domingo, 4 de fevereiro de 2018

CRÓNICA | As “Super Nannies” das nossas vidas | CRISTINA DAS NEVES ALEIXO


A polémica é recente, o programa televisivo que lhe deu origem também, mas o problema de fundo que veiculou tudo isto talvez não seja tão novo assim. Tem crescido ao longo de décadas e é algo que tem inquietado a minha mente em diversos aspectos, qual monstro que um dia nos vem assombrar os sonhos.

Qual é a novidade de crianças mais ou menos problemáticas e birrentas? Nenhuma. A novidade está nas nossas vidas a mil, na valorização exacerbada do multitasking, na busca cada vez mais incessante do ser-se perfeito – quando já somos perfeitos nas nossas imperfeições, pois a vida é uma aprendizagem, e nem nos damos conta -, no querer cada vez mais, sem limites, levando-nos a um estado de exaustão onde algo tem que, obrigatoriamente, ficar para trás. Curiosamente, normalmente o que é relegado para segundo plano é, inconscientemente, aquela parte das nossas vidas a que deveríamos dar mais tempo e paciência: a nossa família e a formação dos nossos filhos. Formar e educar uma criança é algo extremamente sério e que obriga a uma disponibilidade física e emocional muito grande, algo que, nos dias de hoje, sejamos francos, a maioria dos pais não tem; não por culpa deles, bem entendido, mas por culpa do sistema de vida, que obriga a que estejamos disponíveis para tudo menos para aquilo que, de facto, mais importa para o ser humano: os afectos, os laços familiares profundos, aquela estrutura inabalável onde todos se respeitam e admiram mutuamente e que produz seres humanos capazes e dignos desse nome.

À falta de tempo e de paciência, delega-se o acompanhamento e a educação – erradamente - para os professores, para os vários educadores, para quaisquer terceiros – incluindo programas televisivos - que nos aliviem o fardo que carregamos diariamente na alma. E os miúdos apenas querem e precisam dos seus pais, devidamente disponíveis para eles. Sim, há crianças extremamente difíceis de educar; sempre houve; o que não havia era a falta de respeito, de formação, de amor e admiração pelo outro.

Quem nasceu até ao fim da década de 80 sabe que as “Super Nannies” sempre existiram. Davam todas pelo mesmo nome: mãe, e bastava um olhar mais sério para se sentir um formigueiro interior – respeito -, ao mesmo tempo que rapidamente se vasculhava a mente à procura de alguma falta. Elas resolviam qualquer problema, na hora, e quando sentiam que o caso ultrapassava os seus poderes pediam ajuda, sim, mas sem alaridos, sem dar a conhecer ao mundo a vida familiar, sem nos fazerem sentir miseráveis e alvos fáceis dos nossos amigos na escola. E nós amávamo-las e respeitávamo-las por isso e tudo o mais. Era Deus no céu e a nossa mãe, a nossa “Super Nanny”, na terra. 

O sistema de vida permitia que elas existissem em todo o seu esplendor. Nós, crianças, depois jovens adultos, verdadeiros seres humanos em formação, crescíamos felizes, sentindo-nos protegidos, amparados e amados, apesar dos raspanetes, castigos e olhares mais duros, muitas vezes, que não maculavam, em absolutamente nada, os valores incutidos diariamente.

Mas o mundo e as suas necessidades mudaram, dirão. Com certeza que sim. Seria uma parvoíce não perceber e aceitar essa realidade. O que se pode questionar é se ao mudarmos o fizemos de forma estruturada. Não deveríamos tentar encontrar um meio-termo? Tentar melhorar o sistema de vida, de modo a ser possível colmatar essa falha, tão essencial ao equilíbrio das nossas crianças e do futuro de todos nós? Será legítimo sujeitar os nossos filhos à humilhação de toda a gente ver a sua vida exposta num écran de televisão? em situações que todos nós, depois do momento passado, gostaríamos de apagar das nossas vidas?

Já diz o velho ditado: é no meio que está a virtude.

Os extremos nunca prestaram para nada.

1 comentário:

  1. Concordo..... actualmente o grande problema são os extremos.... ou se banaliza tudo e mais alguma coisa ou se eleva até à potência máxima e se cai no exagero e na verdade no meio é que está a virtude.

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