quinta-feira, 1 de fevereiro de 2018

CRÓNICA | O Nascimento de um Asno | MBARRETO CONDADO

“Esta é uma obra de ficção, qualquer semelhança com nomes, pessoas, factos ou situações da vida real terá sido mera coincidência”

Todos, pelo menos uma vez na vida, conhecemos pessoas tão vazias, insignificantes, porém com trejeitos de grandes feitos, criaturas que se rodeiam dos seus similares numa efémera tentativa de se encontrarem na sua triste e insignificante passagem entre nós. No fim não deixam saudades, memórias, e o que eventualmente fica acaba por ser destruído pelo próprio tempo. Por esse motivo as “Crónicas de Nunes, um asno” tenta ser um retrato vivo do que não queremos para os nossos filhos e filhas.
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Numa quente tarde de maio nascia Nunes de cognome um asno. O seu inesperado nascimento vinha trocar as voltas de final de vida ao seu velho pai que nunca pensou que na sua provecta idade tivesse que ouvir os gritos daquela criança insegura que numa demonstração da sua fraqueza vinham sempre acompanhados por rios de baba. O velho sentou-se num cadeirão do quarto do hospital da Cruz Vermelha, sim porque o menino tinha que nascer num local frequentado pelos brasonados de Lisboa, mesmo que para isso tivessem que comer língua de vaca durante uns meses (a mesma subentenda-se, que isto de comprar várias era um desperdício de dinheiro), pousou a cabeça entre as mãos e naquele momento tomou as decisões que melhor lhe facilitariam a sua coexistência com este novo rebento, enviaria o seu filho mais velho para um colégio interno de padres de preferência bem longe de Lisboa (quanto mais longe mais barato) e a sua filha, bem como era meio doidivana tinha esperanças que fugisse de casa. Estava decidido, levantou-se de repente satisfeito com a sua decisão, o corpo podia estar velho, mas a sua cabeça ainda funcionava a cem por cento. Uma coisa era certa nunca mais se deitaria excitado (o que já era raro) com a mulher, sempre que tivesse ideias infelizes tomaria um banho de água tépida, na sua idade já não era necessário o uso abusivo de água fria até porque lhe fazia mal ao reumático.

O Nunes que dormia no berço ao lado da cama da mãe acordou assustado começando a berrar. A mãe nem se mexeu, finalmente descansava merecidamente, tinham sido nove árduos meses a transportar aquele infeliz que parecia já ter nascido com dentes e uma aptidão invulgar para apertar os atacadores. Entrava uma enfermeira incomodada pelo choro da criança, a um sacudir de mão da mãe levou-a com ela para o berçário.

A verdade é que estes primeiros momentos da vida de Nunes iriam influenciar toda a sua vida futura, na tentativa infrutífera de conquistar a admiração e respeito do pai bem como a atenção da mãe. E seria somente aos seus 33 anos que o conseguiria, ao exemplo de seu pai encontraria uma mulher disposta a financiar as suas ideias de grandeza e melhor ainda, que o trataria como um filho o que a sua mãe nunca fizera.

Naquele dia nascia aquele, cujas crónicas começam hoje.


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