quinta-feira, 8 de fevereiro de 2018

CRÓNICA | Infância | MBARRETO CONDADO

“Esta é uma obra de ficção, qualquer semelhança com nomes, pessoas, factos ou situações da vida real terá sido mera coincidência”

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A infância do Nunes decorreu dentro da normalidade podre que reinava na sua casa. O menino não podia correr porque o velho pai não gostava, não podia falar porque a sua voz o irritava, não podia tocar em nada porque podia partir o espólio que tanta lábia lhe custara a amealhar às já parcas velhas senhoras endinheiradas de Lisboa.

Uma coisa era certa com a sabedoria e sageza do velho pai quando o menino morresse tinha diversos jazigos bem localizados dentro do cemitério do Alto de São João por onde escolher passar a eternidade, até porque como se sabe na alta roda lisboeta mesmo depois de morto tem que se manter a posição social independentemente de como esta tenha sido adquirida. Já as idosas senhoras e as suas respectivas famílias não teriam a mesma sorte, teriam sim o privilégio de escolher um qualquer lote suburbano onde penar pelo seu triste fadário.

O velho pai mantinha, no entanto, enormes expectativas para este filho, tentando criá-lo à sua imagem e semelhança não fosse a diferença de alturas que por esta altura já os separava por uns bons dez centímetros a favor do Nunes. Pouco letrado, mas com o douto conhecimento que a vida lhe dera, o velho pai conseguiria incutir-lhe o mesmo princípio pelo qual regera toda a sua vida: “Não interessava como obtinha tudo o que se queria ter desde que o fizesse”. E assim Nunes aprendeu a sua primeira grande lição, isso e aprender a dizer restaurant carregando bens os erres e a usar o plastron a envolver-lhe o pescoço cheio de acne por não deixar a pele respirar devidamente.

O Nunes entrava na adolescência com as expectativas do pai a cairem por terra tal como a presunção de o vir a casar um dia com a princesa Vitória da Suécia e poder assim, ter um filho a quem todos chamariam de rei ainda que fosse consorte. 

Nunes acabava por ser também ele a sua má sorte.


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