sábado, 10 de fevereiro de 2018

REFLEXÕES OCASIONAIS | Este país não é para Velhos?! | ISABEL DE ALMEIDA

   O facto de os partidos em maioria na Assembleia da República terem chumbado as propostas do PAN e do CDS-PP com vista à criminalização do abandono de idosos não constitui uma novidade assim tão grande para quem esteja familiarizado com a temática do envelhecimento, e com a forma como esta fase normativa do ciclo de vida humano é equacionada em termos psicológicos, demográficos, sociais, pessoais e profissionais.

   Quem acompanha o estudo das problemáticas inerentes à população idosa sabe que estamos a atravessar uma fase demográfica de envelhecimento nos países mais desenvolvidos (e mesmo naqueles que se arrogam tal estatuto, como o nosso, só não sei se o mesmo é merecido aqui para o rectângulo à beira mar plantado...perdoem-me o desabafo, mas quem me lê bem sabe que ando triste com a nacionalidade que me coube em sorte). 

   Em concreto em Portugal, e mais genericamente noutros países com melhores condições económicas do que o nosso, não se encontra assegurada a chamada renovação de gerações, por um conjunto de razões concorrentes das quais passo a enumerar algumas sem qualquer pretensão de estar a escrever um artigo de natureza científica: o aumento da esperança média de vida, a insuficiência da taxa da natalidade para que existam mais jovens do que idosos, casamentos tardios ou o legítimo direito exercido por muitas mulheres de não virem a ser mães, a crise económica que vem, naturalmente, refreando a vontade de muitas jovens famílias de contribuir para o aumento da taxa de natalidade, e muitas outras razões cuja enumeração tornaria fastidiosa a leitura desta crónica.

  Portanto, é ponto assente que a população Portuguesa está envelhecida, embora existam heterogeneidades na distribuição da população pelo território nacional, ao nível etário, que não se negam, mas que também não são bastantes para inverter a premissa supra assumida de que Portugal está a ficar velho!

   Mas se é certo que o país está a ficar velho, infelizmente, não é menos certo que, nitidamente, não é um país para velhos! E o que me leva a expressar esta opinião nem sequer é a polémica do momento ( do chumbo de propostas legislativas no sentido de criminalizar o abandono de idosos), o que me faz acreditar no que afirmo é o facto de debruçar a minha atenção sobre a temática do envelhecimento, no âmbito da minha formação em Psicologia, e das leituras que fiz (em sede de preparação e escrita de Dissertação de Mestrado) e que vou fazendo sempre que tenho oportunidade, é patente que a nossa sociedade sofre de um evidente estereótipo que dá pelo nome de Idadismo, o qual corresponde a um juízo negativo ou mesmo a uma aversão pelo avançar da idade, ou pelos idosos (em termos muito simples). 

   O Idadismo pode mesmo ser uma ideia inconsciente, e a ironia reside em que mesmo quem dele tem noção em termos teóricos nem sempre lida bem com o avançar da idade, e com as mudanças que este transporta consigo. Numa sociedade onde se endeusa a beleza, o bem-estar, a boa forma física, a ausência de doença física ou mental, onde alguém com mais de trinta anos é muito jovem para deixar a população activa, mas é olhado de lado pela grande maioria dos empregadores por ser considerado velho para exercer determinadas funções (já experimentaram tentar adivinhar a média de idades dos trabalhadores de grandes cadeias de retalho?), nomeadamente, tudo o que exija contacto com o público. 

   Porque razão muitos de nós tentamos mascarar o passar dos anos, e aqui em especial as senhoras são mestres nesta arte, pintando os cabelos para "tapar os cabelos brancos", apostando em tratamentos de beleza (alguns até dolorosos ou invasivos) para exterminar ou disfarçar rugas ou marcas da idade na pele?

   E em termos sociais e até legais, muito embora o abandono de idosos não se encontre taxativamente tipificado no nosso Código Penal, pessoalmente, entendo que o mesmo é passível de gerar responsabilidade criminal noutros moldes, mormente, pode ser enquadrado no crime de violência doméstica, desde que feita a devida prova junto das instâncias competentes. Este meu entendimento, que creio possa ser sufragado por outros cidadãos, bem revela que a rejeição da tipificação deste crime, e os argumentos utilizados em favor e desfavor desta decisão do foro político, são apenas a ponta de um imenso e assustador icebergue...

 Senão vejamos, perante o abandono efectivo de um idoso, por exemplo, num hospital, podem esconder-se razões mais ou menos criminosas. Há que reconhecer que não existem respostas sociais adequadas e bastantes para acudir aos inúmeros casos de dependência dos nossos idosos. Não existem lares de idosos suficientes para dar resposta a todas as situações de idosos dependentes, existem famílias que, de facto, não possuem condições financeiras que lhes permitam recorrer à institucionalização dos seus idosos, o ritmo acelerado da vida moderna, a impossibilidade em termos  logísticos e humanos de dar resposta a muitos casos de dependência extrema (idosos acamados, com demência, que carecem de equipamentos específicos para cuidados dignos, como camas articuladas, alimentação através de sonda) é real em muitas famílias, assim como também é real, infelizmente, e em muitas unidades de saúde públicas e privadas, a circunstância de ser a idade a determinar o empenho investido e a qualidade de cuidados de saúde prestados aos mais velhos. E aqui permitam-me um desabafo pessoal que atesta parte do que afirmo, nunca esquecerei o facto de certa unidade hospitalar pública (cujo nome não cito para não alimentar polémicas) haver dado alta hospitalar à minha avó materna (doente cardíaca, diabética e com 82 anos de idade) implicando um transporte em ambulância,  a decorrer de noite, com temperaturas baixas e uma viagem que implicou a travessia do Tejo).

   Ou seja, tocando mais na ferida, em teoria, o acto de abandono, ou de maus-tratos a idosos poderá não ter forçosamente como agente activo da sua prática um ou mais familiares, poderá suceder, e sucede todos os dias em diversas instituições! Mas claro, não se nega que os cuidadores familiares podem incorrer, e muitos até incorrem, na prática de vários ilícitos neste âmbito da violência contra idosos (que pode ser física, psicológica ou mesmo económica).

  Agora que algumas críticas foram expostas nestas reflexões perguntarão muitos leitores: então e soluções? Que soluções encontrar para este flagelo? Pois bem, não é fácil, nunca será imediata a resposta, mas pensar apenas no abandono descurando a extrema complexidade deste tema, que passa também por uma mudança de mentalidades (até no interior de cada um de nós) acaba por ser imensamente redutor. As soluções, que assumo tenham de revestir natureza política, precisam de reunir reflexões, estudos e empenho de profissionais de várias áreas, equipas multidisciplinares que comecem por inteirar-se daquilo que se passa no terreno ( e quantas vezes o processo legislativo em Portugal - neste ou noutro qualquer tema - é feito meramente na comodidade de um gabinete ou de uma mesa de reuniões repleta de lindíssimos copos de cristal, folhas de papel e canetas e as providenciais garrafas de água, sem que se conheçam as realidades fora daquelas quatro paredes?). 

  Seria também importante providenciar formação sobre estes temas às crianças e jovens em idade escolar, e a todos os profissionais que contactem com idosos, mormente, no âmbito dos cuidados de saúde, e, já agora, providenciar formação e apoio para cuidadores informais por todo o país.

  Podem dizer que sou uma sonhadora, mas quero muito acreditar que não estou sozinha!


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