sexta-feira, 25 de agosto de 2017

OPINIÃO | Impérios | MARGARIDA VERÍSSIMO

Quando hoje saí de casa fui abordada por um jovem casal italiano, num carro de aluguer, que me perguntou o caminho para o “sítio romano”. Tinham-se enganado na estrada e entrado na urbanização onde moro, a menos de 2 km de Conímbriga. No meu italiano enferrujado lá os ajudei: a diritto, dopo a destra, ancora a destra, a sinistra e dopo subito a destra… Enquanto os via avançar no encalço das ruínas de Conímbriga fiquei a questionar-me sobre o que levaria italianos a visitar ruínas romanas em Portugal. Se há coisa que não falta em Itália são vestígios dos tempos gloriosos do império.

Apercebi-me então o quanto poderemos estar próximos deste sentimento italiano. O orgulho, a curiosidade e o fascínio que levam um italiano a visitar as ruinas do império romano espalhadas pelo mundo, mais concretamente pela Europa, norte de África e Médio Oriente, será o mesmo orgulho, a mesma curiosidade e o mesmo fascínio que leva um português a visitar os vestígios da presença portuguesa no mundo, por um mundo mais longínquo que nos levou a África, à América e ao Extremo Oriente.

Com um misto de orgulho e nostalgia visitamos centros históricos de cidades, cidadelas, praças, igrejas, conventos e mosteiros, muralhas, fortes e fortalezas, casas, palácios e residências e imaginamos o que terá sido viver naqueles locais em tempos idos, áureos e árduos.

Talvez nessas visitas, não nos imaginemos mercadores numa feitoria da costa ocidental de África, a comercializar escravos musculados, de pele negra e suada. Será mais fácil, simpático e politicamente correto imaginarmo-nos mercadores de especiarias na longínqua Ásia. Quem sabe imaginamo-nos como parte de tropas portuguesas, combatendo e defendendo por dias a fio uma cidade fortificada, longe de casa e do clima ameno do nosso país e talvez haja quem fantasie ser artesão, ou agricultor, trabalhador de sol a sol, fazendo filhos, colonizando e povoando novas terras, novos mundos, enriquecendo, embrenhando-se em civilizações, gentes e paisagens exóticas. Poderá haver quem se imagine missionário, contactando com novos povos, de cultura e religiões tão distintas, transmitindo-lhes a sua fé… até estou a ouvir a banda sonora destes momentos… O mais comum será talvez imaginarmo-nos exploradores aventureiros, navegadores, governadores ou proprietários de prósperas explorações de cana-de-açúcar, cacau ou café….

Do mesmo modo suponho que um italiano que visite o património deixado no mundo pelos seus antepassados não se imagine um pobre plebeu a viver num claustrofóbico apartamento no 3.º andar de uma insula de Subura. Também não se imaginará a anafada mulher do dono de uma taberna num lugar recôndito da Lusitânia, a servir refeições de vinho de qualidade duvidosa e pão com azeite e ervas aromáticas a viajantes e mercadores. Mas talvez se imagine um legionário a marchar com a sua centúria percorrendo a via Domícia, a cadência dos passos decididos a entoarem no empedrado formando uma ritmada melodia que desperta os corações das jovens gaulesas. Possivelmente imagina-se um abastado patrício recebendo visitas no átrio da sua domus ou banqueteando-se com uma rica refeição servida pelos seus escravos numa divisão luxuosamente decorada, com frescos, mosaicos e esculturas sedutoras. Eventualmente, inspirado por filmes e séries televisivas, haverá quem se imagine gladiador, num coliseu no norte de África, lotado por uma multidão ávida de ação e de sangue…


Volto para casa e vislumbro pousado sobre o móvel, do vestíbulo da entrada, o último livro que comprei: “ Sangue Romano”! 













Margarida Veríssimo

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