domingo, 3 de novembro de 2019

PERFEITA NATUREZA, de Cristina Das Neves Aleixo
















Se há coisa que gosto de comer é fruta. Não sou o chamado “bom garfo”, no sentido em que como para viver e não o contrário, mas a fruta é uma das minhas perdições. Numa das minhas incursões a uma superfície comercial para me abastecer da dita, deparei-me com as bancadas repletas de frutos brilhantes e convidativos. “Vamos lá ver se é desta”, pensei, e acerquei-me das ameixas. Assim que lhes toquei… estavam verdes, mais uma vez. Suspirei. Passei ao melão, às uvas, às maçãs, aos kiwis… tudo completamente impróprio para consumo. Abanei a cabeça em desaprovação, enquanto o meu pensamento tomava as rédeas e cavalgava a toda a brida pelas razões mesquinhas que, actualmente, levam os produtores a criar tudo à pressão. Desabafei verbalmente qualquer coisa a propósito, enquanto passeava o olhar desolado pelas cores à minha frente. 

- É para amadurecer, minha senhora – ouvi ao meu lado.

Mas o que… dei conta do zumbido nos ouvidos, virei meio corpo e tive uma visão turva de uma mulher jovem, vestida com a farda do estabelecimento, que dispunha mais maçãs encortiçadas no expositor.

- Eu compro fruta para comer, não para decorar a fruteira e depois deitar fora – respondi-lhe enfadada.

Encarou-me com um olhar perdido, como se não percebesse minimamente o que lhe tinha acabado de dizer. Encolhi os ombros, enquanto constatava que era uma perda de tempo tentar explicar-lhe que a fruta naquelas condições, colhida muito antes de tempo, não amadurece; que uma coisa é inspirar o aroma natural à medida que nos aproximamos dos frutos, sentir a sua maciez na ponta dos dedos, deleitarmo-nos com a suavidade da polpa e a abundância de sumo ao serem trincados e outra, bem diferente, é fruta rija, sem cheiro, encortiçada e que não sabe a absolutamente nada. Ultimamente só encontro o segundo cenário. Que saudades da fruta criada naturalmente.

Virei-me e vim-me embora, sem nada nas mãos, enquanto pensava que o dinheiro move realmente tudo. Por ele até nos matamos lentamente ao produzirmos verdadeira porcaria para consumirmos, carregada de hormonas de crescimento, antibióticos, pesticidas, conservantes e outras substâncias nocivas, apenas para criar e vender mais rápido e em maior quantidade. Nós acordamos os cancros que nos assolam e matam. Tentamos, por todos os meios, controlar e manipular o tempo e a vida, esquecendo-nos que o melhor plano já foi traçado há muito tempo. Chama-se natureza.

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