Quando hoje saí de casa fui abordada por um jovem
casal italiano, num carro de aluguer, que me perguntou o caminho para o “sítio
romano”. Tinham-se enganado na estrada e entrado na urbanização onde moro, a
menos de 2 km de Conímbriga. No meu italiano enferrujado lá os ajudei: a diritto, dopo a destra, ancora a destra, a
sinistra e dopo subito a destra… Enquanto os via avançar no encalço das
ruínas de Conímbriga fiquei a questionar-me sobre o que levaria italianos a visitar
ruínas romanas em Portugal. Se há coisa que não falta em Itália são vestígios
dos tempos gloriosos do império.
Apercebi-me então o quanto poderemos estar próximos
deste sentimento italiano. O orgulho, a curiosidade e o fascínio que levam um
italiano a visitar as ruinas do império romano espalhadas pelo mundo, mais
concretamente pela Europa, norte de África e Médio Oriente, será o mesmo
orgulho, a mesma curiosidade e o mesmo fascínio que leva um português a visitar
os vestígios da presença portuguesa no mundo, por um mundo mais longínquo que
nos levou a África, à América e ao Extremo Oriente.
Com um misto de orgulho e nostalgia visitamos centros
históricos de cidades, cidadelas, praças, igrejas, conventos e mosteiros, muralhas,
fortes e fortalezas, casas, palácios e residências e imaginamos o que terá sido
viver naqueles locais em tempos idos, áureos e árduos.
Talvez nessas visitas, não nos imaginemos mercadores
numa feitoria da costa ocidental de África, a comercializar escravos musculados,
de pele negra e suada. Será mais fácil, simpático e politicamente correto
imaginarmo-nos mercadores de especiarias na longínqua Ásia. Quem sabe imaginamo-nos
como parte de tropas portuguesas, combatendo e defendendo por dias a fio uma cidade
fortificada, longe de casa e do clima ameno do nosso país e talvez haja quem
fantasie ser artesão, ou agricultor, trabalhador de sol a sol, fazendo filhos,
colonizando e povoando novas terras, novos mundos, enriquecendo, embrenhando-se
em civilizações, gentes e paisagens exóticas. Poderá haver quem se imagine
missionário, contactando com novos povos, de cultura e religiões tão distintas,
transmitindo-lhes a sua fé… até estou a ouvir a banda sonora destes momentos… O
mais comum será talvez imaginarmo-nos exploradores aventureiros, navegadores, governadores
ou proprietários de prósperas explorações de cana-de-açúcar, cacau ou café….
Do mesmo modo suponho que um italiano que visite o
património deixado no mundo pelos seus antepassados não se imagine um pobre plebeu
a viver num claustrofóbico apartamento no 3.º andar de uma insula de Subura. Também
não se imaginará a anafada mulher do dono de uma taberna num lugar recôndito da
Lusitânia, a servir refeições de vinho de qualidade duvidosa e pão com azeite e
ervas aromáticas a viajantes e mercadores. Mas talvez se imagine um legionário
a marchar com a sua centúria percorrendo a via Domícia, a cadência dos passos
decididos a entoarem no empedrado formando uma ritmada melodia que desperta os
corações das jovens gaulesas. Possivelmente imagina-se um abastado patrício
recebendo visitas no átrio da sua domus
ou banqueteando-se com uma rica refeição servida pelos seus escravos numa
divisão luxuosamente decorada, com frescos, mosaicos e esculturas sedutoras.
Eventualmente, inspirado por filmes e séries televisivas, haverá quem se imagine
gladiador, num coliseu no norte de África, lotado por uma multidão ávida de ação
e de sangue…
Volto para casa e vislumbro pousado sobre o móvel,
do vestíbulo da entrada, o último livro que comprei: “ Sangue Romano”!
Margarida Veríssimo
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