quinta-feira, 24 de outubro de 2019

UM DIA MUITO DESEJADO, de Anita Dos Santos
















Todo o tempo da gravidez foi muito difícil.

Havia historial de problemas anteriores, assim houve que tomar cuidados redobrados.

Aquela criança era esperada há uma meia dúzia de anos e, agora que chegava a altura de o trazer à luz do dia, não se sentia com força suficiente para o fazer.

Estava terrivelmente magra. O bebé tinha demandado tudo o que o seu organismo podia dispensar, e aquilo que não podia, ele ia buscar assim mesmo. Parecia um caniço, um junco com uma enorme barriga que todos se admiravam como conseguia sustê-la.

Durante a madrugada começara a sentir as primeiras contracções (porque será que os bebés se lembram sempre de acordar as mães para nascer?), acordou o marido e, com toda a calma foram para o hospital em que estava destinado o bebé nascer, levando a pequena mala com a roupinha tão pequena.

Era ainda muito cedo, “Vá andar pelo jardim, dar um passeio. Uma caminhada calma. Depois volte e logo vemos”. Lá foram os dois, sempre juntos, eram já três só que o terceiro estava ainda bem acomodado dentro da mãe.

Passaram as horas. Ficou finalmente numa cama com as contracções mais juntas e mais violentas.

E o bebé não dava mostras de querer nascer…

Por fim foi levada para a sala de partos.

Sentia-se aterrorizada. Além das dores que sentia, o desconhecido, o não saber o que a esperava e o que devia fazer para ajudar a sua criança, deixava-a ainda mais aflita.

No exterior, a calma nunca a abandonou, a sua voz não se ouviu, mas lá dentro, a sua alma gritava, aos berros.

Subiu para a marquesa e, as parteiras, rebentaram-lhe a bolsa das águas.

A partir desse momento não teve mais contracções.  As parteiras de volta dela perguntavam, “Então, essas contracções?”, com ar preocupado, mas as horas passavam e nada.

O médico assistente dela tinha-lhe dito que naquele dia estaria de serviço, mas ainda não o vira, e ao questionar uma das parteiras sobre o assunto, esta respondeu-lhe que o doutor só entrava de serviço às dezasseis horas. Até lá, estava só, com as parteiras.

E o bebé sem querer nascer…

Colocaram-lhe soro para ajudar, mas a ajuda não chegava. Tentava por todos os meios não entrar em desespero, mas já não sabia como.

Já era de tarde, quando o médico entrou porta dentro e, foi direito a ela para a observar.

- Olha, o teu filho está a sofrer. Eu sei que não tens contracções, mas tens de fazer um esforço, o melhor que poderes, para ajudar o teu filho a nascer. Consegues?

- Consigo, sim Doutor.

- Então vamos lá fazer este bebé nascer.

O segundo turno de parteiras já tinha entrado, mas o primeiro não saiu. Ficaram todas com ela.

Sem saber onde foi buscar a força, à sua vontade certamente, fez da fraqueza força dos fracos músculos, fortes fontes de poder. A sua vontade sobrepunha-se a tudo.

Foram minutos, foram horas, foram instantes.

Sentiu rasgar, assim mesmo continuou. Já não sentia dor, estava para lá de tudo isso. Só o seu bebé importava.

Por fim, ouviu o tão esperado “Nasceu! Por Deus, que grande rapaz!”, podia por fim, descansar.

Mas o filho, queria ver o filho… E tinha tanto frio… Estavam todos a afastar-se, a ficar longe… Onde estava o menino? Ouviu falar em quatro quilos, em cinquenta centímetros…

Lá ao longe, ouviu uma das parteiras, “Então, diga lá, tem roupa para o menino?”, porque estava ela tão longe?

Ora ela pensava que iria ter uma menina, esperava por isso, só levara roupinha para servir a uma menina… Sempre tinham pensado numa menina, talvez por causa da primeira que tinham perdido, esta seria uma Ana Filipa. Um rapaz, só há poucos dias tinham escolhido nome.

E a parteira não parava de falar com ela, a fazê-la falar. Não lhe apetecia falar, queria fechar os olhos e descansar.

O médico tinha-se sentado em frente dela, e dava ordens bruscas, umas a seguir às outras.

Ela virou a cara para o lado, alheando-se do que se passava lá para baixo, fixando os olhos no filho.

Era lindo, moreno com uma cabeleira escura farta, sobrolhos bem desenhados e boca de botão de rosa. Não havia criança mais linda no mundo!

Não deu conta de o tempo passar.

Quando por fim foi levada para a enfermaria, percebeu pela expressão do marido que algo se passava, mas não deu atenção.

Mais tarde soube que durante o parto rasgou a artéria do útero e, a hemorragia foi massiva.

O seu filho nasceu. Se por isso quase tinha dado a sua vida, tinha tudo valido a pena!

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