domingo, 15 de dezembro de 2019

SER PORTUGUÊS, de Cristina Das Neves Aleixo















Viver em Portugal é conviver com a sua gente de sorriso simpático, pronta a ajudar e a aproximar-se sem reservas dos seus interlocutores, sejam eles de que nacionalidade forem – a hospitalidade portuguesa e a facilidade de falar qualquer língua são sobejamente conhecidas - e usufruir de um clima de sonho, sem catástrofes naturais de maior monta, em paisagens desde a neve ao mais fino areal da praia; é desfrutar de uma luz natural, com um brilho raro, muito superior a outros locais do mundo; é degustar uma das melhores cozinhas e néctares e ter a felicidade de caminhar calmamente nas ruas em liberdade e sossego.


Mas ser português tem outro lado, incompreensível para quem preza a justiça e a verdade. Portugal tem um dos salários mínimos mais baixos da Europa, uma carga horária laboral elevada, uma taxa de desemprego insustentável, um serviço de segurança social podre, importa muito mais do que exporta e assiste, impávido, a todo o tipo de corrupção ao mais alto nível. Temos políticos que “desviam” e promovem tudo o que lhes convier, banqueiros coniventes com operações ilícitas na alta finança, juízes que, conscientemente, se demitem das suas reais funções e assumem posturas parciais e tremendamente questionáveis, médicos que rasgam o juramento de Hipócrates e se associam à máquina moedeira das farmacêuticas, entidades que roubam crianças aos seus progenitores e outras que deveriam cuidar delas e dos nossos velhos e os mantêm em vivências completamente inaceitáveis aos padrões humanos, polícias que são condenados por fazerem o seu trabalho, grandes empresários que mais parece quererem destacar o que é feito lá fora do que cá dentro e… nada é feito para travar isto.

Tudo se vai desenrolando, impunemente, mês após mês, ano após ano, década após década, à frente dos nossos olhos, num país que é um dos mais ricos do mundo em recursos naturais. Temos tudo o que é necessário para viver – não é sobreviver – sem praticamente depender de mais ninguém. Temos gás natural, petróleo, minerais diversos, sol em abundância, grandes extensões de solo arável e cultivável, óptimos aquíferos, um oceano rico em peixe, um clima excelente para qualquer tipo de agricultura e grandes mentes. Isto em linhas muito gerais.

Porque razão preferimos usar-nos do que é dos outros em vez do que é nosso? Porque não aproveitamos os recursos e as boas capacidades que temos – porque as temos, sim! - para criar emprego sustentável, para fazer crescer o país, para repor a justiça social, ao invés de apostarmos naquilo que os outros produzem? A relação entre os recursos naturais e o poder mundial é bem conhecida e nós temo-los de sobra. Porque continuamos a encolher os ombros à miséria de sistema em que vivemos? A resposta, creio, está nos nossos “brandos costumes”, como é hábito ouvir-se dizer. Aceitamos tudo o que nos é feito, mesmo que nos faça muito mal. Somos um povo permissivo, de conversa de café. Ali despojamos a corrupção e a injustiça de tudo e mais alguma coisa, somos super-heróis que se batem estoicamente pelo justo e pela igualdade de peito feito, mas depois, de volta à realidade diária, baixamos a cabeça e os braços e pensamos que melhores dias virão. Têm que vir, pois claro.

A pensar morreu um burro – ditado popular.

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