terça-feira, 22 de outubro de 2019

O AMIGO, de Anita Dos Santos














Era um dia normal.

Fim da tarde, depois de sair do trabalho. Estava-se no final do Inverno, quando os dias começam a ficar um pouco maiores e, em que aproveitava o resto da luz do dia para ver umas montras e esticar as pernas após um longo dia depois de estar sentado à secretária.

Gostava particularmente daqueles instantes em cada dia, que me permitiam deixar para trás os problemas laborais, tão enfadonhos, e por momentos, não pensar em nada, apreciar simplesmente o ar da rua, o frio no rosto, as luzes nas montras, esta ou aquela novidade.

O caminho levava-me, em muitos dias, até junto da montra de uma livraria, onde ficava a admirar os últimos livros dos autores mais ou menos conhecidos.

Tinha até, a dada altura, começado um manuscrito, ao qual voltava de vez em quando, se sentia inspiração ou necessidade, para acrescentar umas quantas páginas.

Aquele não foi um dia diferente nesse sentido.

Parei em frente da livraria, ensimesmado com as capas que estavam expostas.

Senti um toque nas costas e, virei-me com um sobressalto.

Dei com o Manuel a sorrir para mim, de sorriso rasgado!

- Então António, como tens passado? – Perguntou, com aquele tom gaiato que me recordava sempre de lhe ter ouvido.

Fiquei de costas para a montra, voltado para o meu amigo que não via há anos, e ao no qual não encontrava diferenças, tanto quanto me lembrava.

- Manuel! Mas que bom encontrar-te! – Não me contive, e apertei-o num abraço de urso. – Que é feito de ti? Tens tempo para conversarmos?

- É verdade, não nos víamos há muito tempo… senti saudades daqueles nossos tempos de crianças. 

Não tenho muito tempo, mas vamos andando até uma parte do teu caminho. Eu acompanho-te.

- Diz lá, por onde tens andado, o que tens feito!

- Nada de importante, o mesmo de sempre. Quero é saber de ti, como vai a tua vida. Chegaste a terminar aquele livro que estavas a escrever?

Parei o passo, quase tropeçando. Nem de prepósito, eu ter acabado de pensar no meu livro…

- Não, não o terminei ainda. Acho que ainda falta alguma coisa.

- Não digas isso. Eu penso que deve estar estupendo. Vai ser um bestseller, vais ver.

- Como é que sabes isso? Se calhar não vale nada e ninguém o vai ler…

- Vai por mim, nunca desistas dos teus sonhos. Luta por eles até ao fim!

- Tens razão, é isso que vou fazer. Aliás vinha a pensar mesmo nele! Vou terminá-lo mesmo!

- Muito bem! É assim mesmo!

Olhou para trás, e sorrindo de novo acrescentou:

- Já me demorei demais. Tenho de ir. Gostei muito de voltar a ver-te, António. Nunca desistas dos teus sonhos!

Palavras ditas, vi o Manuel voltar para trás, e desaparecer na esquina seguinte.

As semanas transformaram-se em meses e, eu concluí o meu livro.

E o Manuel estava certo. Depressa se tornou um bestseller, parecia que as edições não saíam com velocidade necessária para corresponder às vendas… Eu nem queria acreditar!

Mais tarde, numa apresentação do livro, encontrei um outro amigo que fazia parte do mesmo grupo de infância a que pertencia o Manuel. Fiquei radiante. Só faltava mesmo o Manuel!

No final, juntamo-nos em volta de uma mesa, com umas chávenas de café e as nossas recordações.

Claro que os amigos ausentes vieram à conversa. Lá lhe contei o estranho encontro que tive com o Manuel, e que ele tinha previsto que o meu livro iria ser um sucesso.

- Oh! António, nem sei como te dizer isto, depois do que te ouvi contar…

- Mas dizer o quê? – Perguntei sem entender.

- António, o Manuel faleceu há cinco anos, num acidente de viação.

- Mas eu estive com ele, abracei-o…

Mais tarde, acabei por entender que o meu amigo se quis despedir, e quis também assegurar-se que eu seguia o caminho que era o melhor para mim.

Naquele dia, além de meu amigo, foi também meu anjo da guarda!


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