagens que cria. No caso da Guardiã, a Luana tem um pouquinho de mim, sim. As recordações de infância da Luana são afinal as minhas recordações de infância e muito daquilo em que ela acredita é aquilo em que eu acredito. No caso da Catarina, a protagonista da outra história que estou a escrever, ela cede à loucura muitas vezes da mesma maneira que eu também cedo à loucura, embora ela de uma forma mais permanente e eu, mais momentânea.

MBC – Costumas pedir a opinião aos teus filhos ou a alguém perto de ti quando escreves ou guardas tudo no segredo dos Deuses até à sua publicação?
AK - Ao meu filho sim. Aos amigos, desisti de pedir opinião porque senti (quando estava a escrever a Guardiã), que eles diziam estar a gostar apenas por serem meus amigos. Não senti sinceridade na maioria das opiniões que fui escutando e ao menos o meu filho, nesse aspeto dá-me mais tranquilidade. O Rafael é muito crítico, além de que escreve maravilhosamente bem, melhor que a maioria dos escritores publicados, o que me leva a confiar inteiramente nos seus julgamentos. Acontece-me, por vezes, refazer partes da história porque ele é honesto o suficiente para me dizer “não gosto”.

MBC – Começaste a escrever uma crónica semanal para o nosso jornal Nova Gazeta onde podes dar a tua opinião sobre tudo o que te apeteça, tens tido alguma reação dos teus leitores?
AK - Uma das minhas preocupações quando surgiu o convite foi precisamente saber logo se podia escrever o que me apetecesse. Se a resposta tivesse sido negativa, eu não teria aceite.  Mesmo no jornal em que trabalho tenho total liberdade para escolher os temas sobre os quais escrevo, e embora em jornalismo tenha que me limitar aos factos, é importante para mim poder escolher os temas que me dão gozo abordar. Também tenho a sorte de ser muito versátil sobre os temas que escrevo, e tanto vou à politica como à sociedade ou à arte. Desde que o tema me apaixone é-me muito fácil desenvolve-lo. A reação de quem me lê é geralmente boa. Claro que quando os temas são mais polémicos e fraturantes, há sempre quem não goste do que escrevo, mas quando há críticas, elas dirigem-se sempre ao conteúdo e nunca à forma.

MBC – Se te perguntasse sobre o que estás a escrever neste momento poderias deixar sair um pouco da magia desse teu novo projecto?
AK - Prefiro para já não falar sobre a história que estou a escrever. A experiência com outros escritos diz-me que quanto menos as pessoas souberem sobre o que estamos a fazer, maiores são as hipóteses de o conseguirmos fazer. Não é superstição. É observação.

MBC – Sei que tens uma agência que ajuda na divulgação de novos escritores a Bee Dynamic Books. Fala-nos um pouco do motivo da sua criação.
AK - Criei a Bee Dynamic Books logo após o lançamento do meu livro. Senti na pele as dificuldades que os novos autores têm para chegar ao público e decidi agir. Quem nunca publicou um livro não imagina o quão cruel pode ser o mercado literário. À medida que vamos entrando nele apercebemo-nos de muitas injustiças. Há autores (e repara que eu disse autores e não escritores) que têm à partida editoras e publico aos pés, não porque escrevam bem ou porque tenham conseguido criar uma boa história, mas porque têm carreiras que lhes dão visibilidade. Como os apresentadores de televisão, por exemplo. Depois há os que têm dinheiro e conhecimentos onde interessa ter: editoras e comunicação social. Há de facto uma elite que está dentro de uma redoma, e todos os que estão fora dessa redoma, têm que “penar” muito para serem minimamente reconhecidos. Bloggers com milhares de visitas transformam-se em “escritores” só por causa desses milhares de visitas, não porque escrevam alguma coisa que mereça realmente ser publicado. Mas este é o mundo que temos. Também aqui como em tantas outras áreas a preocupação é com as vendas e não com a qualidade. Tendo em conta que devido ao meu trabalho na Bee já me deparei com autores que mereciam estar no topo e não estão porque não fazem parte dessa tal elite, posso dizer sem sombra de dúvidas que há neste momento uma enormíssima hipocrisia no mercado literário. Tenho muita pena que seja assim. Todavia, a Bee está um pouco parada, porque lá está, não me é possível apagar todos os fogos. Além disso, este projeto acabou por secundarizar-se porque não estava a ser rentável financeiramente e quando assim é, há que perceber o que é prioritário. O jornal, a minha escrita e a minha família são prioritários. A Bee não.  Todavia, tenho muito gosto em ajudar na divulgação dos autores que me pedirem ajuda, mediante aquilo que de mim for exigido.

MBC – Que frase usarias para te descrever?
AK - “Quanto mais me despedaço mais inteira fico.” Já o disse a Cecília Meireles e cabe em mim que nem uma luva.


1 comentário:

  1. Gostei de ler a entevista. Endereço os meus parabéns à AK pela lealdade aos seus principios como também pela verticalidade que sempre demonstrou no jornalismo. Concordo em absoluto com os vários pontos abordados. Abraço.

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